Os detalhes dos "os heróis da
saúde"
Melka Pinto
Eu nasci para questionar, já entendi.
Absolutamente tudo. Às vezes até demais, às vezes até o que nem é pra ser,
virou um meio de vida, eu questiono porque desacredito de muitas coisas que
estão postas, e já entendi que muitas pessoas naturalmente aceitam tudo, por
diversos fatores, e por outros fatores, eu questiono. E me peguei questionando
a mim mesma, será que é hora de não questionar os "detalhes", será
que tudo que não seja morrer ou viver serão detalhes? Ou será que os detalhes
são os que mais importam agora. Será que não são eles que nos mostram realmente
quem somos, onde estamos, o que estamos fazendo.Tá muito vago de me compreender
talvez. Vamos aos questionamentos.
Usam tanta hashtag sobre "heróis
da saúde", e juro que o detalhe da flexão de gênero me incomoda e juro que
não é por falta de problemas para eu refletir, mas esse detalhe me importa, se
a nossa língua fosse democrática e a flexão de gênero fosse determina pela
maioria que compõe o que se refere, falaríamos naturalmente "heroínas da
saúde". Apesar de historicamente os profissionais médicos do sexo
masculino serem a maioria, esse perfil mudou bastante, e a enfermagem eu nem
preciso falar, fora as outras profissões como nutrição, fisioterapia,
psicologia. A saúde, palavra feminina é também uma profissão predominantemente
composta por mulheres.
Existe uma gratificação/ adicional
chamada "insalubridade", baseada no risco de vida inerente ao serviço
que determinado profissional atua, eu desconheço as leis, de insalubridade e de
tantas outras coisas que defendo, mas sei que são óbvias de defender. O que sei
é que essa gratificação na remuneração é calculada de acordo com a exposição ao
risco, então varia o percentual calculado com base ou no salário mínimo ou no
valor do salário do trabalhador/trabalhadora. Em tempos de estar em linha de
frente contra o novo coronavírus, sabendo que historicamente as condições de
trabalho na saúde pública tem limitações e a exposição de morte através da
infecção e agravamento é alta, todas as instituições deveriam pagar o risco
máximo e o valor máximo sobre isso aos profissionais da saúde. Isso é óbvio, ou
detalhe no meio de tanto caos?
Outros detalhes estão invisíveis aos
olhos das pessoas que estão mergulhadas no desespero, dor, sofrimento, ou na
indiferença mesmo. Os "heróis da saúde" na maioria são mães, são
filhas e muitas nem se arriscam a ser "heróis" porque estão com medo,
porque precisam proteger os seus em casa e não querem nem imaginar ser um ponto
de contaminação dentro da casa que guarda as pessoas que mais amam nessa vida.
E as que não podem abrir mão do front, sentem culpa, medo, ou seguem isoladas,
não como muitos que estão isoladas com os de casa, seguem isoladas das pessoas
que mais amam na vida, são detalhes invisíveis e que deixam o coração partido.
São os detalhes que me incomodam. E me
questiono, o que mais importa agora, sobreviver ou entender o que parece ser
tão pequeno? Sobreviver é claro. Mas desculpem, sou uma pessoa muito apegada ao
miúdo.
[Ilustração: Io0ne Tavares]
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