Miseráveis saqueiam o futebol brasileiro há décadas
Quem olhar de perto a situação do
esporte no país constatará o fundo do poço
Juca Kfouri,
Folha de S. Paulo
Vitor
Hugo, sabem a rara leitora e o raro leitor, foi um volante que surgiu no Inter,
brilhou no Grêmio em fins dos anos 1970 e teve passagem pelo Palmeiras no
começo dos 80.
Há outro,
zagueiro, recentemente vendido pelo Palmeiras ao clube turco Trabzonspor.
E
houve um terceiro, ou terá sido o primeiro?, escritor e poeta francês, ativista
pelos direitos humanos, mas com c, Victor Hugo, no século 19, autor do famoso
romance cujo título é o mesmo desta coluna.
“Os Miseráveis”
conta a história de Jean Valjean,
condenado a 19 anos de prisão por ter roubado um pão.
Aqui se
tratará de outro tipo de miseráveis, os que há décadas saqueiam o futebol
brasileiro, se recusam a modernizá-lo e o conduzem à segunda, quiçá à terceira
divisão mundial.
Seus métodos
sobrevivem aos governos de todos os tipos, capazes de conviver promiscuamente
com os poderosos da política e os seduzirem com a notoriedade dos atletas cujos
talentos ainda mantém viva a esperança de conquistar o cada vez mais distante
hexacampeonato.
Em torno do
que se transformou quase em utopia, vampirizam os clubes comandados por
cartolas servis e cúmplices da política de terra arrasada, parecido com o que
se vê na Amazônia e no Pantanal.
Negam-se
a adotar fórmulas de gestão consagradas na Europa e vivem da mão para boca, à
custa de migalhas ainda suficientes para enriquecê-los, mesmo que,
excepcionalmente, e por intervenção estrangeira, caiam moralmente em desgraça
como o quarteto Havelange$Teixeira$Marin$Nero.
Estamos às
portas de eleições em três de quatro dos clubes mais populares do país: os
endividados Corinthians, São Paulo e Vasco elegerão novos
presidentes nos próximos dias, com os métodos de sempre e em busca de
salvadores da pátria que, como se sabe, praticamente não existem.
Também
viverá período eleitoral o Barcelona,
que embora não seja empresa como os clubes europeus mais ricos e poderosos,
exige dos grupos que se candidatarem a garantia de 118,7 milhões de euros como
endosso às suas pretensões.
Aqui, ao
contrário, não só a cartolagem deixa de arcar com seu patrimônio como, com as
exceções de praxe, enriquece em parcerias com empresários de jogadores.
Os efeitos
colaterais são conhecidos e se espalham feito metástases nas mínimas situações.
Por exemplo: como já havia acontecido neste ano com o jovem zagueiro são-paulino
Walce, a Casa Bandida do Futebol acaba de devolver ao clube o também menino
corintiano Mantuan, com grave lesão no joelho.
Cabem ao São
Paulo e ao Corinthians arcar com as despesas das cirurgias, dos salários
durante a convalescença e do prejuízo definitivo caso não haja recuperação
plena.
Enquanto
isso, enquanto convivemos ainda com campeonatos estaduais, cresce a ideia de
uma Super Liga Europeia de Clubes, semente do fim dos torneios nacionais.
Percebe o
abismo?
Para não
azedar ainda mais o seu domingo no Brasil negacionista, uma esperança: parece
que há real possibilidade de acordo entre os projetos das
Sociedades Anônimas do Futebol na Câmara dos Deputados e no
Senado, com votação ainda neste 2020.
Não será
panaceia, já aprendemos, mas passo essencial.
Até como
marco inicial para a formação da Liga de Clubes Brasileiros, sem a qual a miséria
se aprofundará em célere direção à inanição absoluta.
Múltiplos
são os caminhos da resistência https://bit.ly/3lg3rl8