Tragédia anunciada, o teste da gestão pública
Nádia Campeão, no
Blog do Renato
O
Brasil está entrando na fase mais dura do Covid-19 e justamente quando a
população e a sociedade deveriam estar concentrados no enfrentamento e na
proteção, esta trazida pelo isolamento social, o que se observa é a ação criminosa,
omissa e descomprometida de parte das autoridades públicas. A maior é a do
presidente da República e do seu governo, exceção do contraditado Ministério da
Saúde , e agora incluído o presidente do Banco Central que disse ser preferível que
o pico da doença e das contaminações ocorra logo, para que a economia também
possa se recuperar logo. Para ele, que falou para um conjunto de investidores, se a
curva fica muito tempo achatada, pior para a recuperação da economia!
população e a sociedade deveriam estar concentrados no enfrentamento e na
proteção, esta trazida pelo isolamento social, o que se observa é a ação criminosa,
omissa e descomprometida de parte das autoridades públicas. A maior é a do
presidente da República e do seu governo, exceção do contraditado Ministério da
Saúde , e agora incluído o presidente do Banco Central que disse ser preferível que
o pico da doença e das contaminações ocorra logo, para que a economia também
possa se recuperar logo. Para ele, que falou para um conjunto de investidores, se a
curva fica muito tempo achatada, pior para a recuperação da economia!
Assistimos,
comovidos e indignados, o colapso do atendimento em Manaus, a
aceleração rápida da ocupação dos leitos de UTI em todo o país e o avanço dos
casos de contaminação para as áreas populares das periferias. A região da
Brasilândia, bairro popular de São Paulo, onde moram mais de 270 mil pessoas, é
a que registra o maior número de mortos pela epidemia na cidade.
aceleração rápida da ocupação dos leitos de UTI em todo o país e o avanço dos
casos de contaminação para as áreas populares das periferias. A região da
Brasilândia, bairro popular de São Paulo, onde moram mais de 270 mil pessoas, é
a que registra o maior número de mortos pela epidemia na cidade.
Nestas
mesmas regiões, a movimentação nas ruas comerciais é mais intensa, o
isolamento social é baixo e, ainda por cima, formam-se longas filas, por longas
horas, de pessoas tentando resolver pendências de CPF nas poucas unidades da
Receita Federal ou buscando receber o auxílio emergencial nas agências da Caixa
Econômica Federal e Banco do Brasil. É inacreditável: para tentar sobreviver
ficando em casa com alimentação básica, o povo precisa se expor ao risco da
aglomeração na rua.
isolamento social é baixo e, ainda por cima, formam-se longas filas, por longas
horas, de pessoas tentando resolver pendências de CPF nas poucas unidades da
Receita Federal ou buscando receber o auxílio emergencial nas agências da Caixa
Econômica Federal e Banco do Brasil. É inacreditável: para tentar sobreviver
ficando em casa com alimentação básica, o povo precisa se expor ao risco da
aglomeração na rua.
Temos
aqui duas evidências gritantes de desinteresse, desaparelhamento e
insuficiência de gestão pública. Em primeiríssimo lugar, ao ser praticamente forçado
a pagar o auxílio emergencial, o governo federal o faz de forma lenta e burocrática.
Demonstra que não se preparou em momento algum para socorrer a economia
popular. Supôs que os pobres e excluídos do nosso país – gente que perdeu o
emprego e não tem mais esperança em recuperá-lo, os desalentados, os informais
que sobrevivem sem conta bancária nem cartão – teriam situação regular de CPF e
até perante a Justiça Eleitoral! Como se não bastasse, imaginaram que estas
mesmas pessoas teriam facilidade e familiaridade para cadastrar-se por meio digital,
baixar aplicativos, ler uma lista longa de instruções e preencher outra lista de dados.
insuficiência de gestão pública. Em primeiríssimo lugar, ao ser praticamente forçado
a pagar o auxílio emergencial, o governo federal o faz de forma lenta e burocrática.
Demonstra que não se preparou em momento algum para socorrer a economia
popular. Supôs que os pobres e excluídos do nosso país – gente que perdeu o
emprego e não tem mais esperança em recuperá-lo, os desalentados, os informais
que sobrevivem sem conta bancária nem cartão – teriam situação regular de CPF e
até perante a Justiça Eleitoral! Como se não bastasse, imaginaram que estas
mesmas pessoas teriam facilidade e familiaridade para cadastrar-se por meio digital,
baixar aplicativos, ler uma lista longa de instruções e preencher outra lista de dados.
Chega
a ser cínico o comentário de uma autoridade da CEF para uma emissora de
tv, quando perguntado sobre as imensas filas que se formaram: “ mas não precisa
vir nas agências, dá prá fazer tudo por internet… peçam para alguém ajudar”.
tv, quando perguntado sobre as imensas filas que se formaram: “ mas não precisa
vir nas agências, dá prá fazer tudo por internet… peçam para alguém ajudar”.
O
pecado original está no fato de que, na verdade, milhões de brasileiros pobres
voltaram a fazer parte da extrema pobreza, perderam seus empregos, foram
forçadamente para a informalidade, foram morar nas ruas, e, ao mesmo tempo, não
foram aceitos no Bolsa Família e nem mesmo incluídos no Cadastro Único de outros
benefícios. Ou apenas no cadastro como pessoas em situação econômica
vulnerável. Ao invés de orientar para que em todo o país fosse feita uma busca ativa
para cadastramento (como ocorreu nos governos Lula e Dilma), o governo
Bolsonaro paralisou e desestruturou as políticas públicas existentes. Aliás, é só
lembrar os milhares que aguardam concessão das suas aposentadorias. Se já
tivessem recebendo, seria menor o número de pessoas necessitadas do auxílio
emergencial.
voltaram a fazer parte da extrema pobreza, perderam seus empregos, foram
forçadamente para a informalidade, foram morar nas ruas, e, ao mesmo tempo, não
foram aceitos no Bolsa Família e nem mesmo incluídos no Cadastro Único de outros
benefícios. Ou apenas no cadastro como pessoas em situação econômica
vulnerável. Ao invés de orientar para que em todo o país fosse feita uma busca ativa
para cadastramento (como ocorreu nos governos Lula e Dilma), o governo
Bolsonaro paralisou e desestruturou as políticas públicas existentes. Aliás, é só
lembrar os milhares que aguardam concessão das suas aposentadorias. Se já
tivessem recebendo, seria menor o número de pessoas necessitadas do auxílio
emergencial.
Como
agora bem está sendo reconhecido, não fôsse a fortaleza construída pelo
SUS, tão criticado e menosprezado pelos neoliberais e defensores do Estado
mínimo, o povo brasileiro estaria totalmente desamparado. O mesmo se pode referir
à educação pública e à ciência brasileira.
SUS, tão criticado e menosprezado pelos neoliberais e defensores do Estado
mínimo, o povo brasileiro estaria totalmente desamparado. O mesmo se pode referir
à educação pública e à ciência brasileira.
O
outro aspecto do desastre que atinge os bairros populares é a fraca presença do
poder público municipal, sem instrumentos eficazes de governo local, sem uma rede
de proteção constituída por Defesa Civil, entidades sociais, sindicais e comunitárias,
voluntariado, capaz de agir rápida e organizadamente em situações extremas. E
situações extremas não tem faltado nos últimos anos, desde as chuvas e enchentes
recorrentes, rompimentos de barragens, poluição de óleo no litoral, epidemias como
dengue, zika, chikungunya e agora a Covid-19. Nossas cidades não têm resiliência,
a sociedade não está preparada para pensar e agir coletivamente, os mecanismos
de solidariedade surgem de forma espontânea e desarticulada.
poder público municipal, sem instrumentos eficazes de governo local, sem uma rede
de proteção constituída por Defesa Civil, entidades sociais, sindicais e comunitárias,
voluntariado, capaz de agir rápida e organizadamente em situações extremas. E
situações extremas não tem faltado nos últimos anos, desde as chuvas e enchentes
recorrentes, rompimentos de barragens, poluição de óleo no litoral, epidemias como
dengue, zika, chikungunya e agora a Covid-19. Nossas cidades não têm resiliência,
a sociedade não está preparada para pensar e agir coletivamente, os mecanismos
de solidariedade surgem de forma espontânea e desarticulada.
Se
houvesse governo local fortalecido, haveria de organizar uma porta de entrada
única para as doações, um voluntariado selecionado e protegido para organizá-las e
fazer as entregas, para auxiliar as pessoas nas suas casas a realizar os cadastros
necessários, para preparar locais de apoio que possam receber pessoas
contagiadas que não tem condições de fazer o isolamento nas suas casas.
única para as doações, um voluntariado selecionado e protegido para organizá-las e
fazer as entregas, para auxiliar as pessoas nas suas casas a realizar os cadastros
necessários, para preparar locais de apoio que possam receber pessoas
contagiadas que não tem condições de fazer o isolamento nas suas casas.
Os
hospitais de campanha já deveriam estar sendo montados, inclusive com o
recurso ao trabalho das Forças Armadas que já ajudaram na epidemia da dengue,
próximos ou dentro destas comunidades.
recurso ao trabalho das Forças Armadas que já ajudaram na epidemia da dengue,
próximos ou dentro destas comunidades.
Alguns
exemplos meritórios estão sendo liderados por entidades comunitárias,
como em Heliópolis e Paraisópolis em São Paulo, em comunidades do Rio de
Janeiro, e por prefeitos que compreendem a tempo a enorme responsabilidade que
está sob sua gestão, como talvez nunca tenham enfrentado antes.
como em Heliópolis e Paraisópolis em São Paulo, em comunidades do Rio de
Janeiro, e por prefeitos que compreendem a tempo a enorme responsabilidade que
está sob sua gestão, como talvez nunca tenham enfrentado antes.
Mas
é doloroso constatar que o que está sendo feito até agora é muito pouco para
conseguir impedir o sofrimento e as perdas irreparáveis de pessoas queridas. Os
governantes que não souberam ou não quiseram cumprir seu papel de principal
artífice do combate ao Covid-19 e suas consequências, serão cobrados duramente.
conseguir impedir o sofrimento e as perdas irreparáveis de pessoas queridas. Os
governantes que não souberam ou não quiseram cumprir seu papel de principal
artífice do combate ao Covid-19 e suas consequências, serão cobrados duramente.
[Ilustração: Joaquim Torres Garcia]
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