Walter
Sorrentino, no portal da Fundação Maurício Grabois
O juízo
cristalizado do professor ficou nos anos 50. Há os que cometem o erro do
presentismo, que analisam o passado de modo descontextualizado, aplicando os
contextos do presente. Ele no caso foi passadista, analisando o presente com os
olhos de epígono, obnubilando a dinâmica do pensamento que ele critica. Pior,
no caso, e incrível, é que invocou categorias do tempo da guerra fria.
“Queria ouvir
um pouco o senhor sobre os rumos da política energética nacional”, indagou
a Folha de São
Paulo ao físico José Goldenberg, 87 anos, presidente da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. A entrevista versava
sobre a Usina de Belo Monte e foi publicada hoje. O físico respondeu: “Houve
uma visão dos anos 1950 da Presidência. É uma ideia nacionalista, de que o
sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam ganhando muito dinheiro.
É uma visão ao estilo PC do B”. E mais adiante, quanto às “mágoas” das empresas
do setor elétrico com o governo federal, cravou: “Tem um pouco do voluntarismo
da Dilma... uma visão meio stalinista das coisas”.
Vejamos. Anos
50 se referem à era Vargas. Muitos pretenderam enterrá-la sem consegui-lo. FHC
não substituiu, na história nacional, as figuras gigantes de Celso Furtado, dos
boêmios cívicos e tantos outros nacionalistas daquele tempo, entre os quais
avulta o estadista presidente Getúlio Vargas. Não era ele comunista nem
stalinista, ao contrário, mas tinha o senso estratégico nacional.
Nem era o caso
de tal enterro, mas de atualização do projeto. A obra da construção nacional
está inconclusa, nos termos do tempo presente e exigente de ovo patamar. Isso
tem a ver com estratégia de desenvolvimento nacional, um debate nevrálgico.
Aliás, a globalização sob a égide norte-americana repôs tais exigências com
ainda maior nitidez. Sem um Estado nacional à altura da vocação de um projeto
nacional soberano, a nação estaria de mãos atadas para fazer valer seus
interesses num mundo de assimetrias de poder tão atordoantes. Sem isso, restará
a esta grande nação engatar-se como vagão na locomotiva dos poderosos.
No mínimo, o
físico Goldenberg deveria ter percebido que o tema não se presta a representar
um senso comum, digo, um pensamento único.
Do mesmo modo
quanto ao PCdoB. Posso crer que ele não acompanhe a vida real do mais antigo
partido do país em atuação sem interrupções, ao custo de muita luta e
sacrifício pela liberdade, progresso social e soberania nacional. Uma pena. No
fim dos anos 70 conheci o professor, antes de ser reitor da USP onde estudei,
na condição de um democrata. Também porque era pai de um preso político,
comunista do PCB, a quem prestei solidariedade e ajuda por razões que não vêm
ao caso.
Queria crer,
por estas circunstâncias, que o professor tivesse interesse em saber da
démarche dessa grande corrente, mesmo discordando dela, o que respeito, como
contribuinte destacado pela democracia. E que, sendo democrata como é,
compreendesse que esse atributo, desligado de um projeto nacional que integre o
povo à nação e alcance-lhes novo patamar civilizatório, é uma ideia manca.
O termo PCdoB,
quando usado em termos adjetivos, até mesmo na mídia plutocrática, o é para
indicar autenticidade. Aquela de quem reage à apostasia e descaracterização,
renova o ideal, mantém sua identidade, coerência, princípios. Essa foi a base
para o PCdoB, sem cabotinismo, se destacar como capaz de se renovar
permanecendo o mesmo, e conquistar cada vez maior respeito e prestígio pela sua
determinação e firmeza, como se viu este ano nas ruas, no movimento social, na
sociedade civil e tribunas do Congresso. Uma corrente política respeitada mesmo
pelos adversários políticos, no que são retribuídos.
Mas, mais que
um termo, o PCdoB é um partido que tem um Programa. Não tem “uma ideia
nacionalista, de que o sistema tem de ser estatal, de que as empresas estavam
ganhando muito dinheiro”. Aliás, em seu Programa um dos tópicos é precisamente
“o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo [dos anos 50]”.
Lá se diz: “O
PCdoB está convicto de que, no transcorrer das primeiras décadas do século XXI,
o Brasil tem condições para se tornar uma das nações mais fortes e influentes
do mundo. Um país soberano, democrático, socialmente avançado e integrado com
seus vizinhos sul e latino-americanos”. Então tem a ideia, transformada em
prática política, de que o Brasil necessita de um novo projeto nacional de
desenvolvimento, com aqueles atributos e mais o da sustentabilidade ambiental,
que hoje, concretamente, propõe reformas estruturais democratizantes que
destravem o processo de afirmação nacional, democrática e popular.
O professor
erra formalmente. O PCdoB propõe, nesse projeto, “uma economia mista,
heterogênea, com múltiplas formas de propriedade estatal, pública, privada,
mista, incluindo vários tipos de empreendimentos, como as cooperativas”. Como
se afirma no mesmo Programa: “Poderá contar com a existência de formas de
capitalismo de Estado, e com o mercado, regulados pelo novo Poder [político
instaurado]. Todavia, progressivamente devem prevalecer as formas de
propriedade social sobre os principais meios de produção”.
Nas condições
do mundo hoje, da globalização imperialista, do pós-guerra fria, em meio à
segunda maior crise capitalista da história, considera que esse projeto tem no
fortalecimento republicano do Estado nacional um elemento fundamental
para indução do desenvolvimento, inclusive a partir de empresas
estratégicas postas sob o comando dessa perspectiva, num sistema todavia
capitalista.
Isso está
inserido numa grande e longa transição histórica, na qual o projeto nacional de
desenvolvimento representa o caminho para abrir perspectivas a um socialismo
renovado, fincado no solo da história política, econômica e social do país, no
caráter de nosso povo trabalhador, sem modelos pré-determinados. Socialismo que
consideramos um sistema capaz de sustentar a soberania da Nação e a valorização
do trabalho e que, por sua vez, não triunfa sem absorver a causa da soberania e
da afirmação nacional.
É esse o
programa que norteia sua ação. Pode-se concordar ou discordar com o PCdoB, mas
a entrevista com o físico Goldenberg, nesse caso, incorreu em dois erros muito
frequentes de quem se aventura nesse terreno do alegado anacronismo. Um o de
considerar que se critica uma “era” encerrada ou que não pudesse ter ou tenha
sido aggiornata. Outro, por extensão, o de se mostrar mal informado sobre tais
atualizações, conferindo à crítica vieses ideologizados, com um tom adjetivo e,
não raro, panfletário, rebaixando o debate de ideias.
O juízo
cristalizado do professor ficou nos anos 50. Há os que cometem o erro do
presentismo, que analisam o passado de modo descontextualizado, aplicando os
contextos do presente. Ele no caso foi passadista, analisando o presente com os
olhos de epígono, obnubilando a dinâmica do pensamento que ele critica. Pior,
no caso, e incrível, é que invocou categorias do tempo da guerra fria.
Já nem falo de
suas ideias sobre energia – uma dentre muitas em debate dos especialistas –
apresentadas com o fervor dos donos da verdade. E em tempo registro que a
FAPESP, foi constituída por projeto de um comunista na Assembleia Legislativa
de São Paulo. Em época áurea, professor, quando se fortalecia o Estado
nacional.
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Vice-presidente nacional do
PCdoB