Mais do que suposto melindre*
Luciano Siqueira
Óbvio que há um desconforto importante nas Forças Armadas em decorrência das revelações que se sucedem a propósito da trama golpista urdida pelo então presidente da República, capitão reformado Jair Bolsonaro, e ministros e auxiliares integrantes do seu núcleo de confiança.
Ocorre que entre estes estão oficiais da mais alta patente, a exemplo dos generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.
Ao que registra a grande mídia, com o longo depoimento prestado à Polícia Federal pelo general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, a situação do ex-presidente e dos militares por ele capturados para seus intentos antidemocráticos deve se complicar mais ainda.
O nexo entre os fatos investigados vai se tornando claro e consistente.
À esquerda, pela voz de antigos e jovens militantes, se pede a cabeça dos envolvidos e se cobra do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, postura ofensiva em relação às Forças Armadas.
Mensagem nas redes, artigos em sites diversos e que tais passam a impressão de que Lula estaria vacilando diante da oportunidade de uma espécie de vingança por todos os males que, em diferentes momentos da História, o braço armado do Estado brasileiro cometeu contra a democracia.
Acusam o presidente de um suposto melindre.
Mas o buraco é muito mais embaixo.
Evidente que Bolsonaro conseguiu comprometer parcela expressiva da caserna com seu projeto de poder. E quase o realiza, como agora se sabe.
Mas é preciso situar a questão no contexto da conjuntura política do país em seu todo. E considerar a complexa transição que o governo Lula tenta realizar - da desordem institucional, econômica e social herdada de Temer e de Bolsonaro para uma nova situação, institucionalmente minimamente plantada e politicamente bem articulada, na qual seja possível realizar um novo ciclo de transformações progressistas na sociedade brasileira.
O conjunto da população ainda permanece em grande parte dividido entre extremos. Parcela considerável sob a influência de uma direita ativa, multifacetada e sem nenhum escrúpulo.
Aos militares envolvidos na frustrada trama golpista caberá pagar pelos seus erros conforme a lei e segundo o rito processual cabível.
Ao presidente Lula cabe governar.
E ao conjunto das nossas forças, mais do que nunca mergulhar na base da sociedade para reforçar as condições necessárias para que o governo dê certo.
Os resultados até agora alcançados são muito expressivos e melhoram em certa medida as condições de existência da população mais sofrida. Atingem, portanto, base social muito ampla e diversificada.
Ao invés de cobranças inadequadas ao presidente da República, cabe mobilizar essa base social.
*Texto da minha coluna de toda quinta-feira no portal Vermelho
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