31 agosto 2014

Candidata da Rede apresenta programa conservador

O pacote reacionário de Marina

Ricardo Amaral, no blog de Luís Nassif

Nada é mais antigo e reacionário nessa campanha eleitoral do que as propostas de Marina Silva, do PSB, para “uma nova política”. São seis pontos apresentados no primeiro capítulo do programa de governo divulgado sexta-feira. Cinco deles formam um conjunto de retrocessos democráticos e casuísmos. A agenda da direita está toda lá, do voto distrital ao financiamento privado de campanhas. O sexto ponto, em contradição, copia propostas do PT.
Marina “inova” a agenda da direita com a proposta de só realizar eleições a cada cinco anos, para todos os cargos de uma vez. Nem a ditadura militar calou a voz das urnas por períodos tão longos.  É uma ideia típica de quem tem um conceito “gerencial” do Estado e do processo democrático. É como dizer: “Não perturbem o país com eleições de dois em dois anos; isso atrapalha o governo dos bons e dos eficientes”.
As propostas reacionárias da “nova politica” vêm embrulhadas num texto de chavões “modernos”: “Estado e Democracia de Alta Intensidade”. Democracia não combina com adjetivos. Houve um tempo em que o Brasil era uma “democracia relativa”, e não passava de uma ditadura. Democracia é algo substantivo; ou se pratica ou não se pratica. No Brasil, custou vidas, lágrimas e luta. Não é pra brincar.
Assim como o título, o texto é vazado em embromation castiço. Aqui vão as seis propostas da candidata, traduzidas para o mundo real:
Proposta 1: “Unificação do calendário geral das eleições, o fim da reeleição e a adoção dos mandatos de 5 anos”.
Tradução: Fazer menos eleições (e não perturbar o governo dos bons)
Durante 5 anos o eleitorado simplesmente não se pronuncia sobre nada. E de uma só vez troca o executivo em todos os níveis (pois não há reeleição), ao mesmo tempo em que elege vereador, deputado estadual, deputado federal e senador.  Nem na ditadura o Brasil passou cinco anos seguidos sem ter eleições em algum nível; sem ouvir a voz das urnas.
A fórmula Marina implica necessariamente em alguma prorrogação de mandatos (dos atuais prefeitos e vereadores, ou dos parlamentares governadores e presidente eleitos este ano). Só a ditadura fez isso, ao prorrogar por dois anos os mandatos de prefeitos e vereadores, quando adiou as eleições municipais de 1980.
O fim da reeleição é hoje uma bandeira do PSDB, que a implantou corrompendo o Congresso em 1997. O argumento para extingui-la é que o governante cuidaria apenas da administração, sem desvirtuá-la com o propósito de buscar a reeleição. E o que o impediria de “desvirtuá-la” para eleger o sucessor?  Marketagem reversa de tucano. Demagogia de sonhático.
Proposta 2: “Fortalecimento dos mecanismos de transparência nas doações para campanhas eleitorais”.
Tradução: Financiamento privado de campanhas (inclusive por empresas)

O documento original da campanha (as “Diretrizes” do PSB) dizia que tais mecanismos seriam necessários para “baratear as campanhas”. A expressão grosseira saiu do texto, mas o caráter da proposta não mudou: Marina é contra o financiamento público de campanhas, uma proposta do PT, e a favor das doações de empresas.
O financiamento público de campanha é a proposta mais radical e eficaz para reduzir a influência do poder econômico no processo eleitoral. Marina rejeita doações da indústria bélica e de bebidas, mas não vê problema em ser financiada por um grande banco e por uma indústria de cosméticos com interesses diretos na administração federal.
Em abril deste ano, seis ministros do STF (a maioria) votaram favoravelmente à proibição de doações de empresas. Mesmo com o placar definido, o julgamento foi suspenso por um pedido de vistas de Gilmar Mendes, ministro indicado pelo PSDB, partido que é contra a proibição e contra o financiamento público. O vice de Marina, Beto Albuquerque, também se manifestou em abril contra a proibição.
Ao longo da última década, o TSE vem apertando os mecanismos de controle das campanhas, com as prestações de contas antecipadas e registro on-line de doações. São esses mecanismos que ameaçam o registro da candidatura do PSB, por não ter declarado à Justiça Eleitoral o uso (Por empréstimo? Doação irregular? Aluguel no fiado?) do avião que caiu em Santos. Antes de propor “mais transparência” seria melhor esclarecer esse caso.
Proposta 3: “Novos critérios na ordem dos eleitos para cargos proporcionais, buscando aproximação da “Verdade Eleitoral”, conceito segundo o qual os candidatos mais votados são os eleitos”.
Tradução:  Adotar o Voto Distrital Puro (e despolitizar o Legislativo)
“Verdade Eleitoral” é o nome falso para voto distrital puro, que o programa de Marina não tem coragem de mencionar.
O voto distrital é o único sistema que permite a eleição do candidato mais votado, sem levar em conta a votação de seu partido ou coligação. É o modelo do “ganhador leva tudo”, típico da cultura política dos EUA e matriz de seu Congresso paroquial e reacionário, com representantes altamente vulneráveis ao poder econômico.
É uma proposta francamente despolitizadora, defendida no Brasil pelo PSDB e pela direita.  Um retrocesso que rebaixa a disputa politica geral ao nível das questões locais.
O programa da candidata sequer  apresenta o argumento (legítimo) dos que defendem o voto distrital:  este modelo  supostamente aproxima representantes de representados, o que não ocorreria com o voto proporcional, adotado no Brasil..
Proposta 4: “Inscrição de candidaturas avulsas aos cargos proporcionais, mediante requisitos a definir”.
Tradução: Enfraquecer os partidos (e fortalecer candidatos antipolíticos).
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Na versão original do programa, as “Diretrizes” do PSB, não estava limitada às eleições proporcionais. Houve um recuo aí. O argumento a favor da candidatura avulsa é “quebrar o monopólio dos partidos na representação política”.
Idealmente, permite a eleição  de candidatos apoiados por movimentos e setores sociais. Na prática, favorece candidatos com alta exposição pública, grande poder econômico, ou  representantes de “causas”, que hoje se elegem dentro da estrutura partidária. A diferença é que seus votos não contribuiriam mais para a formação do quociente eleitoral dos partidos, não somariam para eleger candidatos menos votados. 
A candidatura avulsa existe na maioria dos países, normalmente limitada ao Legislativo. Não é uma ideia antidemocrática em si, mas é uma resposta enganosa e despolitizada à questão da representatividade do Legislativo.
Proposta 5: “Redefinir o tempo de propaganda eleitoral com base em novos critérios, visando a melhorar a representatividade da sociedade brasileira nos parlamentos”.
Tradução: Tratar igualmente os desiguais (e valorizar o mercado de TV).
O critério hoje é: parte do tempo de propaganda eleitoral é distribuída igualmente entre os partidos com funcionamento na Câmara. Ao tempo mínimo de cada um acrescenta-se um tempo proporcional ao tamanho das bancadas e coligações.
Pode-se rediscutir a proporção entre o tempo mínimo e o tempo  proporcional ao tamanho das bancadas, mas não há critério mais democrático do que o vigente.
Mudar o critério só pode levar a dois caminhos:
1)    Distribuir todo o tempo de acordo com o tamanho das bancadas.
2)    Distribuir o tempo em fatias iguais, desde o PPL até o PMDB.
Ambos são menos democráticos que o critério atual, e nenhum deles nos levaria a “melhorar a representatividade da sociedade brasileira nos parlamentos”.
É  lícito supor que Marina se incline pelo segundo caminho.  Nesse caso, estaria igualando os desiguais, desrespeitando a representatividade conquistada por cada partido nas urnas.  O PT, que é o alvo implícito da proposta, já foi um partido pequeno, com pouco tempo de TV, da mesma forma que DEM e PSDB foram grandes um dia. Quem definiu o tamanho das bancadas atuais foi o eleitor.
Na prática, a proposta beneficiaria as pequenas legendas, tanto as ideológicas quanto as legendas de aluguel, que teriam seu capital muito valorizado.
Em Português dos tempos da luta contra a ditadura:  é um casuísmo.
Proposta 6: “Permitir a convocação de plebiscitos e referendos pelo povo e facilitar a iniciativa popular de leis, mediante a redução de assinaturas necessárias e da possibilidade de registro das assinaturas eletrônicas.”
Tradução: Enfeitar o pacote conservador (com propostas copiadas do PT)
Plebiscitos e referendos são instrumentos históricos da democracia, previstos na Constituição, porém raramente praticados no Brasil. Hoje, quem tem poder convocá-los é o Congresso. A ideia de convocá-los por iniciativa popular consta do programa do PT desde os tempos em que Marina era filiada ao partido. O PT também propõe incentivar a proposição de leis por iniciativa popular.
Na campanha de 2010, Marina Silva recorreu ao plebiscito para se livrar de questões embaraçosas, como a descriminalização do aborto. Cuidado: plebiscito não é Doril, que se toma pra qualquer dor-de-cabeça. É para decidir sobre grandes questões nacionais, e não para lavar as mãos do governante que não tem coragem de assumir suas posições.
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Elementos essenciais no programa da candidata da Rede

Como Marina tenta montar o reverso de Lula

Luis Nassif, em seu blog

Antes de entrar no tema, um pedido de desculpas. No artigo “O mito do cavaleiro solitário” atribuí a Marina Silva a condenação das pesquisas com células tronco e o criacionismo. Conferindo matérias da época, fica claro que em nenhum momento Marina colocou suas convicções acima da liberdade de pesquisa da ciência.
Agora, ao tema.
O episódio Malafaia é elucidativo para entender dois pontos apontados aqui no Blog, sobre o programa e a candidatura de Marina Silva.
O primeiro, a qualidade do programa original da Rede Sustentabilidade.
Quem acompanha a série que escrevo sobre o Brasil 2015 poderá conferir que a maioria absoluta dos conceitos defendidos – e das críticas que faço à condução das políticas públicas - foi contemplada no Programa do Sustentabilidade..
O segundo, a incapacidade de Marina Silva de minimamente administrar conflitos. E, de certo modo, a falta de fôlego da própria Rede para enfrentar o velho.
Dois episódios demonstram isso.
1. O caso do aprofundamento da democracia participativa, uma das grandes bandeiras atuais. Bastou uma manchete preconceituosa do Estadão para a Rede soltar uma nota informando que os conceitos criticados pelo jornal constavam de um trabalho ainda não aprovado pelos coordenadores do programa. O programa é divulgado e os conceitos continuam lá.
2. O caso LGBT, ou com essa fantástica frente modernizadora, esse centro do mais avançado pensamento das ONGs paulistas, os centuriões da modernização foram botados para correr pelo pastor Silas Malafaia.
Reverso de Lula
Não apenas isso.
No fundo, o programa da Rede Sustentabilidade é um tentativa de reengenharia no modelo lulista.
Lula compôs com o mercado financeiro para viabilizar suas políticas sociais; o programa de Marina pretende compor com os movimentos sociais para viabilizar sua política econômico-financeira.
No período Lula-Dilma, com todas as concessões, o ponto central foram as políticas sociais; no programa da Rede, pelo contrário, é o mercado financeiro (explico logo adiante).
Há agravantes nessa estratégia.
Os tempos são outros, não há crescimento nem espaço fiscal para atender a todas as demandas. O próximo governante terá que administrar a escassez. E aí o programa da Rede não passa no teste de consistência:
1. Os novos tempos exigem o aprofundamento da democracia social e do Estado de bem estar.  Aumenta o custo dos salários e exige um novo desenho econômico para preservar a capacidade da economia em gerar empregos de melhor valor.
2. O novo modelo só se sustenta com um salto na qualidade do emprego e das empresas. Exige uma nova política industrial, casada com planos de inovação, educação, visando garantir a oferta de empregos de maior valor agregado.
3. Definidos os dois passos anteriores, a macroeconomia precisa ser adaptada aos novos tempos. Ou seja, ela é a derivada.  No programa do Sustentabilidade, juros e parte fiscal são o fator dominante.
Para mostrar melhor as incongruências, compararei o programa da Rede com o que está sendo elaborado por um conjunto de especialistas - macroeconomistas, economistas sociais, urbanistas etc - ligados ao chamado novo pensamento desenvolvimentista.
Primeiro movimento: a democracia social
Nos dois casos, há grande semelhança das ideias levantadas - pelo fato de que estão rodando por aí, na cabeça de especialistas, da academia, das ONGs.
Grosso modo, podem ser divididos nos seguintes subtemas:
1. Temas ligados à qualidade de vida.,
2. Temas ligadas ao federalismo.
3. Temas ligados ao aprofundamento da democracia social.
4. Micro-reformas desburocratizantes.
Quase todas as ideias significam melhorias incrementais em relação à dinâmica das políticas sociais já existentes.
É o que explica o belíssimo capítulo do programa da Rede sobre a inclusão de crianças com deficiência na rede escolar, belíssimo nos conceitos mas ignorando uma realidade concreta, uma das mais bem sucedidas políticas públicas do país: 800 mil crianças com deficiência sendo atendidas na rede escolar, com transporte, salas especiais, planos de trabalho individualizados. Ou a proposta de ensino em período integral ignorando que já existem 4 milhões de crianças nessas condições.
Todo esse trabalho foi possível porque tanto o governo Lula como Dilma garantiu espaço no orçamento público. É aí que se dão os grandes embates políticos, com corporações, mercados e grupos sociais querendo, cada qual, seu pedaço do bolo.
Segundo movimento: a reestruturação econômica
Nesse capítulo, a lógica mercadista se apresenta em toda sua exuberância.
O trabalho dos desenvolvimentistas procura identificar novos setores dinâmicos e defender políticas de fortalecimento com uso de política de compras, conteúdo nacional, investimento em inovação, educação, financiamento etc. E o pré-sal é o ponto central dessa reestruturação.
O pré-sal some do programa da Rede. Em relação aos combustíveis fósseis, a única menção é à necessidade de reduzir sua utilização por questões ambientais.
No capítulo energia, o programa perde-se em análises recorrentes sobre o novo modelo elétrico e na defesa sonhática de formas alternativas de energia, como se a energia solar e a eólica pudessem dar conta do recado de garantir energia para as próximas décadas.
Políticas de conteúdo nacional não se limitam meramente a assegurar um percentual de produtos nas compras públicas. São o ponto de partida para programas de capacitação, envolvendo a cadeia produtiva, universidades, atração de tecnologia externa, treinamento, cursos técnicos. São peças essenciais para permitir saltos de qualidade na cadeia produtiva.
O programa da Rede limita-se a aceitar os programas de conteúdo nacional existentes, "desde que com data marcada para terminar". A ideia central continua sendo a de abrir o país para a competição externa, como se a invasão de importados e a queda da indústria decorressem da falta de competição.
Terceiro movimento: a política macroeconômica
É aí que se revela amplamente a política econômica da Rede.
Ampliação dos direitos sociais, reestruturação industrial, tudo isso depende de recursos orçamentários.
Um projeto político voltado efetivamente para o aprofundamento da democracia social e para a reestruturação econômica, não poderia conviver com dois vícios recorrentes que comprometem o orçamento público:
1.     A política de metas inflacionarias que cria o pior dos mundos para o orçamento público. Cada aumento da inflação dispara uma alta dos juros que, por sua vez, compromete parcelas cada vez maior do orçamento público, além de destruir a política cambial.
2.     Para garantir o espaço para a apropriação do orçamento pelos juros, definem-se metas de superávit fiscal incompatíveis com períodos de estagnação econômica.
Não difere do que vem sendo praticado por sucessivos governos, e agravado nos últimos anos pelos problemas de gestão econômica de uma equipe medíocre, mantida pela teimosia de Dilma..
Um upgrade do governo Dilma exigiria uma mudança corajosa nesse modelo do tripé econômico, definindo um combate radical às heranças remanescentes da inflação inercial, substituindo as metas inflacionarias por outras formas de articulação das expectativas e, principalmente, desatrelando a dívida pública da política monetária do Banco Central.
É mais fácil essa mudança ocorrer com Dilma do que com Marina. Dilma abraça o tripé por não dispor de uma equipe com fôlego para propor políticas alternativas. Já no grupo de Marina, o tripé é sagrado.
Conclusão
O programa é relevante – seria mais não fossem os recuos inacreditáveis – por levantar temas dos novos tempos, conceitos contemporâneos, principalmente partindo de organizações sociais que promovem um arejamento no pensamento anacrônico da chamada elite empresarial.
Mas é evidente que o resultado final não é a ruptura com dogmas que seguram a transição para os novos tempos. Pelo contrário: reforçam a submissão do país a um modelo econômico que se esgotou globalmente.

Herança

O domingo é de Cecília Meireles: “Aqui está minha herança,/este mar solitário/que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.” (Foto: LS)

Em queda

Aécio diz em São Paulo que "na hora da razão" recuperará índices de intenção de votos nas pesquisas. Mas é justamente pela razão - ou seja, pela percepção do conteúdo de suas propostas pelo eleitorado - que ele cai.

Compromisso com o rentismo

Marina Silva: a "face humana" do capital financeiro

Elias Jabbour, no Vermelho

Com muita tranquilidade a taxa de juros chegaria a 30% durante um governo capitaneado por ela. É como tenho dito: “Marina Silva vai fazer o serviço sujo na maior limpeza”. Ela pode. Ela não é do PSDB!
Tenho combatido a tendência de relativização de amplos setores da classe média encantados com a possibilidade de eleição de Marina Silva. Com um estilo que agrada o povo de tipo cult, poucos percebem o fundo político falso desta alternativa. E o pior, o que faria para angariar base política institucional, ou não, para poder governar.
Não sei o que ela pensa da vida com relação a certas coisas. Imagino que se ache uma pessoa tão especial que foi capaz de ver algo como um “destino” na morte de Eduardo Campo e sua assunção ao posto de candidata. Posta candidata, rapidamente sai às ruas. E seu primeiro compromisso foi justamente na Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) ao lado de Jorge Bornhausen. Não me surpreendeu nem um pouco o compromisso dela com a “independência do Banco Central”, com a retomada radical do “tripé macroeconômico”. A nota promissória assinada à grande finança foi a promessa de colocar os juros no centro da meta de 4,5% e reduzi-la a 3% nos próximos três anos.
Assim, Marina entra no jogo da “grande política”, e toma lado entre os dois campos postos. Deixou de ser a anticandidata de 2010 com suas propostas difusas e imensa confusão. Logo, Marina Silva demonstra que não existe terceira via nesta história. Para um país como o Brasil, a alternativa liberal resiste desde 1930 quando foi proscrita por uma Revolução Nacional. A outra alternativa é uma combinação entre o desenvolvimentismo getulista e a revolução democrática de Lula e Dilma. A outra via, simplesmente não existe. E Marina Silva é prova disso. Tomou lado numa história que se arrasta desde 1930.
Por que acho perigosa Marina Silva? Primeiro essa questão macroeconômica toda já está documentada em seu recém-lançado Programa de Governo. Vai além, ainda, ao propor a entrada do setor financeiro privado na oferta de crédito. Impossível, contraditório. Sendo cumprida a risca as metas de inflação, como garantir a entrada da finança privada no mercado de crédito de curto prazo? A taxa de juros poderá alcançar a casa dos 25% em menos de um ano. Não se trata de terrorismo. É o concreto que o básico da ciência econômica nos ensina.
Para onde vai se esgueirar na busca de uma base social de poder? Na classe média cult? Sim, também. Mas principalmente no sistema financeiro. Neste aspecto, ela é muito mais letal do que Aécio Neves. Como candidato neoliberal escrachado, certamente Aécio encontraria grandes dificuldades de implantar uma versão “puro sangue” do Plano Real. Marina Silva, não. Aclamada nas rodas da banca interna e externa, lastreada por uma história de luta e sobrevivência e de defesa do meio ambiente, o mercado financeiro assim encontrou alguém com um “rosto humano” para implantar seu programa.
Seu ar de anti-política, “Messias enviada pelos céus”, acima do bem e do mal. Aparência e essência não se confundem. Com muita tranquilidade a taxa de juros chegaria a 30% durante um governo capitaneado por ela. É como tenho dito: “Marina Silva vai fazer o serviço sujo na maior limpeza”. Ela pode. Ela não é do PSDB!
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Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ. Membro do Comitê Central do PCdoB.
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30 agosto 2014

Punição exemplar

Há dois anos, na cidade de São Paulo, o estudante de direito André Cardoso Gomes Baliera, homossexual, foi vítima de agressão homofóbica pelo personalidade trainer Diego Mosca e pelo empresário Bruno Portieri. Os agressores foram condenados a pagar, agora, cada um, uma multa de 1.000 UFESP (em torno de 20 mil reais). É pouco, mas serve como punição à intolerância e ao desrespeito à condição humana.

A fúria oposicionista do setor rentista

Por que o sistema financeiro privado quer derrotar Dilma?

Antonio Augusto de Queiroz, no Vermelho

Primeiro motivo, e não necessariamente o principal, é porque o governo Dilma ousou desafiá-los, ao interferir na margem de lucro deles, ao pressionar o Banco Central que reduzisse a taxa Selic, de um lado, e, de outro, que os bancos oficiais (BB e CEF) reduzissem o spread bancário, a partir da concorrência com a banca privada.
Os banqueiros, que antes elogiavam o governo, passaram a hostilizá-lo e a promover campanha com o objetivo de desqualificar a presidente e seu governo quanto à capacidade de manter a inflação e o gasto público sob controle, inclusive alugando alguns articulistas de economia da grande imprensa.
Insistiram nessa tática, aparentemente sem resultados, durante dois anos, até que, por sazonalidade nos produtos hortifrutigranjeiros, houve aumento de alimentos, inicialmente da batata e logo em seguida do tomate, criando as condições para a vitória da guerrilha inflacionária, que assustou os consumidores e forçou o governo a autorizar o retorno do aumento da taxa de juros.

O segundo motivo é porque nos governos do PT o dinheiro de origem trabalhista (FAT, FGTS e alguns Fundos de Pensão de estatais), com baixa intermediação do sistema financeiro privado, foi utilizado para fornecer crédito barato, gerar emprego e renda. Ou seja, em lugar de ir para a especulação, com ganhos astronômicos dos rentistas, esse dinheiro foi para o investimento produtivo.


Em um governo de perfil liberal, que afrouxa ou desregulamentar a economia e abre mão de dar a direção aos investimentos, esses recursos certamente seriam administrados por banco privados e não por bancos oficiais (BB e CEF) nem tampouco pelo BNDES e certamente iriam para a especulação e não para o investimento.


O terceiro motivo foi a criação do Fundo Soberano, com as finalidades de promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do país localizados no exterior. Isso reduz as perspectivas de captação e administração de recursos públicos pela banca privada.


O quarto foi a criação do Banco do BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que terá um capital inicial de U$$ 50 bilhões e que poderá ser utilizado, com custo mais baixo, por seus sócios, o que, igualmente, não agradou aos banqueiros brasileiros.


As motivações, como se vê, são todas decorrentes do desconforto com a presença do governo na gestão ou intermediação de parcela dos recursos destinados aos investimentos (capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro), sendo o maior montante os de origem trabalhista.



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Audácia

Da minha correspondência pessoal: "A vida verdadeira, sem amarras nem preconceitos, é uma sucessão de escolhas e rupturas - e é preciso perseverança e audácia na busca do que se deseja."

Marina, retrocesso explícito

Atenção, amig@s! O programa apresentado por Marina Silva contém a submissão explícita ao sistema financeiro: a moeda, a política de juros, a política cambial, os salários, a política externa e fiscal serão condicionados pelo chamado "mercado", ou seja o setor bancário e rentista. Isto significa um brutal retrocesso político, econômico e social! Uma tentativa de se posicionar à direita de Aécio. Por que? Entre nesse debate.

Anseio

Burle Marx
O sábado é de Weydson Barros Leal: “Coração/este lugar em que eu quero estar/mais alto que a claridade do dia” 

Em alta

Produção de grãos este ano no Brasil deve chegar a 193,47 milhões de toneladas 2,6% superior à da safra passada.  

Uma trajetória perigosa

Marina e o mito do cavaleiro solitário

Luís Nassif, em seu blog

Todo fim de ciclo político abre espaço para os outsiders da política.

São períodos em que ocorre um aumento da inclusão, da participação popular e os mecanismos políticos tradicionais não mais dão conta da nova demanda. Há o descrédito em relação à política e, no seu rastro, o cavaleiro solitário, cavalgando o discurso moralista e trazendo a esperança  da grande freada de arrumação.

Fazem parte dessa mitologia políticos como Jânio Quadros, Fernando Collor e, agora, Marina Silva.
***
Tornam-se fenômenos populares, o canal por onde desaguará a insatisfação popular com o velho modelo.

No poder, isolam-se por falta de estrutura partidária ou mesmo de quadros em qualidade e quantidade suficiente para dar conta ro recado de administrar um país complexo como o Brasil.

Com poucos meses de mandato, a população percebe que não ocorrerá o milagre da transformação política brasileira e se desencantará com o salvador. Sem base política, sem o canal direto com o povo, perdem o comando e trazem a crise política. 
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Desde a redemocratização de 1945 o Brasil tornou-se um país difícil de administrar, dada a complexidade de forças e setores envolvidos. Só é administrável através das composições políticas.

Na última década, a complicação ficou maior porque floresceram uma nova sociedade civil, novas classes de incluídos e o fantasma da hiperinflação (e dos pacotes econômicos) não mais funcionava como agente organizador das expectativas e de desarme das resistências.
***
O maior momento de Marina foi quando, na OMC (Organização Mundial de Comércio) defendeu a o direito do Brasil proibir a importação de pneus. No episódio Cessna descobre-se um sócio oculto do ex-governador Eduardo Campos, que enriqueceu com incentivos fiscais (do estado de Pernambuco) justamente para a importação de pneus.
***
Não apenas isso.

Sua vida profissional indica uma personalidade teimosa e desagregadora.

Começou a vida política com Chico Mendes. Depois, rompeu com ele e aderiu ao PT. Foi parceira de Jorge Vianna, governador do Acre. Rompeu com Jorge, tornou-se Ministra de Lula.

Teve embates com a então Ministra-Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff acerca da exploração da energia na Amazonia. Perdia os embates nas reuniões Ministeriais, mas criava enormes empecilhos no licenciamento ambiental.
Nas reuniões ministeriais, jamais abria mão de posições. Quando derrotada, se auto-vitimizava e, nos bastidores, jogava contra as decisões com as quais não concordava.

Saiu do governo Lula no dia em que anunciou seus planos para a Amazonia e Lula entregou a gestão para Roberto Mangabeira Unger.
***
Saiu do governo, entrou no PV e promoveu um racha no partido. Tentou montar a Rede, juntou-se com o PSB e criou conflitos de monta com os principais auxiliares de Campos.

A teimosia em geral estava a serviço de ideias e conceitos totalmente anticientíficos.

Combateu as pesquisas em células tronco. Em 2010, em uma famosa entrevista no Colégio Marista, em Brasilia, anunciou que proibiria ensinar Darwin nas escolas, por ser a favor do criacionismo.

Se o país resolver insistir na aposta no personagem salvador, só há uma coisa a dizer: bem feito!

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29 agosto 2014

O pensamento econômico que orienta Aécio e Marina

As mulas-sem-cabeça de Aécio Neves  e Marina Silva

O debate sobre o atual quadro econômico brasileiro, no âmbito da campanha eleitoral da sucessão presidencial, é talvez a maior vitrine de pessoas e ideias que resistem ferozmente ao avanço das concepções progressistas no Brasil.
Osvaldo Bertolino*, especial para o Vermelho
O vocabulário das principais cabeças ideológicas dos projetos das duas candidaturas da direita – Armínio Fraga (Aécio Neves), André Lara Resende e Eduardo Giannetti (Marina Silva) – é o samba de uma nota só do velho projeto neoliberal, que de tanto ser repetido dói nos ouvidos: independência do Banco Central (em bom português: entregar a gestão da economia brasileira ao sistema financeiro internacional), melhorar o ambiente de negócios, simplificar tributos, reverter políticas consideradas intervencionistas na economia e abrir mais o país à competição internacional. Os três professam a religião de Wall Street e não deixam dúvidas a respeito do diapasão pelo qual estão afinando as propostas dos seus candidatos.
Na tradução para um idioma menos áspero, o que eles propõem são medidas como um novo plano de privatizações, contenção do salário mínimo e revisão da política de desonerações, o incentivo ao consumo. Eles fazem parte de um grupo integrado por rostos bem conhecidos, ícones da nefasta “era FHC”, como Edmar Bacha, Gustavo Franco e Elena Landau. Aécio Neves reforçou os chavões neoliberais ao falar sobre as mudanças que pretende realizar, caso seja eleito. Citou entre elas "a redução da intervenção do Estado na economia" e a adoção de medidas "para deixar nossos custos de produção menos onerosos". Aécio também listou, nos itens da sua plataforma econômica, o "resgate dos pilares da nossa economia, como estabilidade da moeda, responsabilidade fiscal e livre flutuação do câmbio".

Marina Silva ainda não se pronunciou longamente sobre o tema, mas o seu rumo não difere em nada deste de Aécio. Contudo, em recente entrevista à revista Época, das Organizações Globo, Lara Resende disse que “não há nenhuma garantia de que mais interferência do Estado signifique necessariamente menos desigualdade”. Falando ao jornal Folha de S. Paulo, Giannetti disse que um eventual governo Marina seria similar à segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e à primeira de Luiz Inácio Lula da Silva (especialmente o período em que Antônio Palocci reinou absoluto como ministro da Fazenda). Ele fez eco às palavras da candidata que tem defendido o chamado "tripé" (superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação).

Receita de Simonsen - O Brasil conhece bem essa receita. A rigor, ela começou a ser implementada ainda nos governos da ditadura militar de 1964. Em 1979, o então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, ao deixar o comando da equipe econômica recomendou ao seu sucessor, Antônio Delfim Netto, suas ideias sobre “estabilidade”, “necessidade de ajustes” e “austeridade fiscal”. Por trás das palavras de Simonsen estavam concepções plantadas pela ditadura e que resultaram, nos anos 1980, na famosa “década perdida”. Somava-se ao diagnóstico conservador a afirmação de Simonsen de que o Brasil não teria como sustentar o ritmo vigoroso de crescimento dos anos 1970 e que “duros ajustes” eram necessários.

O resultado? Bem, não é preciso muito conhecimento sobre economia para saber quem pagou a conta daquele desastre. As marcas na vida do país foram profundas: inflação fora de controle por longos 15 anos, o que originou uma sucessão de fracassados planos econômicos; pouco investimento em atividades produtivas; descrédito internacional e por aí a lista segue. Chegamos à “estabilidade” da “era FHC” e por consequência ao fundo do poço. A reedição dessa ladainha agora indica que infelizmente aquela história está querendo renascer das cinzas. Mais uma vez, duas correntes de opinião divergentes marcam o debate econômico.

Obsessão nacional - A primeira coloca a “estabilidade” acima de tudo; a segunda defende que o país deve buscar crescer mais e mais e explica que isso não será possível sem as medidas que procuram destravar o país. Os conservadores, como sempre, gostam de manipular esse tipo de debate. Há algum tempo, o instituto de pesquisa Vox Populi, de Belo Horizonte, perguntou aos brasileiros se eles preferem mais inflação e mais emprego ou a mesma inflação com o mesmo desemprego. Apenas 11% preferiram a segunda opção, contra 38% que disseram aceitar mais inflação se fosse acompanhada de mais emprego. Foi o sinal para que uma série impressionante de bobagens começasse a aparecer na mídia. Os ''comentaristas'' não perderam a oportunidade para atacar o governo exatamente por esse flanco: a fictícia ameaça da volta da inflação.

O desenvolvimento do país, ao contrário do que dizem os conservadores, deve sim ser uma obsessão nacional. Sem um horizonte econômico claro, não há como destravar a economia para que ela cresça de forma autossustentável. Crescimento sustentado quer dizer que o país consegue financiá-lo de forma não-inflacionária e sem pressões externas. Infelizmente, a economia brasileira, combalida pela gestão desastrosa dos anos da ditadura e da “era FHC” – e que avançou pelo governo Lula com Antônio Palocci –, ainda está longe de alcançar esse objetivo. Muito mais longe do que dizem essas pessoas que pedem mais “estabilidade” mesmo à custa de menos produção e menos investimento público. Felizmente, o país se livrou da ditadura “ortodoxa” e ingressou num debate sério e democrático para definir o caminho do seu desenvolvimento.

Teoria do bolo - Em um país com tantas carências, assim que um problema sai da linha de frente outros ocupam seu lugar. E essas carências, que de fato são grandes, continentais, só serão resolvidas com anos e anos de crescimento econômico. E só se consegue crescer por muito tempo com planejamento. E com debate democrático – ideia proscrita dos manuais da “ortodoxia”. Infelizmente, ainda é muito presente em nosso cotidiano aquele mecanismo ingrato que impede que o país discuta seu futuro. Um exemplo disso é o mais recente falatório em torno da questão fiscal, os investimentos estatais.

A direita, é óbvio, tem interesse em atravancar o progresso do país. Seguir à risca a sua receita seria repetir o aguçamento daquela calamitosa teoria do bolo, levada a cabo nos anos de ditadura, que partiu o Brasil em dois países antagônicos. Nada melhor para ilustrar a convicção e o sectarismo dessa ideia do que a teoria do bolo – seus defensores têm o ar de quem está sempre descobrindo a pólvora. Na “era FHC” vimos isso com nitidez.

Dizia-se, com a habitual obviedade para encaixar um sofisma, que o bolo (a economia nacional) era um só e tinha de ser dividido em partes iguais. Não adiantava querer aumentar as partes enquanto o bolo fosse o mesmo. A análise monetária-culinária que faziam tinha como mandamento principal a contenção da inflação, sacrificando o desenvolvimento. E era ilustrada com um exemplo matemático – diziam que o bolo tem 100 unidades, logo deve ser dividido em partes que somam 100 ao final. Esta foi, por exemplo, a propaganda da “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que blindou o superávit primário. Um engodo, está claro. Responsabilidade fiscal é uma ideia saudável, não resta dúvida, mas ela tem de estar a serviço de uma causa ainda mais justa: a responsabilidade social.

Diagnóstico simples - A teoria era a de que quando são destinadas 80 unidades para consumo e 40 para investimentos, o resultado de 120 era a inflação. Para eles, não havia outro caminho. Esta ladainha foi sempre repetida na “era FHC” – o então presidente da República chegou a dizer que a Marcha dos 100 mil, que inundou Brasília com um mar de gente para protestar contra a sua política econômica, era “ a marcha dos sem rumo”. Qual seria a alternativa? Segundo eles, não havia.

Ignoraram essa coisa simples de que fórmulas matemáticas não devem substituir o desenvolvimento de um povo que habita uma região cheia de riquezas naturais. A política econômica de um país não pode ser determinada por simples conceitos monetários. Esta autossuficiência dos neoliberais esclarece muitas coisas sobre os problemas sociais e econômicos do Brasil. E suscita novas indagações sobre a atualidade do dilema inflação e desenvolvimento – as opiniões divergentes continuam e o tempo ainda não lhe trouxe solução.

Eles ignoram também que não existe um diagnóstico simples e objetivo da inflação. A suposição da existência deste diagnóstico é o erro fundamental dos neoliberais – que tratam política econômica e a sua teoria monetária como a mesma coisa. O ex-presidente do Banco Central na “era FHC”, Gustavo Franco, certa vez afirmou que não discutia mais o dilema inflação-desenvolvimento porque, segundo ele, não era mais tema científico, mas emocional e religioso. Mas muita coisa já ficou esclarecida nestes últimos anos dos governos Lula e Dilma Rousseff.

Tom de profecias - Uma delas é que o dilema inflação-desenvolvimento é o ponto fundamental da grande questão da economia brasileira. Já é alguma coisa saber disso. E já se sabe não apenas que esta é a grande questão como também que não existem uma ou duas causas determinantes tanto da inflação quanto do desenvolvimento. Há sim uma variada relação de causas e efeitos igualmente importantes, monetários e estruturais. E isso tornou-se claro depois da experiência dos neoliberais na “era FHC”, quando todo o tempo foram afirmadas teses ditas únicas para a economia brasileira que chegaram a resultados melancólicos.

Com o desmentido de promessas feitas em tom de profecias pelos czares da economia na “era FHC”, cresceram as evidências de que, à época, o país tomara o caminho errado. Mesmo os continuadores dessa política na primeira fase do governo Lula, com o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci à frente, que se empolgaram e sectarizaram-se na defesa de teses '“ortodoxas” – talvez por supor que estavam no exercício de um poder absoluto –, foram repudiados por todos os que não rezam pela cartilha neoliberal. Eles incorreram na soberba do galo que pensa que o sol nasce porque ele canta. Segundo sua teoria, a gestão da economia só poderia dar resultados positivos se estivesse submetida às suas elucubrações e por isso cantavam para que o sol nascesse.

O debate que interessa - O Brasil se livrou desse mantra e, em certa medida, passou a valorizar a necessidade de mecanismos para melhorar a vida da população. A constatação de que o impacto do crescimento econômico sobre o bem-estar da população é decisivo levou imediatamente à pergunta (particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil): como distribuir a riqueza de forma eficiente? Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis está o papel do Estado.

No fundo, esse é o debate que realmente interessa. Economias do tamanho da brasileira não costumam crescer a taxas acima de 5% ao ano. Mas o Brasil não só necessita dessa taxa como precisa que ela seja contínua. Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão de obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho. Ou seja: além de crescer, o Brasil precisa distribuir a renda e se desenvolver.

Melhorias infraestruturais - Entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. Comparemos esses dados com alguns números da Finlândia, que não cresceu tanto. Sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de US$ 20 mil, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros – expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade –, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil.

A questão é que países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infraestruturas para atender a suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito por fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infraestruturais. Ou seja: o Brasil não só pode como deve crescer acima de 5%.

Reflexão de Raúl Prebisch - O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos ao desenvolvimento do subcontinente. A Comissão Econômica Para a América Latina (Cepal) foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos de nosso intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.

Sabemos que no Brasil esse desafio não foi enfrentado. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento. Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva.

A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.

Estado virtuoso - Essa situação começou a mudar com a eleição de Lula em 2002. Com o avanço da cidadania, a sociedade também avançou. Multiplicaram-se as instâncias de representação. Os movimentos populares abriram espaços cada vez mais amplos para o debate público, atuando como uma verdadeira ágora desses novos tempos. Mas o Estado ainda precisa ser mais bem cobrado no desempenho de suas tarefas. Os nichos historicamente privilegiados devem estar sob o crivo de segmentos sociais mais vigilantes para impor limites à privatização do Erário.

O governo federal tem feito esforços para democratizar o Estado, para que ele se torne mais transparente e responsável. No entanto, precisa acelerar a recuperação da sua capacidade gerencial a fim de fazê-lo cumprir o seu papel. Ou melhor: o Estado precisa se credenciar para cumprir finalmente a meta de universalização dos serviços públicos. Pode-se dizer que estamos passando de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegure a todos brasileiros condições satisfatórias de vida. Governar sem essa premissa, como querem os gurus econômicos de Aécio Neves e Marina Silva, equivale a soltar na praça mais uma dessas mulas-sem-cabeça que os neoliberais tanto gostam de cultuar.

*Osvaldo Bertolino é jornalista, editor do Portal Grabois e colaborador da revista Princípios.
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A vida do jeito que é

Necrofilia

Marco Albertim, no Vermelho
Não fosse o costume de Ramiro na remoção de esqueletos, depois de escavar covas, deparar com o estranho entre os túmulos teria sido resultado da erosão em uma cova rasa, deixando escapar o morto que ainda não dera o último suspiro. Ramiro, andando no corredor comprido do cemitério, entre blocos de gavetas tumulares de um lado e de outro, apoiando no ombro direito o cabo da enxada, deu de cara com o estranho. O homem tinha bermuda com beiras em fiapos; a cor há muito desbotara e confundia-se com o cinza descaído dos blocos de túmulos. A camisa aberta tinha a mesma ausência de cor. O rosto magro, moreno, com narinas acesas feito orifícios de escape, salientava-se sob os cabelos estirados com esforço; logo abaixo do cocuruto os cabelos se eriçavam iguais à crosta de um cupinzeiro. O homem tinha perto de sessenta e dois anos, apoiava o corpo magro numa bengala de alumínio com encosto para o braço. Um dos olhos, o esquerdo, sumira, deixando o oco do olho coberto por um emplastro redondo, com uma largura tão miúda quanto a órbita invisível.
Sem se assustar, arrastando devagar as pernas curtas e sem queixa no rosto largo por conta do tronco grosso feito um caixote, Ramiro estacou:
- Não é uma alma penada. Mas pelo rosto curtido, o olho sumido e o corpo se acudindo num gancho de alumínio, bem que vosmecê se parece com um desemparedado escorraçado da sepultura porque não deu ouvidos à última oração dos parentes.
- Estou morto há cinco anos...! - desentranhou o estranho.
Carece dizer que às cinco da tarde, a sombra pardacenta sob os oitizeiros entre um bloco e outro de gavetas, em muito encobria a rabugice no rosto do estranho; talvez ele se valesse do crepúsculo para tornar-se ainda mais infausto.
- Fui enterrado nesta gaveta - apontou para o túmulo do  meio, o de baixo, num bloco com seis gavetas, três em cima e três em baixo.  - Hoje, o que o senhor está vendo, é o que resta de minha mortalha.
O coveiro mirou-o de cima a baixo, viu que o homem não estava descalço nem usava alpercatas, tampouco um par de sapatos outrora de couro lustroso mas àquela altura com o solado e o couro estropiados. Tinha, amarrados com força aos pés ainda ágeis, um par de tênis escuros com os bocais cobrindo os tornozelos; empoeirados e úmidos, como se o homem tivesse pisado num charco escuro, da mesma cor dos lados dos tênis.
- Não digo que vosmecê esteja completamente vivo, porque seus olhos não têm lume e de sua boca sai um fedor de enxofre. Mas o que lhe resta de vida, é o sopro de um defunto mal comido pelos vermes. Vosmecê tem parte com quem aqui no cemitério?
O homem voltou a apontar para a gaveta. Ramiro olhou para baixo. Sempre passava por ali, mas nunca se dera o trabalho de memorizar o nome de algum defunto ou defunta, a não ser que, na rua em que morasse, alguém pedisse para verificar o paradeiro de um defunto sumido. Ramiro olhou e distinguiu as letras escuras se apagando na fronte da gaveta - Severina Augusta de Lucena Borges - 1960 - 2010 - Deixou viúvo o sargento do Corpo de Bombeiros - Zoroastro de Lucena Borges.
- Como o senhor tá enterrado aqui? O senhor baba feito visgo de verme roedor. Mas o zumbido de sua fala, que não dói nos ouvidos mas se entranha no juízo de quem ouve, ainda assopra que nem agouro vindo do fim do mundo.
- Vá nos assentamentos do cemitério. Meu nome consta como morto.
- O senhor é mesmo uma praga. Vá embora daqui. Isto aqui é um lugar de repouso. Respeite o sossego de Dona Severina Augusta.
- Severina Augusta era minha mulher. Eu sou o sargento do Corpo de Bombeiros que ela deixou viúvo.
- E está vivo ainda! Arre égua!
Ramiro seguiu o caminho do corredor, agora empunhando a enxada porque tirara-a do ombro para melhor conversar com o estranho. Às seis da noite, voltou pelo mesmo caminho. Não encontrou o suposto morto, mas sorveu em frente ao túmulo de Severina Augusta de Lucena Borges, um cheiro pestilento de carnes não apodrecidas, mas de uma sujeira há muito entranhada em tecidos da pele humana ou de andrajos.
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Saudade

Tereza Costa Rego
A sexta-feira é de Jaci Bezerra: “A saudade me alcança/mas não lhe ouço a fala/só a sua lembrança/arde na manhã clara...” 

Receita neoliberal

"Eficiência" para Aécio é reduzir o Estado e cortar investimentos

No Vermelho www.vermelho.org.br

Em sabatina realizada pelo grupo Estado nesta quarta-feira (27), o candidato tucano à Presidência da República, Aécio Neves, manteve a postura de campanha de não detalhar como vai colocar em prática o pouco que apresenta de proposta de governo, mas fez questão de reafirmar seu plano de corte de gastos públicos e dos investimentos.
Aécio disse que se eleito vai reduzir a presença do Estado e aumentar a participação do setor privado no governo para, segundo ele, deixar o Estado “eficiente”. Indagado sobre quais os setores desses cortes, ele disse que o “desenho” ainda está sendo feito, mas que cortaria pelo menos metade dos ministérios.

O candidato tem se esquivado de dar detalhes sobre esses cortes. No debate na TV Bandeirantes, na terça-feira (26), Aécio foi colocado contra a parede pela presidenta Dilma Rousseff, que o questionou sobre quais as “medidas impopulares” que ele tomaria caso eleito. Mas Aécio fugiu da resposta.

Na sabatina do Estadão, o candidato limitou-se a dizer que seguirá a receita aplicada em Minas Gerais, quando foi governador. Em Minas Aécio fez quatro reformas administrativas, mas nenhuma delas resultou em eficiência.

Guru economista - Na questão econômica, Aécio fez questão de ressaltar que Armínio Fraga será seu ministro, caso seja eleito, dando um sinal de que terá um aplicador de políticas econômicas credenciado pelo sistema financeiro internacional. “Eu, com a indicação do Armínio Fraga, quero mostrar que temos um projeto”, disse ele.

Os brasileiros conhecem bem o “projeto” de Fraga. Com uma vasta trajetória de serviços prestados aos especuladores, incluindo seis anos como diretor-gerente da Soros Fund Management, Fraga foi presidente do Banco Central no governo FHC e, atualmente, administra US$ 7 bilhões com a Gávea Investimentos.

O ex-presidente do BC gosta de fazer “análises” sobre o desempenho da economia no governo Dilma, mas não diz que foi o responsável pela política econômica do segundo mandato de FHC, que em 2002 apresentava crescimento baixo, dívida alta, reservas baixas, meta de inflação descumprida e um dólar que se aproximava de quatro reais.

Fraga, que no início do ano chegou a dizer que o salário mínimo do Brasil havia subido demais, voltou a dar garantias de que os tucanos aplicarão uma drástica política de ajuste. “Com certeza, nós estamos assumindo o compromisso de ter metas bem definidas”, disse ele.

Voltando a falar da sabatina, Aécio continuou o seu factoide. Sobre infraestrutura, disse que o Brasil “é um cemitério de obras abandonadas”.
Mas a realidade é outra. O PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento) tem, em pouco mais de três anos, 95,4% das ações previstas para 2011-2014 concluídas e executará 84,6% dos recursos previstos até o final deste ano.

São investimentos em geração de energia, construção de moradias, mobilidade urbana e ampliação do acesso à luz e água, sem falar em geração de emprego e renda. Só em obras de mobilidade urbana foram investidos R$ 143 bilhões em metrôs, BRTs e VLT.

Energia - Sobre a energia, Aécio reclama que a presidenta “Dilma não quis ouvir o setor” e seguiu a cantilena de que haverá “crise energética”, coisa que só vimos no governo tucano de FHC.

O que Aécio tenta classificar como desdém de Dilma trata-se na verdade de uma medida da presidenta que reduziu a taxa de retorno de lucro das termoelétricas, o que levou à redução das tarifas. A ação da presidenta gerou uma insatisfação entre as concessionárias, que pelo jeito contam com a solidariedade de Aécio.

O candidato diz que Dilma “fracassou também em sua grande bandeira que era a transformação social”, mas ao mesmo tempo diz que vai continuar o Bolsa Família – programa que em mais de 10 anos tirou 36 milhões de brasileiros da pobreza.

No plano de Aécio, o Bolsa Família vai se chamar “Família Brasileira”. E não é só o nome que vai mudar. O tucano pretende “classificar as famílias em níveis de carência”, ou seja, o governo definiria a partir de seus critérios quem necessita mais ou menos.

Na sabatina, Aécio defendeu como solução da criminalidade a redução da maioridade penal. “A utilização do menor em crime virou uma verdadeira indústria”, justificou.

Da redação do Portal Vermelho, Dayane Santos
Com informações de agências
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Inclusão no campo

Em Pernambuco, no governo Dilma, o Programa de Agricultura Familiar (Pronaf) formalizou 368.950 agricultores familiares. 

De Getúlio a Dilma

Luta histórica

Eduardo Bomfim, no portal Vermelho

Há 60 anos suicidava-se Getúlio Vargas depois de sofrer violentos ataques por parte da grande mídia da época, acusado de corrupção, transformar o governo num “mar de lama”. Cercado, adotou como saída política a morte.

A ação extrema de tirar a própria vida reverteu contra os adversários o quadro político da nação, além da célebre carta testamento, acurada análise da realidade do País, pondo em ação milhões de brasileiros irados contra as forças que urdiam o golpe de Estado.

Mas o que estava em jogo era algo mais profundo que derrubar pela força Getúlio, definiam-se com nitidez duas visões distintas de como conduzir os destinos da nação que polarizaram os rumos políticos, acadêmicos do País com certas variações porém sempre em torno do mesmo tema.

De um lado os que defendem o papel estratégico do Estado brasileiro como elemento propulsor do desenvolvimento econômico, no combate às desigualdades sociais, na defesa da soberania nacional.

De outro, ontem como hoje, estão forças alinhadas aos conceitos do liberalismo econômico, adversas ao protagonismo do Estado nacional nas definições dos rumos do Brasil seja no plano da economia ou erradicação da pobreza.

Já o velho liberalismo com a centralização, concentração do capital financeiro global transmutou-se em neoliberalismo.

E os que defendem o papel estratégico do Estado no desenvolvimento econômico, redução dos abismos sociais, a incorporação da sociedade no projeto nacional, passaram a ser considerados “populistas”, idealizadores do “autoritarismo popular” diz o ex-presidente FHC.
Apesar das transformações econômicas, tecnológicas globais e no Brasil, essas duas correntes distintas, com nuances atuais, estão de novo em intenso confronto.

O campo nacional, popular em defesa da reeleição da presidente Dilma versus Aécio Neves, a grande mídia, a ortodoxia neoliberal, sua vertente política derrotada desde as eleições de 2002 inspirada nas teses do sociólogo, ex-presidente FHC.

Já a candidatura de Marina indica conflitos entre setores do Mercado, é óbvio projeto da mídia oligárquica, uma espécie de fundamentalismo messiânico teatral para consumo, a negação da política via uma falsa “nova política”. Mas na verdade o que está em cheque é o contínuo Histórico entre duas visões antagônicas disputando os rumos do Brasil.

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De tudo um pouco

Na “Roda de conversa” de ontem, no Café Castro Alves, da greve dos rodoviários às transformações em curso no Brasil desde 2003, incluindo o desafio das reformas estruturais, educação, arte e cultura. A palavra livre, o bate-papo descontraído e esclarecedor. Terça-feira tem mais. (Foto: Jean Falcão)

28 agosto 2014

Programa bem sucedido

Em 2012, em Pernambuco, a partir do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o governo Dilma contribuiu para que mais de 40 milhões de quilos de alimentos foram produzidos por 9.853 agricultores familiares, com lucro de R$ 44.018.751, destinados a 216 entidades no estado.

Rumo

Chris Cisneiros
A terça-feira é de Vinícius de Moraes: “Não quero o que tenho/Pelo que custou/Não sei de onde venho/Sei para onde vou.” 

O que importa discutir

O debate da Band e outros debates

Luciano Siqueira

Um momento privilegiado da democracia, como costumam afirmar os candidatos participantes de debates, como o da Band, terça-feira última? Nem tanto, porque o formato que adotam serve para muitas coisas, menos para a clara explicitação do conteúdo dos programas de governo – o cerne da diferenciação entre os diversos postulantes.

Nem os debates, tampouco as entrevistas ao modelo do Jornal Nacional. Repórteres se esmeram na tentativa de constranger os entrevistados com perguntas supostamente embaraçosas, periféricas em relação ao que cada um pensa sobre o País e o que propõe para enfrentar as questões cruciais do seu atual estágio de desenvolvimento. No caso da Rede Globo, permeia todas as entrevistas o falso pressuposto de que todos – candidatos, partidos, apoiadores mais próximos – estão de algum modo envolvidos com a corrupção ou, no mínimo, são coniventes.

Daí porque, em relação aos debates televisivos, diz-se que, do ponto de vista de cada candidato, o importante é não perder – ou seja, não cair em nenhuma casca de banana ou responder mal a uma provocação. Ganhar é não perder. E pronunciar, se possível, uma frase de efeito, ou algo parecido, que sirva como destaque no noticiário do dia seguinte. Isto porque, mais importante até do que o debate em si, é a exploração dele no noticiário ou as versões veiculadas nas redes sociais.

Demais, há estudos que atestam a ineficácia desses debates como fator de alteração significativa no comportamento do eleitor. Seja bela baixa audiência, seja mesmo porque pouco ou nada esclarecem.

Pior: de certo modo o formato e o conteúdo dos debates televisivos – além do da Band vêm aí outros, inclusive o da autoproclamada Venus Platinada – refletem a superficialidade das ideias disseminadas na campanha eleitoral. A questão nodal da eleição presidencial – o confronto entre projetos nacionais diametralmente opostos – é tangenciada.

Ainda bem que há as redes sociais e blogs, apesar do tiroteio entre adeptos das principais candidaturas. O fato é que, distinguindo-se o joio e o trigo, na internet flui um bom debate, este sim, em que argumentos e dados possibilitam a identificação do conteúdo essencial dos projetos encarnados por Dilma e Aécio, e mesmo Marina, apesar da brutal tergiversação que a “sonhática pratica”, em nome de uma suposta terceira via, capaz de conduzir o País apoiada nos “bons” de cada partido, escoimando-se da gestão os “maus” – num maniqueísmo de fachada que rebaixa o nível da discussão e desinforma o eleitor.

Há, de toda sorte, milhares de internautas e blogueiros capazes de tomar partido e de trazerem à superfície a diferenciação tão necessária ao caráter efetivamente democrático da peleja eleitoral. Que cumpram o seu papel. (Publicado no portal Vermelho www.vermelho.org.br)

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Bolsa Estiagem

O Bolsa Estiagem, programa do governo federal que desde 2004 ajuda agricultores familiares com renda mensal média de até 2 salários mínimos quando essas pessoas são atingidas por desastres naturais, beneficiou em Pernambuco, 87,8 mil agricultores em 89 municípios.

27 agosto 2014

Destaques no debate da Band

Debate entre os presidenciáveis: Dilma é o alvo

O primeiro debate entre os candidatos à Presidência da República na noite desta terça-feira (26) na TV Bandeirantes, com o aumento do número de participantes,  se estendeu por mais de três horas, entrando pela madrugada da quarta-feira (27). A presidenta e candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT) foi o alvo preferido, inclusive dos jornalistas da Band, que se valiam do candidato tucano, Aécio Neves, para atacar as iniciativas do governo de regulamentação da mídia e participação popular. 
Márcia Xavier, no Vermelho
A variedade de temas abordados e o número de candidatos impediram o aprofundamento da abordagem dos assuntos. Os candidatos também procuraram falar mais sobre a mensagem que queria levar ao eleitor do que responder as perguntas que, na maioria das vezes, chegava a provocação. As polêmicas maiores envolveram principalmente os três candidatos mais bem posicionados na pesquisa de intenção de voto. Além de Dilma Rousseff e Aécio Neves, Marina Silva (PSB) foi cobrada sobre suas posições.

As regras do debate impediam que um mesmo candidato fosse questionado mais de duas vezes em um mesmo bloco, para garantir que todos os demais candidatos participassem. O pastor Everaldo (PSC) defendeu o Estado mínimo, enquanto a candidato da Psol, Luciana Genro, anunciou que, se eleita, iria enfrentar o capital financeiro, acusando todos os demais candidatos de produzirem o mesmo modelo macroeconômico, que beneficia o capital e penaliza o trabalhador.

A presidenta Dilma foi a única que fugiu aos discursos subjetivos e as frases feitas de defesa da saúde, educação, segurança e infraestrutura. Ela apresentou os programas e ações que estão sendo realizados por seu governo, dando continuidade aos projetos do ex-presidente Lula, e apontou para avanços e aprofundamentos nas mudanças até aqui implementadas.

Ela citou por diversas vezes o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) para defender a educação como a base para o novo ciclo de desenvolvimento do país.

Novo ciclo de crescimento - No bloco em que os jornalistas perguntavam aos candidatos, o jornalista Boris Casoy perguntou a Dilma, com réplica de Aécio, sobre a economia. Dilma disse que o Brasil enfrenta uma crise internacional e que ela refez a velha receita que desemprega, arrocha salários e aumenta impostos e tarifas para o enfrentamento da crise. “Nos recusamos a fazer isso, mantemos o nível de emprego e a inflação sobre controle. Ela está na mesma situação do que ocorreu nos últimos nove anos”, afirmou.

Segundo ela, “criamos as condições para novo ciclo de crescimento, investindo em infraestrutura e educação, como o governo está fazendo. É inequívoco que as pessoas hoje têm mais oportunidades. O filho do trabalhador pode virar doutor”, enfatizando que a educação é o caminho para o nosso futuro. E citou os programas como Ciências sem Fronteiras, o Pronatec entre outros, que pretende ampliar em seu segundo mandato.

Aécio tentou ironizar e insistiu em falar sobre o aumento da inflação. Dilma acusou-o de ignorar a crise econômica mundial e indagou: “Hoje, tem ou não tem mais empregos? Tem ou não tem mais comida? Tem ou não tem mais proteção? Tem ou não tem mais moradia? Eu peço ao eleitor para comparar com o que ocorria no Brasil a 12 anos atrás.”

Os jornalistas da Band criticaram a proposta de regulamentação dos meios de comunicação, usando o argumento de que representa ameaça a liberdade de imprensa. A Presidenta Dilma explicou que a liberdade integral dos meios de comunicação é básico, mas como todos os setores, (a mídia) tem que ter regulação econômica, não pode ter monopólio e precisa cumprir o seu papel. Ela lembrou que as agências reguladoras, a exemplo do que ocorre para energia elétrica, telecomunicação, petróleo, serve para mídia e para todos os demais setores.

Acusação leviana - Aécio tentou mais uma vez provocar a presidenta Dilma, pedindo que ela se desculpasse pela gestão da Petrobras, que ele considerou como temerária. Dilma classificou a acusação dele como “leviandade” e disse que ele desconhecia a Petrobras.

Dilma lembrou que foi durante os governos Lula e dela que a Petrobras descobriu e explorou o pré-sal, o que aumentou seu valor e transformou-a em uma das empresas maiores do mundo. E ironizou: “Não fomos nós que tentamos mudar o nome para Petrobrax e nem afundamos uma plataforma e nem investigamos sobre a troca de ativos da Petrobras com uma empresa argentina”, citando os casos suspeitos que envolvem a administração da Petrobras pelo governo tucano.

“É uma leviandade tratar a empresa dessa forma”, disse a Presidenta, destacando que “quem investiga a Petrobras é a Polícia Federal porque o compromisso do meu governo é a luta contra corrupção. Nós não escondemos debaixo do tapete e ser acusado de ter uma relação com o Procurador Geral da República que era chamado de Engavetador Geral da República”, afirmou a Presidenta Dilma.

Para ter oportunidade de falar sobre os projetos para a produção de energia, Dilma perguntou ao Pastor Everaldo sobre o assunto. Ao exemplo do que dizia para tudo, o candidato do PSC defendeu o estado mínimo e a transferência para a iniciativa privada de todos os setores econômicos. “Vamos liberar o mercado”, repetia.

Dilma defendeu o planejamento e a gestão da energia elétrica, lembrando que “a última vez que não houve planejamento tivemos racionamento de proporções gigantescas”, em referência ao apagão ocorrido no governo de Fernando Henrique Cardoso. Para atender a demanda dos próximos anos, ela defendeu a energia eólica como uma das alternativas que está sendo implantada pelo governo.

O Pastor Everaldo perguntou a Dilma sobre a reforma tributária. Ele disse que defende a reforma tributária, mas que é preciso construir maioria parlamentar e dialogar com os governadores para fazer a reforma, mas que o seu governo tomou iniciativas como desonerar a cesta básica e, para garantir os empregos, diminuir impostos das empresas sobre o trabalhador. E destacou a importância da universalização do Simples, reduzindo a tributação do microempreendedor individual.

O programa, que reuniu sete dos 11 presidenciáveis, foi dividido em seis blocos e conduzido pelo jornalista Ricardo Boechat. Estiveram presentes nos estúdios da Band, no Morumbi, em São Paulo: Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB), Aécio Neves (PSDB), Pastor Everaldo (PSC), Luciana Genro (Psol), Eduardo Jorge (PV) e Levy Fidelix (PRTB).

Ao chegar ao evento, Dilma disse que esperava um debate proativo e propositivo. E anunciou que havia se preparado de forma intensa “porque temos muitos programas a apresentar”, acrescentando que “mas ainda temos muito o que fazer.”

Tudo deu certo - No primeiro bloco, todos os candidatos responderam a uma pergunta única, sobre a segurança pública, considerada uma das principais demandas da sociedade brasileira atualmente. As respostas dos candidatos se resumiam a uma generalização enquanto eles procuravam se apresentar.

Marina Silva falou sobre a morte de Eduardo Campos. O microfone muito baixo não favoreceu a candidata, que abaixou a cabeça, sem olhar para o eleitor. Aécio Neves defendeu a mudança do Código Penal para, segundo ele, “acabar com a impunidade”, reproduzindo o discurso dos tucanos que querem reduzir a maioridade penal.

Dilma Rousseff disse que embora a competência constitucional da segurança pública seja dos estados, ela deve ser compartilhada com a União para responder à população. E usou o exemplo do que foi feito na área de segurança durante a Copa do Mundo. Segundo ela, a integração entre todos os órgãos da segurança resultou em grande vitória na segurança da Copa.

No segundo bloco, quando os candidatos perguntavam uns aos outros, a dinâmica foi maior. Marina Silva, perguntou a candidata Dilma Rousseff, porque não havia dado certo os pactos anunciados pelo governo após as manifestações de rua em junho do ano passado.

Ao contrário de Marina, Dilma disse que tudo deu certo. Na Educação, conseguiu aprovar mais recursos para o setor oriundos da exploração do pré-sal; fez o Mais Médicos, com mais profissionais de saúde no interior e teve o compromisso com a estabilidade econômica, com redução da inflação.

Sobre a reforma política, a Presidenta disse que enviou proposta para o Congresso, que não foi aprovada, o que a levou a defender a participação popular e um plebiscito para definição do assunto.
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Mimetismo ideológico

O paradoxo (anti)político de Marina Silva

Marina Silva quer ser a opção política que está fora da política; quer convencer o eleitor a votar em uma plataforma que não poderá ser julgada no futuro.
João Feres Júnior e Fábio Kerche, na Carta Maior

A repetição nas coisas humanas já foi tema das reflexões de importantes filósofos e escritores. Os historiadores antigos a tinham como certa, Maquiavel a viu como provável e Marx, como farsa. A política eleitoral da democracia representativa contemporânea, da qual nenhum desses autores tratou, não está livre dela, tampouco. Como que constrangidos por um número limitado de scripts, seus personagens reapresentam o que já foi visto e vivido em outros tempos, às vezes, por outras gerações.

Esse parece ser o caso da recém-escolhida candidata do PSB à presidência da república, Marina Silva.

O mantra entoado por ela, já sabemos todos há bastante tempo, é o da negação da política institucional em nome de convicções e ideais supostamente éticos. Não é a primeira persona política na nossa vida recente a tomar esse caminho. Mas, como ensinaram os antigos mestres dos quais falamos, o que é aparentemente ético pode ser politicamente catastrófico.

Seguindo essa estratégia, Marina Silva declarou recentemente: "Nosso compromisso é pelo fim da reeleição. O meu mandato será um mandato de apenas quatro anos". Pois bem, o fim da reeleição é uma bandeira que fala diretamente aos adeptos da antipolítica, tão numerosos nos dias que correm.

Ela sintetiza vários chavões que vemos repetidos frequentemente por aí nas vozes de cidadãos comuns, de diferentes classes e ocupações.

O primeiro deles é a imagem do político como um predador rapace, somente interessado em dar continuidade, senão aumentar, o lucro que aufere por meio de corrupção.

O segundo é o do partido que pretende se eternizar no poder, garantindo assim o fluxo de cargos públicos e de dividendos da corrupção política para seus apaniguados. Segundo o terceiro, a vontade de se reeleger induz o político no cargo a utilizar a máquina pública para fins eleitorais. Seria, portanto, profundamente ético acabar com a reeleição, pois estaríamos assim debelando essas mazelas.

Raciocínio melhor podemos conceber, mas talvez não um que seja mais distorcido na compreensão do funcionamento da democracia eleitoral, particularmente no que afeta seu caráter democrático propriamente dito. Vejamos. Para começar, vamos descartar a posição segundo a qual todos os políticos são igualmente ladrões cujo objetivo é saquear os cofres públicos e enriquecer de todas as maneiras que se lhes apresentam. Se isso fosse verdade, a democracia não seria mais que um total embuste, coisa que nem mesmo Marina argumenta. 

Assim, somos obrigados a aceitar que existe uma diversidade de opções oferecida pela classe dos políticos. Como em várias atividades, existem os que roubam, uns que roubam mais do que os outros, aqueles que roubam bem pouco e, provavelmente, aqueles que não roubam. Mas roubar está longe de ser a atividade mais importante desempenhada por um político; há sua plataforma política, ideias, projetos, valores, etc. Aqui também há diversidade: aqueles mais preocupados com o social, outros com o mercado, empresários e investidores, alguns mais estatizantes, outros mais liberais, e assim vai. Pois bem, em suma, só vale a pena falar de eleição se a escolha (palavra sinônima) faz algum sentido.

Então, qual seria o efeito da reeleição naquilo que toca a escolha?

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