30 setembro 2020

Crônica da quarta-feira


Sem copiloto, por favor
Luciano Siqueira

Tenho o maior prazer em oferecer carona. E de seguir conversando sobre a vida.

Mas tem um tipo quase insuportável: o que se põe na condição de copiloto:

— Se cortar aquele cara ali você ganha tempo, pega à esquerda e faz o contorno lá na frente.

(Errado!

Cortar invadindo a faixa contrária com esse movimento todo é uma temeridade. Entrar à esquerda é proibido, aquela placa al é clara. ÉE quem disse que tem um contorno algumas quadras à frente!?)

Sei o caminho mais do que ele, porém mantenho a calma e simplesmente retruco:

— Gato pela dica, mas prefiro seguir pelo caminho normal, com calma.

Também me irrita quando o autoproclamado copiloto resolve me arguir sobre o carro:

— O motor é ponto 8?

— Por que?

— Consome mais, porém é mais potente.

— Não sabia.

— Devia saber. Tem que conhecer sua máquina, cara.

— Tenho interesse não.

— Nunca vi isso, sabe?

— Pois eu já vi. Eu mesmo...

— Um absurdo. O sujeito compra um carro e não se interessa por esses detalhes!

— Pois é.

— Esse carro tem  3,94 metros de comprimento, 1,72 m de largura e 1,47 m de altura, com distância entre eixos de 2,53 metros, sabia?

- Sabia não. Você tem um carro desses?

- Não.

- Já dirigiu um desses?

- Não, não sei guiar carro.

(Cara de pau! Não sabe dirigir, dá palpite em tudo e ainda me enche o saco com esses detalhes absolutamente desprezíveis, pelo menos pra mim).

— É essa sua rua?

— É.

— Ótimo, chegamos.

— Sim é aqui. Quer entrar?

— Não, obrigado.

— Uma pena, poderíamos conversar mais sobre carros...

— Fica para outro dia.

— Valeu!

Não sabe ele que jamais terá uma carona minha. Copiloto pra quê?  Nunca mais!

Alguns dicas de leitura https://bit.ly/310BQuN  

Criatividade e garra

Conhecimento científico é bom, mas futebol precisa de ousadia e amor

Jorge Sampaoli é mais que um treinador criativo e tático; ele enxerga detalhes

Tostão, Folha de S. Paulo


O Cruzeiro, com uma nova diretoria, novos treinadores e jogadores e o desejo de retornar à Série A, criou uma enorme expectativa de que o time faria uma ótima campanha na segunda divisão, como ocorreu com quase todos os grandes clubes brasileiros que foram rebaixados. Não é o que tem ocorrido.

O time marca, mas não consegue criar chances de gol. A pouca qualidade técnica, a falta de confiança e as dificuldades para lidar com a pressão são causas importantes dos resultados e atuações ruins. O técnico mudou, e nada adiantou.

Penso que, neste momento especial, o Cruzeiro precisava de um treinador diferente, mais vibrante, sonhador, que saísse do lugar comum e que unisse o conhecimento técnico com improvisações e pitadas de loucura. Ney Franco e o técnico anterior, Enderson Moreira, são bons, estudiosos, mas muito previsíveis. Deveria existir dois Liscas Doidos, um para treinar o América, que vai bem no Brasileiro e na Copa do Brasil, e outro para dirigir o Cruzeiro.

O mundo e o futebol precisam desse tipo de profissional. Não basta ter apenas conhecimento científico. É necessário arriscar, jogar com paixão, transbordar a alma. O que seria da vida e do futebol se não houvesse a arte, os artistas, os craques, os grandes treinadores, o imponderável e a emoção, a vibração, que vão além da estratégia?

Sampaoli é mais que um técnico criativo, tático, que muda a maneira de jogar e as escalações a cada jogo. Só não entendo como ele, com sua agitação e inquietude durante as partidas, consegue ver os detalhes.

O Atlético-MG, líder do Brasileiro, costuma atacar com dois meias avançados, próximos ao centroavante. Com isso, os laterais adversários fecham para fazer a cobertura, e a bola é rapidamente passada para os lados, para os dois atacantes abertos, especialmente para Keno, pela esquerda. Ele, livre ou no máximo contra um marcador, define a jogada, com dribles, passes ou finalizações.

Loco Bielsa, de 65 anos, mestre de Guardiola, de Sampaoli, de Coudet e de tantos outros treinadores, que gostam de dominar o jogo, conduziu o Leeds United da segunda para a primeira divisão inglesa e, agora, começou bem a Premier League, com duas vitórias e uma derrota, por 4 a 3, para o melhor time do mundo, o Liverpool. O Leeds foi para frente e criou muitas chances de gol. Bielsa é um apaixonado pelo futebol, e não apenas pelas vitórias.

Portugal, escola de ótimos técnicos que fazem sucesso pela Europa, com características mais pragmáticas, científicas, formou também um sonhador, Jorge Jesus, apaixonado pelo futebol antes, durante e depois das partidas.

No Brasil, os treinadores, principalmente os mais veteranos, como Luxemburgo, Felipão, Mano Menezes, Abel Braga e outros, mesmo quando acompanham a evolução do futebol, preferem repetir o que fizeram um dia com sucesso do que inovar.

Raramente, usam a troca de passes desde o goleiro, a pressão para recuperar a bola no campo do adversário e formam times compactos. Adoram as bolas longas e os cruzamentos para a área.

A idade não é um critério confiável para separar os estudiosos, ávidos por novos conhecimentos e ações, dos conservadores.
A estratégia de jogo e a técnica individual e coletiva são fundamentais para se formar um grande time, mas é preciso ir além, colocar pitadas de loucura no momento certo, improvisar, com a intenção de dar mais brilho ao espetáculo do futebol e da vida.

Entusiasmo, afeto e confiança no trabalho cotidiano https://bit.ly/3hN3UrP  

Humor de resistência


 

Potencial explosivo


Fim próximo do auxílio emergencial é bomba relógio que tira o sono de Bolsonaro e desnuda caráter ultraelitista do governo.  

Os sem trabalho


Taxa de desemprego bate recorde e atinge mais de 13 milhões, diz IBGE
O quadro é considerado gravíssimo e é resultado de uma agenda destrutiva implementada pelo governo Bolsonaro que não ajuda as empresas, não protege empregos, corta investimentos, acaba com políticas sociais e ataca o serviço público
Portal Vermelho

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou nesta quarta-feira (30) que o desemprego no país bateu recorde subindo 13,8% entre maio e junho. Trata-se do pior estágio da séria histórica criada em 2012. Segundo a pesquisa do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, são 13,1 milhões de brasileiros desempregados.

Em relação ao trimestre móvel anterior foram mais 4,5% (561 mil pessoas) que somaram na fila do desemprego. A taxa da população ocupada caiu 8,1%, sendo menos 7,2 milhões de pessoas no emprego. Outro recorde foi registrado entre os desalentados, ou seja, aqueles que deixaram de procurar uma ocupação. São 5,8 milhões de brasileiros nessa condição, uma alta de 15,3% (mais 771 mil pessoas) em relação ao trimestre anterior.

“O número de empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (exclusive trabalhadores domésticos), estimado em 29,4 milhões, foi o menor da série, caindo 8,8% (menos 2,8 milhões de pessoas) frente ao trimestre anterior e de 11,3% (menos 3,8 milhões de pessoas) ante o mesmo trimestre de 2019”, diz nota do IBGE.

A taxa de informalidade chegou a 37,4% da população ocupada (ou 30,7 milhões de trabalhadores informais). No trimestre anterior, a taxa foi 38,8% e, no mesmo trimestre de 2019, 41,3%.

Situação grave

O quadro é considerado gravíssimo e é resultado de uma agenda destrutiva implementada pelo governo Bolsonaro que não ajuda as empresas, não protege empregos, corta investimentos, acaba com políticas sociais e ataca o serviço público. Antes do golpe parlamentar que afastou a presidenta Dilma Rousseff, a taxa de desemprego permaneceu abaixo de 9% e chegou a 4,3% em 2014.

A perspectiva é que essa política neoliberal do ministro Paulo Guedes (Economia) aprofunde ainda mais a situação com corte de 50% no auxílio emergencial de R$ 600, garantidos pela oposição no Congresso Nacional.

Pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas), por intermédio do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia), revelou que uma em cada quatro empresas do setor de serviço admite demitir ou encerrar suas atividades quando terminar o período de vigência dos programas emergências. De acordo com o levantamento, entre as empresas que preservaram o emprego com redução de jornada e suspensão de contratos, 55% dizem que vão fechar por não conseguirem pagar a folha.

Veja: Desemprego no centro da batalha eleitoral https://bit.ly/2X75FJ6  

No prumo


Mídia ultraliberal se arrepia quando a dupla Bolsonaro-Guedes admite ceder migalhas ao povo. Daí se vê o tamanho da empreitada da oposição, que não pode perder o norte nem se permitir fissuras nem sequelas incontornáveis por conta das naturais disputas municipais.

Irredutível

Guedes quase chora ao defender o teto de gastos... mas a sangria da poupança nacional para o sistema financeiro via dívida pública, nessa ele não toca!

29 setembro 2020

Crônica da quarta-feira


Esqueci de me esquecer
Luciano Siqueira

Sempre me intrigou a dificuldade de lembrar de umas coisas e de outras de não. Às vezes com certo prejuízo, pois não me lembro justamente do que é necessário lembrar...

Números, datas, nomes e lugares frequentemente me escapam à memória.

Mas sou bom em fisionomia e fatos.

Como assim?

Ora, se encontro alguém que vi alguma vez e já não guardo o nome, sou capaz de recordar precisamente a situação em que nos conhecemos.

- Está lembrado de mim?

- Sim. Nós nos conhecemos na fila de autógrafos do livro de Fulana de Tal na Livraria Cultura, não esqueci...

- Isso mesmo! Você tem boa memória.

E é claro que ao longo de décadas de vida – que é o meu caso – situações embaraçosas ou desagradáveis ficaram na memória.

Melhor esquecer.

Mas a maldita memória tem seus caprichos, teima em conservar registros incômodos.

Pior: como diz Nélida Piñon, a memória é criativa, para as boas lembranças e para as más.

Quando más, a relembrança se faz uma dor que se renova e incomoda mais do que o sucedido.

Agora mesmo, escrevo em meio a uma videoconferência e me ocorre algo absolutamente incomodo... que infelizmente esqueci de esquecer!


Meu artigo “Frente ampla e eleições municipais” https://bit.ly/3gepdTn  

Convergência necessária


A Esquerda e a Religião

Flavio Dino e Júlio Velozo, no Blog do Renato

Constantemente volta à baila a frase de Margaret Thatcher segundo a qual não existe “sociedade”, apenas “indivíduos”. Ela foi dita na aurora do neoliberalismo, etapa do capitalismo que não deve ser vista apenas como uma política econômica, mas como a construção, no nível da cultura ou da ideologia, de um outro tipo de relação do indivíduo com a sociedade. É a apologia do cidadão fraturado e fragmentado, instado a encarar os outros como concorrentes a derrotar.
Esse é um território hostil à esquerda, portadora da boa-nova de que é necessário negar as iniquidades deste mundo, construindo um novo. Na luta entre comunidade e arrivismo individual, solidariedade e egoísmo, gregarismo e homo economicus, a esquerda precisa encontrar pensamentos análogos aos seus, identificando em que repositórios de cultura estão sentimentos que podem levar a Humanidade a se imaginar como um projeto coletivo. O sentimento religioso é gregário, porque a ligação com o sagrado pressupõe uma dimensão comunitária. A beleza dos ritos religiosos, que tocam o coração de crentes e não crentes, está em sua dimensão coletiva, na vivência de uma comunhão de que necessitamos, mas que o individualismo selvagem nos arrancou. No sentimento religioso também está depositada a ideia de que há alternativa, há um reino no qual todos desejamos viver. A existência de líderes religiosos inescrupulosos, que espalham ódios, é indiscutível e deplorável. Porém há a imensa maioria de líderes probos e justos, em todas as religiões.
Assim, não há o menor sentido filosófico ou político na suposta contradição entre esquerda e religião. Nem mesmo sentido teológico existe, bastando lembrar o livro religioso mais lido no mundo, a Bíblia. Entre tantas lições poderosas de prevalência da justiça social, está escrito no Livro do Êxodo (16:18): “Aconteceu que o que tinha ajuntado muito não tinha demais e, ao que tinha ajuntado pouco, não lhe faltava: cada um havia recolhido segundo a sua necessidade”. E no Livro dos Atos dos Apóstolos (4:32): “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum”.
Todos sabemos que, em outras épocas e em outros contextos históricos, ocorreram incompreensões, interdições a diálogos entre eventuais pontos de vista divergentes, até mesmo indevidas e lamentáveis retaliações. Mas estamos no Brasil, num momento de dramáticas dificuldades sociais, e precisamos de união em favor dos mais pobres. O afastamento entre esquerda e religião só interessa a uma pequena fração da sociedade, que cultua o individualismo e o império do dinheiro, da cobiça, da acumulação desvairada de bens materiais por poucos. Invocamos novamente o texto bíblico: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lucas, 16:13).
A esquerda, entre tantos estados, neste momento governa o Maranhão. E o fazemos com pleno espírito laico, que não significa ser antirreligioso. Ao contrário, temos apoiado a realização de eventos religiosos; ampliado a assistência religiosa ao sistema penitenciário e de segurança, mediante capelanias; e estruturado políticas públicas em parceria com várias religiões, a exemplo do Programa Maranhão Solidário, que apoia financeiramente ações sociais. O governante pode ter uma crença religiosa, no caso do Maranhão de orientação católica, porém o governo não pode privilegiar ou discriminar ninguém por motivo religioso. E tais garantias ingressaram no nosso sistema constitucional em 1946 por iniciativa de um deputado comunista, o reconhecido escritor Jorge Amado, autor da emenda consagradora da liberdade de crença e do livre exercício dos cultos religiosos.
Inspirados, portanto, na primazia das convergências sobre as divergências e nos exemplos práticos mencionados é que consideramos que o aprofundamento do diálogo entre a esquerda brasileira e as religiões é um caminho imprescindível para que nossa nação tenha paz, a verdadeira paz que é fruto da justiça (Isaías, 32:17).
Flávio Dino é governador do Maranhão, Júlio Vellozo é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Famintos não ganham consciência política espontaneamente https://bit.ly/2ZVr8pE  

Dimensão nacional da batalha local


Derrotar o bolsonarismo a partir das cidades
Portal Vermelho

Começou oficialmente a nona rodada de eleições municipais do período da redemocratização iniciado em 1985. Neste período, é a primeira vez que elas se realizam com um governo de extrema-direita. Outra singularidade é que ocorrem sob a maior pandemia dos últimos tempos.

Mais de meio milhão de candidaturas, nas ruas e nas redes, já estão em ritmo frenético, posto que vêm de uma pré-campanha que deu a largada no início do ano. Os números não são definitivos, mas, se confirmados todos os candidatos de 2020, o aumento será de 27% em relação às eleições de 2016, consequência da arbitrária proibição de coligação proporcional, o que obrigou cada legenda a compor sua chapa própria às câmaras municipais. Fato que impulsionou também o aumento do número de candidaturas às prefeituras.

Embora municipais, as eleições, sobretudo nas capitais e nos grandes e médios municípios, serão permeadas pelo confronto entre os campos políticos bolsonarista e oposicionista, o campo democrático, patriótico, popular e progressista.

As alianças amplas do campo democrático, salvo exceções, não foram possíveis no primeiro turno. Isso se deu sobretudo por necessidades das legendas, tendo em conta as imposições antidemocráticas da legislação. Em face disso, desde já se faz necessário condutas políticas que viabilizem a união do campo democrático, antiBolsonaro, no segundo turno.

Houve certo aprendizado quanto a importância da militância digital como necessidade para o exercício da cidadania. E desde o uso maciço e criminoso de fake news, em 2018, há um alerta geral para que isso seja combatido. Veremos, no concreto, se haverá algo de positivo no combate ao banditismo digital, especialidade inegável das falanges bolsonaristas.

Apesar da pandemia, e se espera com os cuidados sanitários devidos, a campanha presencial que já está acontecendo tende a se intensificar, conforme a realidade de cada município. No próximo dia 9 começa a campanha de rádio e TV que, em sinergia com as redes, segue tendo peso importante para a conquista do voto.

No seu todo, as eleições de 2020 são uma grande oportunidade para as forças democráticas e progressistas desmarcarem Bolsonaro, responsabilizando-o pela tragédia sanitária, econômica e social que se manifesta concretamente no território das cidades.

Ao mesmo tempo em que despertam a esperança do povo, apresentando plataformas que correspondam às necessidades e anseios da população – como emprego, renda, saúde, educação, moradia, cultura e esporte –, as campanhas devem empunhar a bandeira por cidades mais humanas e democráticas, baluartes da defesa da vida e da democracia, onde o povo tenha uma vida digna.

Quando nem a liturgia do cargo ele respeita https://bit.ly/2R8mIH7   

Fotografia: cena urbana


Praça do Comércio, com destaque para o Arco Triunfal da Rua Augusta, Lisboa, Portugal (Foto: LS) 

Palavra de poeta


A vida
Chico de Assis

Por quem os sinos dobram?
Talvez dobrem mais
pelos raquíticos
migrantes de uma dor

Infinda que corta
os ares como um látego
de horror ou um grito
engolido pelo torpor.

No repicar dos latões
o som se funde
e compacto ressoa
em becos onde se exaure

a fonte dos desejos
q exalam a luxúria das ruas
e se esgotam no fluxo
dos rios sob as pontes.

Mas a vida está
bem ao longe dos contrastes.
Não estã no q foi ontem.
Não está no q vai vir.

No olhar do poeta
para além de todo mal
e muito aquém de qualquer bem
a vida está aqui!

[Ilustração: Juan Miró]
Sem a poesia a vida seria cinza https://bit.ly/2YxgGUL

Pandemia

 Mundo chega a 1.000.000 de mortos pelo coronavírus em menos de 9 meses. É preciso ser muito insensível e obtuso para chamar isso de “gripezinha”!

28 setembro 2020

Busca consciente do voto

Veja: Desemprego no centro da batalha eleitoral https://bit.ly/2X75FJ6  

Economia em frangalhos


Economia caiu a patamar 15% inferior ao de 2014, registra Dieese
Em Boletim de Conjuntura, Dieese avalia que incapacidade do governo Bolsonaro para lidar com a situação potencializou casos, mortes e queda do PIB.
Portal Vermelho

No segundo trimestre de 2020, quando foi registrado um tombo de 9,7% do Produto Interno Bruto (PIB) comparado ao trimestre anterior, a economia brasileira chegou a um patamar 15,1% inferior ao registrado no início de 2014. O dado está no Boletim de Conjuntura Setembro/Outubro do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No documento, o Dieese avalia que as ações governamentais até agora são insuficientes para a retomada necessária.

“A incapacidade do governo Bolsonaro para lidar com a situação potencializou o número de casos, mortes e a queda da atividade econômica. As micro e pequenas empresas seguem com dificuldades de acessar recursos públicos que deveriam manter a produção e também garantiriam a renda e o emprego dos trabalhadores. A falta de investimentos públicos impossibilita uma saída ordenada e consistente desse cenário adverso”, avaliam os técnicos da entidade no Boletim. O documento conclui que o país “poderia ter saído melhor” da pandemia.

O Dieese afirma ainda que, para uma recuperação econômica plena, seriam necessárias mudanças estruturais e de rota em relação às medidas que vêm sendo adotadas pelo governo. Destaca também que antes da pandemia o ritmo de crescimento já deixava a desejar.

“É preciso lembrar que a economia avançava meros 0,8% ao ano até o início de 2020, o que deixa claro que as reformas do atual e do governo anterior foram ineficazes para alavancar a economia e melhorar a vida da população. Muito se discute quando o país estará recuperado economicamente da pandemia, mas voltar ao nível anterior significa baixo crescimento e alto desemprego. É preciso ir além”, defende o documento.

Inflação de alimentos e insumos

Ainda de acordo com o Dieese, a política externa do governo vem prejudicando os fluxos de matéria-prima e a retomada da produção no pós-pandemia “A volatilidade do câmbio e a ausência de uma política econômica focada no mercado interno têm pressionado os preços de matérias-primas industriais e, sobretudo, os preços dos alimentos”, avalia o documento.
“Outro desafio à retomada é a escalada de preços ao produtor e ao consumidor. O Índice de Preços ao Produtor [IPP, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] da indústria de transformação acumula aumento de 6,5% em 2020 e a alta na fabricação de produtos alimentícios é de 12%. Os preços da cesta básica, pesquisados pelo Dieese, também concentram elevações significativas este ano, atingindo 16,2% em Salvador, 13,2% em Aracaju, e 11,5% em Recife”, diz a nota.

Auxílio emergencial e desemprego

O Dieese afirma que os resultados econômicos seriam ainda piores caso não houvesse o impacto positivo do auxílio emergencial de R$ 600, obtido após mobilização popular e das centrais sindicais, com apoio da oposição no Congresso Nacional.

“Vale destacar, inclusive, que parte do gasto das famílias, proporcionado pelo auxílio, retorna aos governos em impostos, isto é, o impacto fiscal líquido é menor. Nesse sentido, a redução do valor das parcelas para R$ 300 até o final do ano aprofundará os níveis de pobreza no país, diminuirá o montante de dinheiro em circulação e tornará ainda mais dramática a questão da fome no Brasil”, prevê o documento, ressaltando que a diminuição do auxílio levará à queda de consumo, o que retardará ainda mais a retomada econômica.

A economia brasileira será prejudicada ainda pela pressão do desemprego, que deve aumentar, destaca o Dieese. Segundo a entidade, o fato de um número significativo de pessoas não ter procurado ocupação, seja por medo da Covid-19, por acreditar não ser possível encontrar uma colocação ou porque precisava ajudar familiares ou conhecidos doentes, reduziu o contingente oficial de desempregados, mas apenas momentaneamente.

Reforma administrativa e Fundeb

O Dieese chama a atenção ainda para medidas do governo federal que considera prejudiciais ao desafio da retomada econômica. É o caso da reforma administrativa, que prevê acabar com a estabilidade da maioria das carreiras do serviço público. Para a entidade, esse redesenho do Estado deve reduzir investimentos e a oferta de serviços públicos, além de negligenciar ou eliminar políticas de combate às desigualdades e à promoção de direitos sociais.

“Resumidamente, a proposta [de reforma administrativa] visa precarizar a relação de trabalho do servidor público, em linha com as reformas trabalhistas do setor privado, que têm sido adotadas desde 2017. Ao se permitir a contratação de trabalhadores por meio de novos vínculos e regras, abre-se a possibilidade de rebaixamento de salários e dificulta-se a progressão funcional” afirmam os técnicos no Boletim de Conjuntura.

Para a entidade, entre os poucos fatores positivos no cenário político-econômico, está a aprovação do novo Fundeb no Congresso. Segundo o Dieese, a ampliação do fundo contribuirá para reduzir desigualdades.

“No Brasil, a ausência do Fundeb prejudicaria cerca de 99% dos estudantes de redes municipais no Norte e Nordeste”, diz o documento. O Dieese destaca, no entanto, que há itens do novo Fundeb que ainda precisam ser regulamentados, e, por isso, merecem atenção.

Renato Rabelo e os desafios do Brasil dos nossos dias https://bit.ly/3b37OeG  

Crônica da segunda-feira


Até numa ilha deserta?
Luciano Siqueira


Era um debate com jovens adolescentes de uma escola privada no Recife. Antes de se iniciar, puxei conversa com alguns dos que formariam o meu público – quase todos de smartphone à mão.

Como consegui atrair a atenção de um grupo mais próximo, animei-me a brincar com esse hábito meio necessidade, meio vício, de olhar a tela do celular em qualquer circunstância:

- Se um de vocês se tornasse náufrago numa ilha deserta, como se viraria sem o celular?

- Se fosse eu, estaria com o celular, respondeu um galeguinho sarará com pinta de esperto.

- Com o estaria com o celular, cara, se você teria chegado à ilha nadando?

- Teria guardado numa bolsa de plástico por dentro do calção.

Evidente que ele queria me levar na troça, tal a pergunta boba que fizera.

Mas aproveitei a deixa para conversar mais sobre o assunto.

Na verdade, esse aparelhinho faz tempo incorporou-se à mente e ao corpo de todo mundo. Sobretudo para adolescentes e adultos jovens, que nele acham tudo o que desejam.

Uma garota que não deixava de teclar enquanto participava da conversa asseverou:

- Se eu viajasse de navio baixaria antes um aplicativo que me orientasse caso fosse parar numa ilha assim!

Li na Superinteressante que uma pesquisa feita pelo PRC (Pew Research Center), dos EUA, 54% dos adolescentes entre 13 e 17 anos acham que passam tempo demais na telinha do aparelho. Em média, a maioria das meninas alegou. As meninas disseram preferir as redes sociais e os meninos os jogos.

Ao acordarem de manhã cedo, checam notificações e mensagens e o primeiro gesto que 45% dos adolescentes fazem assim que acordam, ainda na cama, é olhar a tela do celular.

Pesquisa semelhante daria o mesmo resultado no Brasil, certamente.

Minha neta de apenas 7 anos acha muita coisa que deseja pesquisando com o dedo indicador sobre ícones que identifica, feito o YouTube, onde localiza filmetes infantis.

Nem posso reclamar muito, pois reconheço que com o aparelhinho à mão realizo muitas tarefas do trabalho cotidiano. Meu computador de bolso.

Daí não recusar de todo a ideia de proteger o meu iPhone numa bolsa de plástico para a hipótese de me ver sozinho numa ilha ou na floresta...

Veja: Sem a poesia a vida seria cinza https://bit.ly/2YxgGUL

Renda em baixa


Impacto da pandemia tira até um quarto do rendimento dos trabalhadores no País
Transcrevo matéria de O Estado de São Paulo sobre a queda da renda média dos trabalhadores na pandemia.

Mesmo os brasileiros que conseguiram manter seu trabalho durante a pandemia têm sentido no bolso o impacto causado pelo novo coronavírus na economia. E a queda no rendimento dos trabalhadores ocupados foi maior para aqueles que têm menor escolaridade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), organizados pela consultoria Idados. No primeiro semestre, os trabalhadores que não chegaram a completar o ensino médio tiveram quedas de até 25% em relação ao que costumavam ganhar no mês. Para calcular essa perda, o IBGE perguntou quanto o trabalhador recebia habitualmente naquele mês e quanto, de fato, entrou no seu bolso. “É o lado sombrio de toda crise econômica: quem estudou menos é mais vulnerável no mercado de trabalho, o primeiro que teve o contrato suspenso e redução de jornada. E é ainda mais grave, ao se levar em conta que são essas pessoas que mais dependem do trabalho para sobreviver”, avalia o economista Matheus Souza, da Idados. Até maio, a perda de renda obtida pelo trabalho era de 18% na média de todas as escolaridades. Em junho e julho, com a retomada gradual da economia, a queda foi aliviada, primeiro para 17% e, em seguida, para 13%. Apesar de ter metodologia diferente, a Pnad Contínua (que é a pesquisa de referência) mostra que nesses meses nunca houve uma queda assim. “Desde o início da pesquisa, em 2012, a maior queda nesses meses foi de 3%, em 2015”, diz Souza.

Agora, ainda que tenha melhorado, a diferença da perda de remuneração que os menos instruídos (que não completaram o ensino fundamental) tiveram em relação aos que fizeram faculdade manteve-se elevada, em oito pontos porcentuais. Souza ressalta que os dados se referem a uma média dos trabalhadores com essas qualificações, e que a perda de rendimento considera tanto os ocupados formais quanto os informais. No caso dos informais, parte dos trabalhadores contou com o auxílio emergencial, que já foi de R$ 600 e passa a ser de R$ 300 até o final do ano. “Ainda que os mais pobres tenham até visto um aumento de renda, a lembrança que o brasileiro guardará da pandemia será de perda do que recebia no trabalho”, diz o economista. Entre maio e julho, os trabalhadores sem instrução alguma ou com até o ensino fundamental incompleto chegaram a perder R$ 431 por mês. É como se tivessem deixado de receber o equivalente a 40% de um salário mínimo, de R$ 1.045. “A gente se acostuma a viver com menos, mas nunca é fácil. Dá uma sensação de que a vida andou dez anos para trás”, conta a cuidadora de idosos Neomar Maria da Silva, de 62 anos, de Maricá (RJ). Analfabeta, ela teve de se mudar para a casa de parentes e entrou no programa de renda básica do município, em que recebe o equivalente a R$ 130 mensais. “Perdi quase tudo, menos a esperança”, afirma Neomar.

Dia seguinte. Com a pandemia, a estimativa é que quase um quarto dos trabalhadores formais (9,5 milhões) teve o contrato de trabalho suspenso ou a jornada reduzida, segundo dados divulgados pelo Ministério da Economia, o que afeta diretamente o rendimento de quem depende do trabalho. Parte dessas perdas foi amortecida pela compensação que o governo deu para quem teve redução de salário. Mas, mesmo os brasileiros com ensino superior e melhores cargos, tiveram baixas de renda expressivas, de 14% a 10% entre maio e julho. Para o consultor legislativo Pedro Fernando Nery, os trabalhadores que mais perderam podem até recuperar essa perda no futuro, mas isso tende a ser um movimento mais demorado do que a volta dos empregos. “Normalmente, é um processo lento. Mesmo após a última recessão, o emprego cresceu muito mais rápido que a renda.” Ele diz que é importante pensar no dia seguinte à pandemia, para que as perdas de rendimento, sobretudo para os mais frágeis, não se prolonguem ainda mais, apesar do cenário de desemprego em alta e ritmo de recuperação ainda incerto. “O acesso à carteira assinada no Brasil é historicamente concentrado em homens brancos, mas a ideia de zerar os encargos sobre a folha de pagamentos, ainda que seja algo limitado a um salário mínimo, tende a ajudar na inserção dos mais vulneráveis no mercado formal.”
Veja: Desemprego no centro da batalha eleitoral https://bit.ly/2X75FJ6  

Sob risco, tresloucado


A ameaça golpista de Trump

Portal Vermelho

Se Bolsonaro arrefeceu sua pregação contra as instituições democráticas, agora é seu grande mestre, Donald Trump, que em desvantagem nas pesquisas eleitorais, afirma que pode não reconhecer o resultado das urnas. É claro, caso ele não seja o vencedor.

Razoavelmente desgastado pelo fracasso de seu governo no combate à pandemia e no momento atrás do candidato do Partido Democrata na corrida à Presidência da República, Trump põe em dúvida a lisura do voto pelos correios. Expediente antigo e tido como seguro pelas instituições estadunidenses.

Trump, um dos líderes da corrente reacionária e de extrema-direita que ascendeu no bojo na grande crise mundial capitalista iniciada em 2007-08, revela a essência antidemocrática dessa corrente. Enquanto as urnas lhe são favoráveis, enaltecem o sufrágio universal. Quando o povo se dá conta da tragédia que gente como Trump representa, estes expoentes de um tipo de fascismo contemporâneo ameaçam romper com a legalidade institucional.

Desse modo, um fantasma ronda as eleições presidenciais dos Estados Unidos. E esse fantasma é a ameaça golpista de Trump. O caldo se avolumou quando Trump anuncia a juíza Amy Coney Barrett, candidata favorita dos conservadores, para suceder Ruth Bader Ginsburg, na Suprema Corte.

O objetivo do presidente americano é forçar a confirmação de sua escolha pelo Senado antes da eleição presidencial, prevista para o início de novembro. Com essa indicação célere, os conservadores terão ampla maioria. Trump sugere que as eleições, uma vez judicializadas, teriam a última palavra da Suprema Corte que, em tese, lhe seria favorável.

Esse tipo de fenômeno é um ingrediente a mais do declínio econômico, geopolítico dos Estados Unidos. A tão enaltecida democracia estadunidense se vê ameaçada por próprio inquilino da Casa Branca.

A pregação antidemocrática de Trump, de todo modo, é um fator que revolve o eleitorado, força uma tomada de posição de setores políticos e sociais no sentido de se somar forças para que as eleições representem um rechaço a Donald Trump e a regressão civilizacional que representa.

Voltando ao Brasil, Bolsonaro, filhote de Trump, deu uma certa trégua em suas investidas contra o regime democrático. Mas, se adiante calcular que pode ser derrotado nas urnas, repetirá mimético seu grande mestre.

Veja: Política externa desastrosa https://bit.ly/2R5RfFB