28 fevereiro 2023

Minha opinião

Nosso amado planeta vítima da indiferença
Luciano Siqueira

 

Pior do que a crítica ou o combate frontal ou o desamor é a indiferença. Nas relações humanas e também interplanetárias.

Interplanetárias, como assim?

Tão surpreendente quanto doloroso.

É que os cientistas Jacob Haqq-Misra, do Blue Marble Institute of Science, e Thomas J. Fauchez, da American University (EUA), em artigo no Astronomical Journal, sugerem que seres de outras civilizações do Universo, tão inteligentes ou mais do que a humana, talvez prefiram se expandir em torno de estrelas menores que o sol, que eles chamam de anãs vermelhas (tipo M) e laranjas (K), dotadas de maior longevidade do que o nosso astro rei.

Desse modo, estariam dando razão a Enrico Fermi, que já em 1950 manifestava estranheza em relação a essa, digamos, indiferença em relação à Terra e a nós terráqueos.

Não se assuste com os números, pois em linguagem astronômica eles são assim superlativos. O fato é que o sistema solar tem 4,5 bilhões de anos, com vida útil estimada em 10 bilhões. 

Por muitas razões, bem antes do fim do sistema solar a Terra estará inabitável, o que obrigará nossos descendentes a migrarem para outro sistema — quem sabe, enfim, encontrando distintas civilizações mais ou menos avançadas do que a nossa.

Cá com meus modestos botões fico a imaginar se, apesar das incomensuráveis distâncias, nós não poderemos adiante, mercê do nosso próprio progresso científico e tecnológico, nos comunicar com seres de outras civilizações e convidá-los a conhecer o futebol, o carnaval, a caipirinha, um bom vinho e um perfeito whisky escocês.

Ah, quando isso for possível extraterrestres de diversas galáxias confraternizarão com os terráqueos e conhecerão a beleza da vida em nosso tão maltratado e amado planeta.

A vida é e sempre será arriscosa https://bit.ly/3Ye45TD

Humor de resistência:

 

Aroeira

A multiplicidade de valores da Cultura https://bit.ly/3XGkezy

Guerra na Ucrânia: e agora?

Um ano depois

EUA dobram sua aposta, mas a Rússia já ganhou o que queria
José Luís Fiori/A terra é redonda

 

No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu o território da Ucrânia e infringiu uma norma básica do Direito Internacional consagrado pelos Acordos de Paz do pós-Segunda Guerra Mundial, que condenam toda e qualquer violação da soberania nacional feita sem a aprovação ou consentimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Exatamente da mesma forma como a Inglaterra e a França violaram esse direito, quando invadiram o território do Egito e ocuparam o Canal de Suez, em 1956, sem o consentimento do Conselho de Segurança, violação que ocorreu também quando a União Soviética invadiu a Hungria, em 1956, e a Tchecoslováquia, em 1968. Da mesma forma, os Estados Unidos invadiram Santo Domingo, em 1965, e de novo, invadiram e bombardearam os territórios do Vietnã e do Camboja durante toda a década de 60; o mesmo voltou a ocorrer quando a China invadiu uma vez mais o território do Vietnã, em 1979, apenas para relembrar alguns casos mais conhecidos de invasões ocorridas sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU.

Em todos esses casos, as potências invasoras alegaram “justa causa”, ou seja, a existência de ameaças à sua “segurança nacional” que justificavam seus “ataques preventivos”. E em todos esses casos, os países invadidos contestaram a existência dessas ameaças, sem que sua posição jamais tenha sido tomada em conta.

Ou seja, na prática, sempre existiu uma espécie de “direito internacional paralelo”, depois da Segunda Guerra – e poderia se dizer mais – durante toda história do sistema internacional consagrado pela assinatura da Paz de Westfália, em 1648: as “grandes potências” desse sistema sempre tiveram o “direito exclusivo” de invadir o território de outros países soberanos, tomando em conta apenas seu próprio juízo e arbítrio, e sua capacidade militar de impor sua opinião e vontade aos países mais fracos do sistema internacional.

O que passou, entretanto, é que depois do fim da Guerra Fria, esse “direito à invasão” transformou-se num monopólio quase exclusivo dos Estados Unidos e da Inglaterra. Basta dizer que, nos últimos 30 anos, os Estados Unidos (quase sempre com o apoio da Inglaterra) invadiram sucessivamente, e sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU: o território da Somália, em 1993 (300 mil mortos); do Afeganistão, em 2001 (180 mil mortos); do Iraque, em 2003 (300 mil mortos), da Líbia, em 2011 (40 mil mortos); da Síria, em 2015 (600 mil mortos); e finalmente, do Iêmen, onde já morreram aproximadamente 240 mil pessoas.

O que surpreende em todos estes casos é que, com exceção da invasão anglo-americana do Iraque, em 2003, que provocou uma reação mundial e teve a oposição da Alemanha, as demais invasões iniciadas pelos Estados Unidos nunca provocaram uma reação tão violenta e coesa das elites euro-americanas, como a recente invasão russa do território da Ucrânia. E tudo indica que é exatamente porque nesta nova guerra, a Rússia está reivindicando o seu próprio “direito de invadir” outros territórios, sempre e quando considere existir uma ameaça à sua soberania nacional.

É óbvio que as coisas não são feitas de forma nua e crua, e é neste ponto que adquire grande importância a chamada “batalha das narrativas”, segundo a qual se tenta convencer a opinião pública mundial de que seus argumentos são mais válidos do que os de seus adversários. E neste campo a Rússia vem obtendo uma vitória lenta, mas progressiva, na medida em que vão sendo divulgadas informações fornecidas por seus próprios adversários, que caracterizam a existência de um comportamento de cerco e assédio militar e econômico à Rússia, que começou muito antes do dia 24 de fevereiro de 2022, com o objetivo de ameaçar e enfraquecer sua posição geopolítica e, no limite, fragmentar o próprio território russo.

No dia 8 de fevereiro de 2023, o famoso jornalista norte-americano Seymour Hersh, ganhador do prêmio Pulitzer de Reportagem Internacional de 1970, trouxe a público, através de um artigo publicado no portal Substack, (How America Took Out The Nord Stream Pipeline), a informação de que foram mergulhadores da Marinha norte-americana que instalaram os explosivos que destruíram os gasodutos Nord Stream 1 e 2, no Mar Báltico, no dia 26 de setembro de 2022, com autorização direta do presidente Joe Biden. Uma operação feita sob a cobertura dos exercícios BOLTOPS 22 da OTAN, realizados três meses antes, no Báltico, quando se instalaram os dispositivos que foram ativados remotamente por operadores noruegueses. E depois desta revelação inicial de Seymour Hersh, novas informações vêm sendo agregadas a cada dia, reforçando a tese de que o atentado foi planejado e executado pela Marinha Americana, e que a destruição dos gasodutos Nord Stream 1 e 2 do Báltico foi de fato, uma das causas “ocultas” da própria ofensiva americana na Ucrânia.[1]

Na mesma direção, algumas semanas antes dessas revelações do jornalista americano, a ex-primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, declarou em entrevista concedida ao jornal alemão Die Zeit, no início do mês de dezembro, que os Acordos de Minsk estabelecidos entre Alemanha, França, Rússia e Ucrânia, em 13 de fevereiro de 2015, não eram para valer, e que só foram assinados pelos alemães para dar tempo à Ucrânia de se preparar para um enfrentamento militar com a Rússia. O mesmo declarou o ex-presidente da França François Hollande, ao admitir numa entrevista para um meio de comunicação ucraniano, duas semanas depois, que os Acordos de Minsk tinham como objetivo apenas ganhar tempo enquanto as potências ocidentais reforçassem Kiev militarmente para fazer frente à Rússia.

Os dois governantes mais importantes da União Europeia reconheceram abertamente que assinaram um tratado internacional sem intenção de cumpri-lo; e que além disso, a estratégia dos dois (junto com EUA e Inglaterra) era preparar a Ucrânia para um enfrentamento militar direto com a Rússia. Declarações inteiramente coerentes com o comportamento dos Estados Unidos, que boicotaram as negociações de paz entre russos e ucranianos, realizadas na fronteira da Bielorrússia, em 28 de fevereiro de 2022, cinco dias depois de iniciada a operação militar russa no território ucraniano. E da Inglaterra que boicotou diretamente a negociação de paz iniciada em Istambul, no dia 29 de março de 2022, e que foi interrompida pela intervenção pessoal do primeiro-ministro inglês, realizada numa visita-surpresa de Boris Johnson a Kiev feita no dia 9 de abril de 2022.

São declarações e comportamentos que só reforçam a “narrativa” dos russos de que o conflito da Ucrânia começou muito antes da “invasão russa” do território ucraniano. Mais precisamente, quando o governo americano do democrata Bill Clinton se desfez da promessa feita por James Baker, secretário de Estado do governo George Bush, ao presidente russo Mikhail Gorbatchov, de que as forças da OTAN não avançariam na direção da Europa do Leste depois de desfeito o Pacto de Varsóvia. Porque foi exatamente a partir daquele momento que se sucederam as cinco ondas expansivas da OTAN de que fala Hua Chunying (diplomata chinesa citada na epígrafe deste artigo), e que chegaram até as fronteiras russas da Geórgia e da Ucrânia.

Em 2006, o presidente George W. Bush avançou ainda mais e propôs diretamente a inclusão da Georgia e da Ucrânia na OTAN, provocando a resposta do presidente Vladimir Putin na reunião anual da Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2007, quando Putin advertiu explicitamente que era inaceitável para os russos o avanço da OTAN até suas fronteiras, em particular na região da Ucrânia e do Cáucaso. E de fato, no ano seguinte, em agosto de 2008, pela primeira vez depois do fim da URSS, a Rússia mobilizou suas tropas para derrotar as forças georgianas comandadas por Mikheil Saakashvilli e ocupar em seguida e de forma permanente os territórios da Ossétia do Sul e da Abecásia, no norte do Cáucaso. Depois disto, começou o conflito na Ucrânia, com a derrubada de seu presidente eleito, Viktor Yanukovych, pelo chamado Movimento EuroMaidan, que contou com o apoio direto dos Estados Unidos e de vários governos europeus.

O restante da história é bem conhecido, desde a incorporação da Crimeia ao território russo, até o reconhecimento russo da independência das repúblicas de Donestsk e Lugansk, passando pelos fracassados Acordos de Minsk e pela proposta apresentada pelo governo russo às autoridades da OTAN e do governo americano, em 15 de dezembro de 2021, solicitando uma rediscussão aberta e diplomática da questão de Donbass e de todo o equilíbrio estratégico e militar da Europa Central. Proposta que foi rejeitada ou desconhecida pelos norte-americanos, e pelos principais governos da União Europeia, dando início ao conflito militar propriamente dito, já no território da Ucrânia.

Um ano depois do início da invasão russa, a guerra hoje já é direta e explicitamente entre a Rússia e os Estados Unidos e seus aliados europeus, e tudo indica que os Estados Unidos decidiram aumentar ainda mais seu envolvimento no conflito. Mas neste momento, do ponto de vista estritamente militar: (i) Os russos já consolidaram uma linha de frente consistente e cada vez mais intransponível para as tropas ucranianas, e com isto conquistaram o território e a independência definitiva de Donbass e Crimeia, zonas ucranianas de população majoritariamente russa. (ii) Desde essa conquista consolidada, os russos passaram a ocupar uma posição privilegiada de onde atacar ou responder aos ataques das forças ucranianas com suas novas armas americanas e europeias, podendo atingir as regiões mais ocidentais da Ucrânia, incluindo Odessa e Kiev.

(iii) Além disso, as forças ucranianas não têm mais a menor possibilidade de manter- se em pé sem a ajuda permanente e massiva dos EUA e da OTAN. E as forças americanas e da OTAN se encontram cada vez mais frente à disjuntiva de um enfrentamento direto com os russos, que poderia ser catastrófica para toda a Europa. (iv) Por último, mesmo que a guerra não escale até uma dimensão europeia ou global, as Forças Armadas russas sairão desse confronto mais poderosas do que entraram, com o desenvolvimento e aprimoramento de armamentos que lhe entregam de forma definitiva a supremacia militar dentro da Europa, na ausência dos Estados Unidos.

Assim mesmo, do ponto de vista estratégico e de longo prazo, a vitória mais importante da Rússia, até agora, foi colocar os Estados Unidos e a Inglaterra numa verdadeira “sinuca de bico”. Se as duas potências anglo-saxônicas prolongam a guerra, como querem fazer, cada dia que passa a Rússia estará dando mais um passo na conquista do seu próprio “direito à invasão”.

Mas ao mesmo tempo, se os Estados Unidos e a Inglaterra aceitarem negociar a paz, estarão reconhecendo implicitamente que já perderam um “monopólio” que foi fundamental para a conquista e manutenção do seu poder global, nos últimos 200 anos: o seu direito – como grandes potências – de invadir o território dos países que considerem seus adversários. Direito este que já foi reconquistado pela Rússia, depois de um ano de guerra na Ucrânia, pela força de suas armas. E esta é a verdadeira disputa que está sendo travada entre as grandes potências, na sua competição pelo “poder global”, como sempre, de costas para todo e qualquer juízo ético e crítica da própria guerra, e do seu imenso desastre humano, social, econômico e ecológico.

*José Luís Fiori é professor Emérito da UFRJ. Autor, entre outros livros, de O poder global e a nova geopolítica das nações (Boitempo).

Nota

[1] Fiori, J.L. “Veto americano ao gasoduto do Báltico: imperativo geopolítico e concorrência capitalista”, in Instituto Humanitas Unisinos, https://www.ihu.unisinos.br, 29 de abril 2021

Nem todos os caminhos levam à essência das coisas https://bit.ly/3Ye45TD

Sangue no vinho

“Vinho tinto de sangue”: o uso de mão de obra análoga à escrava no RS. Vinícolas da Serra Gaúcha, com faturamentos recordes, contratavam empresa terceirizada com uso de trabalho análogo ao escravo; 206 homens foram resgatados na quarta (22). https://bit.ly/3mbyinQ

Proletariado jovem

Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento

O livro “Juventude, Trabalho e Subdesenvolvimento” é de leitura obrigatória para estudiosos do mercado de trabalho e uma importante ferramenta para os sindicalistas compreenderam mais e melhor a realidade do trabalho no Brasil.
Nivaldo Santana/Vermelho www.vermelho.org.br

 

O professor Euzébio Jorge, doutor em desenvolvimento econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), escreveu um importante e atualíssimo livro – “Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento”.

A obra, base de sua tese de doutorado, foi produzida sob orientação do professor Márcio Pochmann. Com quase 400 páginas, o livro ambiciona traçar um panorama atual da inserção dos jovens no mercado de trabalho. 

O estudo em tela parte de quatro premissas:

a.    Mesmo nos períodos de crescimento econômico e avanços sociais não houve mudanças estruturais no mercado de trabalho para a juventude;

b.    Não se alterou a forma e os meios de inserção do jovem no mercado de trabalho;

c.    O processo de acumulação capitalista no país se aproveita da pobreza e insuficiência das políticas sociais para ampliar o trabalho precário na juventude;

d.    O trabalhador jovem tem baixo poder de negociação de suas condições de trabalho.

O livro tem cinco capítulos. Começa por uma abordagem política do emprego juvenil pós-crise de 2005 (impeachment da presidenta Dilma) e procura apontar a relação entre o subdesenvolvimento e a precoce inserção do jovem no mercado de trabalho.

Na sequência, o texto em tela faz uma análise estrutural e histórica do nível de ocupação, do desemprego e de uma questão chave para a juventude: a transição da escola para o trabalho.

Leia também: Ministérios iniciam processo de elaboração de nova política industrial

Nesse estudo, o autor aponta três características básicas no mercado de trabalho juvenil, agravadas quando a economia fica estagnada: alto desemprego, alta rotatividade e baixos salários.

Esse processo econômico-social produz em larga escala pobreza, informalidade, subemprego e trabalho precário, realidade de 23% da população brasileira com idade de 15 a 29 anos (47 milhões de pessoas, dados de 2021).

Em suas considerações finais, o autor conclui que “a juventude tende a aceitar novas modalidades de contratações, ocupações com maior rotatividade e com remunerações menores… o que a torna mais vulnerável às variações dos ciclos econômicos”.

Na atualidade, com o advento em larga escala do trabalho mediado pelas plataformas digitais (aplicativos) a precarização do trabalho se acentua com uma dramática agravante: o jovem ingressa ainda mais cedo no mercado de trabalho.

Com essas brevíssimas considerações, já se depreende que o livro é de leitura obrigatória para estudiosos do mercado de trabalho e uma importante ferramenta para os sindicalistas compreenderam mais e melhor a realidade do trabalho no Brasil.

O livro “Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento”, de autoria de Euzébio Jorge Silveira de Sousa, Appris Editora, está disponível em algumas livrarias e pode também ser adquirido pela internet.

Nem sempre a aparência é igual à essência https://bit.ly/3Ye45TD

Enio Lins/História

27 de fevereiro: em 425 é criada a primeira universidade no mundo ocidental

Enio Lins/História www.eniolins.com.br

 

27 de fevereiro de 425 – Criação do Pandiactério, centro de ensino superior, posteriormente conhecido como a Universidade de Constantinopla. Teodósio II, imperador bizantino foi o responsável pela fundação desta que é considerada a primeira instituição educacional com as características mais tarde definidas como universitárias.

Contava com 31 cadeiras, com escolas/cursos de Medicina, Direito, Filosofia, Economia, Retórica, Aritmética, Geometria, Astronomia, Música, Línguas, possuía com institutos politécnicos, academias de belas-artes, bibliotecas... E, o mais impressionante, aceitava mulheres (em plena sociedade medieval).

O sistema era de educação laica, secular, baseado nas antigas academias gregas clássicas, mas se expandia em atividades hoje definidas como “extensão”, alfabetizando nas aldeias próximas. Teve campi em Jerusalém e Antióquia, então partes do Império Bizantino. Funcionou por mais de mil anos, até o século XV.

Informa a Wikipédia: “O principal propósito da educação superior, para a maior parte de seus estudantes, era a retórica, a filosofia e o direito, visando a produção de pessoa competente para ocupar os cargos burocráticos do Estado e da Igreja. Neste sentido a universidade era o equivalente secular das Escolas Teológicas - embora mantivesse uma tradição filosófica de aristotelismo e platonismo”.

Tudo o que importa de algum modo permanece https://bit.ly/3Ye45TD

27 fevereiro 2023

Lula, Alckmin & vacina

Lula lança Movimento Nacional pela Vacinação e é imunizado por Alckmin. Durante cerimônia, Lula chamou atenção para a importância da vacinação na prevenção de diversas doenças e salientou: “tomar vacina é um gesto de responsabilidade”. Leia aqui https://bit.ly/3ZsLRgK

Pedro Caldas opina

No futebol dinheiro não é tudo

Pedro Caldas*
 

Li aqui no blog bit.ly/3xZxHYM um excelente texto de Tostão, comentarista de futebol da Folha de S. Paulo, sobre a complexidade do futebol, mais exatamente sobre o gigante Manchester City. Em resumo, citava que mesmo com a enorme capacidade financeira e com a contratação do craque Haaland, o clube inglês estava tendo resultados abaixo do esperado.

O cenário do City se repete nesse início de temporada com alguns clubes no Brasil. Desde a criação da lei das Sociedades Anônimas do Futebol (um formato onde clubes podem ser comprados, deixando de ser associações sociais e passando a ser empresas), apareceram no país diversos grupos de investidores com apetite para reestruturar clubes e lucrar com o futebol brasileiro.

Mas, como a maioria das atividades humanas, o futebol não é uma ciência exata. Sobretudo no nosso país, onde o esporte envolve tradições centenárias e torcedores ansiosos. Mesmo com altos investimentos, Botafogo e Bahia (que coincidentemente é propriedade do mesmo grupo do Manchester City) patinam no início de temporada. Torcedores e comentaristas apontam que os clubes até investiram alto nos reforços, mas que contrataram errado.

Sempre apontei que as SAFs eram uma medida interessante, mas que não salvaria o futebol brasileiro. Não há soluções simples para problemas complexos, muito menos um caminho sem altos e baixos para uma mudança tão profunda na maneira de gerir o futebol. A crise que atinge esses clubes, assim como a do Manchester, citada por Tostão, devem passar, mas esse momento é didático para mostrar que nem só dinheiro faz o futebol.

*Profissional multimídia, torcedor do Santa Cruz do Recife
Informar-se e formar opinião própria, eis o desafio https://bit.ly/3Ye45TD

Arte é vida: Felice Casorati

Felice Casorati

Um bloco improvisado que arrastou muita gente pelas ladeiras de Olinda https://bit.ly/3XEA6CW




A luta na frente digital

Prendam os perfis!

O futuro do bolsonarismo depois da quebradeira
Miguel Lago/revista Piauí

 

Há quase dez anos, uma multidão avançou sobre a Praça dos Três Poderes e subiu no teto do Congresso Nacional. Foi no início da noite. As imagens desse acontecimento ficaram para sempre registradas. Quando olhamos as fotos, parece que as linhas e formas de Oscar Niemeyer estavam esperando o momento para compor com a multidão. Naquela noite, em nenhum momento se manifestou o poder destruidor que acompanha um volume importante de pessoas organizadas. A mensagem era: poderíamos entrar e quebrar tudo, poderíamos ocupar, mas estamos apenas demonstrando nosso potencial. O movimento foi um exercício de potência, não de força. A resposta, no entanto, não tardou: gás de pimenta, bomba, bala de borracha. Os manifestantes foram duramente reprimidos pela Polícia Militar de Brasília. Quase dez anos depois, ocorreu uma imagem parecida: uma multidão sobe no teto do Congresso, mas, dessa vez, invade um patrimônio da República para destruir tudo o que vê pela frente.

É tentador comparar Junho de 2013 com o 8 de janeiro de 2023, assim como também é irresistível traçar paralelos com o 6 de janeiro de 2021, quando militantes trumpistas invadiram o Capitólio, em Washington, na tentativa de impedir a diplomação de Joe Biden. Há paralelos importantes – que virão mais adiante neste texto – mas, desde já, é fundamental registrar que o 8 de janeiro é único, representa uma nova etapa da gramática bolsonarista e consiste num aprofundamento da violência política na sociedade brasileira. Daí que muito se tem falado sobre o enfraquecimento do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas os episódios de janeiro mais parecem um indício de que o bolsonarismo venceu.

Na segunda-feira, 9 de janeiro, o país já estava familiarizado com o saldo de um dia extraordinário de violência política promovida por milhares de militantes de extrema direita na Praça dos Três Poderes. Nas imagens de vídeo chocantes, eles correm pela rampa de acesso ao Palácio do Planalto, pelos escritórios presidenciais, percorrem os corredores do prédio, vandalizam o Supremo Tribunal Federal, cujas janelas foram quebradas e as cadeiras arrancadas. Nas redes sociais, vídeos mostraram incêndios dentro do prédio do Congresso. Móveis foram quebrados, jogados de um lado para o outro, obras de arte foram danificadas, objetos e documentos foram roubados. Furto, depredação, urina, fezes, uma barbaridade escatológica nunca antes vista.

Classificando aqueles que participaram dos ataques de “vândalos”, “fascistas” e “nazistas fanáticos”, o presidente Lula ordenou uma intervenção federal na capital, colocando o policiamento local sob o controle do governo central. De Orlando, na Flórida, Bolsonaro respondeu aos eventos de domingo com uma curta sequência de postagens nas redes sociais, em que defende seu governo, mas, covardemente, se distancia da invasão dos prédios públicos. O influencer que presidiu o Brasil por quatro anos incentivou diariamente todo tipo de violência política, mas quando ela ocorreu, sequer teve a dignidade de defender seus seguidores. Teve ainda a petulância de dizer: “Ao longo do meu mandato, sempre me mantive dentro das quatro linhas da Constituição, respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e nossa sagrada liberdade.”

Mais do que os eventos em si, os três acontecimentos – o 8 de janeiro de 2023 à luz das Jornadas de Junho de 2013 e do 6 de janeiro de 2021 – nutrem uma relação particular com a imprensa tradicional e com as mídias sociais digitais. Primeiramente, a imprensa brasileira, à imagem da norte-americana, aplicou um glossário extremamente grave para narrar os atos atuais. Em nenhum momento, titubeou em chamar os agressores de “golpistas” – em outros tempos, talvez tivessem sido tratados como “manifestantes” –, dando o tom do nível de gravidade do que aconteceu.

O glossário mobilizado pela mídia profissional e pelos agentes políticos chegou a tipificar o evento como “terrorista” (“ataque terrorista”, “terroristas golpistas”, e daí por diante), muito embora tenha havido apenas dano material e nenhuma pessoa tenha morrido. Os “bolsonaristas radicais” – que é um pleonasmo, pois não existe bolsonarismo moderado, pois, se for moderado, bolsonarista não é – são objeto das mesmas qualificações atribuídas àqueles que usaram a tática black bloc nas Jornadas de Junho de 2013, nas quais também houve violência patrimonial.

Talvez um pouco exagerado, o glossário usado pelo estamento político e midiático é importante, pois sinaliza uma ruptura da imprensa e da classe política com a normalização da extrema direita, o que, ao longo de anos, contribuiu para pavimentar a ascensão resistível de Jair Bolsonaro. Considero mais apropriado falar em “terrorismo político”, quando há assassinato (ou tentativa de), mas, certamente, os bolsonaristas estão mais para terroristas do que para manifestantes. Na falta de uma palavra mais precisa, melhor salientar a condenação da violência política do que tolerá-la.

Outra aproximação entre os três eventos é que as redes sociais desempenharam um papel determinante. Junho de 2013 foi considerado parte de um fenômeno global. Entre 2010 e 2013, vimos a Primavera Árabe, o 15M na Espanha e o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, além de reverberações em Uganda, Reino Unido, Turquia, entre tantos outros lugares. A novidade é que tais movimentos não resultaram da convocação de agentes sociais já estabelecidos – sindicatos, ONGs ou partidos políticos. Ao contrário. Os novos agentes sociais surgiram a partir das associações que se estabeleceram nas ruas. O ator não precedeu o acontecimento. Foi o acontecimento que constituiu o ator. E isso se deu graças ao uso das redes sociais.

Esse tópico foi objeto de muita pesquisa acadêmica, e conclui-se que a capacidade de se comunicar de maneira multilateral provocou um enxameamento de pessoas nas ruas. Algo totalmente novo surgia. Já não se podia mais falar em “ação coletiva” sem passar pela “ação conectiva”, e parecia possível “organizar os não organizados”, para usar a expressão do professor de filosofia Rodrigo Nunes, da PUC do Rio de Janeiro. As redes sociais pareciam ter viabilizado o sonho utópico de uma sociedade sem intermediações, um devaneio anarquista. Mas, rapidamente, passamos da “utopia autonomista” à “distopia autoritária”. 

As redes sociais são uma criação de empresas privadas californianas, cuja obrigação é rentabilizar seu produto. Foi ingênuo acreditar que os meios de produção de comunicação tinham sido distribuídos, quando, na realidade, o que houve foi um enclausuramento das pessoas nos seus perfis de rede social. Em vez de propiciar a construção da ação coletiva e o diálogo, as plataformas promoveram a hiperindividualização e hipersegmentação. O perfil não é fruto do encontro com o outro, mas a materialização de uma persona alternativa que opina sobre tudo. Diante da hiperfragmentação, a conexão com o outro se dá mediante “preferências” comuns preestabelecidas e mediante o ato de “seguir” algum “influenciador” que gere identificação.

O pesquisador Paolo Gerbaudo, do King’s College de Londres, estudioso da interação entre tecnologia e política, defende a tese de que existe uma afinidade eletiva entre redes sociais e populismo. Os algoritmos de algumas plataformas estão desenhados de modo a privilegiar a visualização de conteúdos que tiveram o maior número de interações possível no momento da sua primeira postagem. Essa curadoria promovida por algoritmos favorece conteúdos incendiários. Políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro se beneficiaram disso para aumentar o alcance de suas postagens. Quanto mais absurdos Bolsonaro publicava, mais reações negativas gerava e, portanto, mais pessoas eram expostas a esse conteúdo.

A figura da celebridade não é menos importante na função de agregar e mobilizar dentro das redes sociais. Num espaço de perfis atomizados, as figuras dos “influenciadores digitais” é que permitem o engajamento entre eles. Gerbaudo afirma: “O elemento de personalização e o efeito de celebridade da mídia social fornecem uma espécie de ponto focal em torno do qual a multidão pode se reunir e milhões de indivíduos insatisfeitos, e privados de qualquer afiliação organizacional comum, podem se encontrar para reconhecer seus interesses e desejos compartilhados.” Bolsonaro, antes de se tornar uma relevante liderança política, já figurava como um importantíssimo influenciador digital. Se tornar um poderoso influencer foi o primeiro passo para subir a rampa do Planalto.

O dia 8 de janeiro de 2023 foi narrado ao vivo por meio das redes sociais – mas agora as redes sociais já são algo diferente de dez anos atrás. A exposição pública dos atos dos agressores era mais relevante do que os atos em si. As imagens televisionadas mostravam cenas características dos tempos de hoje, em que os invasores ora depredavam, ora registravam a depredação. Uma mão quebrava, a outra filmava. Narrar se sobrepunha à força do ato.

Dessa maneira, milhares de narradores contavam para a sua audiência o que estava sendo feito ali. Não eram pessoas ou terroristas que ali estavam: eram perfis. Perfis de rede social, produzindo conteúdo em primeira mão para suas timelines em busca de expandir o número de seguidores, e a interação com os atuais seguidores. Se em Junho de 2013 o sujeito político era a “multidão”, o sujeito político de 8 de janeiro de 2023 é o perfil.

Nunca um evento histórico brasileiro foi registrado a partir de tantos ângulos e tantas câmeras. Os perfis invasores propiciavam a conexão entre a invasão e aqueles que estavam de fora, que acompanhavam os acontecimentos via mídias sociais. Antes mesmo que a imprensa e as autoridades entendessem o que se passava, milhões de bolsonaristas assistiam ao vivo à invasão por meio dos celulares de milhares de agressores. É quase como se tudo estivesse sendo feito pelos perfis apenas com o intuito de criar conteúdo para as redes sociais. A quebradeira, a destruição da porta do armário do ministro Alexandre de Moraes, o brasão da República jogado sobre uma cadeira, tudo era produção de imagem para gerar engajamento nas redes.

Se em Junho de 2013, as redes foram fundamentais para levar as pessoas às ruas, em 8 de janeiro de 2023, as pessoas foram às ruas para levar mais pessoas aos seus perfis de rede social. Por isso, essa data entrará para a história brasileira como o primeiro evento “instagramável” da mobilização política.

Mobilizar, ao contrário do que muitos imaginam, é das tarefas mais desafiadoras que existem. Como conseguir que milhares de indivíduos se juntem no mesmo momento, formulem uma demanda comum e executem um curso de ação coordenado? Como fazer isso sem ter qualquer poder de coerção, seja de ordem pecuniária ou disciplinar? A resposta: com métodos e estratégias de engajamento.

Como qualquer atividade complexa, o ativismo também tem metodologias. Entre elas, está a “curva de engajamento”. Nela, entende-se que para manter uma pessoa interessada é necessário sempre mantê-la engajada, como se estivesse em um constante estado de alerta. A ideia de “curva” implica que passamos de uma ação com baixo engajamento para ações com cada vez mais engajamento. Por exemplo, o usuário começa dando like em uma fala de Bolsonaro, daqui a pouco compartilha uma notícia veiculada por ele, em seguida vai numa manifestação na orla de Copacabana pedir o impeachment de algum ministro do STF. A “curva” foi do mais simples (o like) ao mais custoso (tirar uma tarde de Sol livre, abrir mão da praia e se enfiar com outras pessoas de verde e amarelo numa marcha).

Portanto, para mobilizar é preciso criar novas oportunidades de engajamento constantemente. Se não houver esse moto-contínuo, o usuário perde o interesse e se desengaja. Não à toa Bolsonaro projetou a imagem de “presidente frágil”, que não consegue agir porque está cercado de inimigos. Com isso, sempre ofereceu aos seus seguidores oportunidades de engajamento. Nunca faltava motivo para os bolsonaristas se unirem e se engajarem na defesa de seu líder. Ao não aceitar a derrota eleitoral, ao denunciá-la como fraude, Bolsonaro instiga um novo curso de ação para os seus mobilizados: bloqueio de estradas, acampamentos em frente aos quartéis e, claro, uma ação mais performática e catártica de violência como o 8 de janeiro.

Nisso, o 6 de janeiro nos Estados Unidos foi absolutamente igual: gerou um grande evento que, apesar da derrota, demonstrou a extraordinária força e resiliência do movimento – o qual, por conseguinte, tornou-se protagonista da cena pública e pautou o debate político no país, mesmo sem Trump estar mais com as rédeas do poder nas mãos. Eis aí o propósito central desse tipo de ação: manter o movimento engajado e forte. É uma etapa vital, tanto que nem o trumpismo, nem o bolsonarismo morreram depois da derrota de seus líderes. Tais atos são peças de uma engrenagem: cada vez mais radicais, cada vez mais violentos.

Assim, o evento norte-americano e o evento brasileiro não me parecem ter como objetivo uma tomada do poder, e sim um fortalecimento da máquina de mobilização revolucionária montada pela extrema direita. Os perfis que invadiram e depredaram o patrimônio da República não estavam promovendo um golpe e sim mais uma etapa do processo revolucionário. Além disso, quem promove golpe é quem não tem capacidade de mobilizar gente: classicamente, o empresariado e as Forças Armadas. Bolsonaro, como ficou demonstrado no domingo, tem essa capacidade – e nisso consiste a sugestão de que talvez o bolsonarismo tenha vencido com a quebradeira no domingo.

Mas se não leva a um golpe – a uma tomada clássica do poder – para que tudo isso? Para que um movimento mobilizado? O bolsonarismo, assim como o trumpismo, tem como único desfecho possível a guerra. Como a curva de engajamento está cada vez mais intensa e levando a ações cada vez mais radicais, a única maneira de sustentar esses movimentos será, em algum momento, com a violência contra pessoas (e não mais contra objetos). Mesmo que Trump e Bolsonaro não considerem estratégico o ódio que deflagraram e espalharam em suas sociedades, bem como a dinâmica de engajamento própria de seus movimentos, não tem como dar em outro desfecho. Será a guerra, ou eles perderão o poder sobre os movimentos que criaram. 

Há uma grande diferença entre o 6 de janeiro norte-americano e o 8 de janeiro brasileiro: a reação das forças de segurança. Nos Estados Unidos, houve enfrentamento. No Brasil, assistimos atônitos por quase três horas a uma depredação sem qualquer intervenção da ordem. Por isso, o que é chocante não é o ato em si. Sabíamos que cedo ou tarde isso aconteceria, da­do que o bolsonarismo tem como único desfecho a violência. O que chamou a atenção foi a demora e a lenta reação das “forças da ordem”.

Brasília é uma cidade cujo urbanismo convida ao controle de aglomerações do tipo da que ocorreu no domingo. Ao contrário do que acontece em outras cidades brasileiras, é fácil e rápido conter uma multidão na capital. É surpreendente que as agências de inteligência do Estado – o Gabinete de Segurança Institucional, o setor de inteligência da Polícia Militar, a Agência Brasileira de Inteligência – não tenham mapeado o risco que se avizinhava. A incompetência é tão clamorosa que, se acontecesse no setor privado, resultaria em demissão massiva. Ou, como começa a ficar nítido nas investigações, mapearam exatamente o que se tramava e – por motivos ideológicos – nada fizeram.

A quebra de hierarquia foi clara. Até que se prove o contrário, a Polícia Militar não obedeceu ao governador e não se sabe quanto o Exército ainda obedece ao presidente da República. A decisão de evitar a decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem, na qual o presidente autoriza o uso das Forças Armadas) para furtar-se a um golpe traduz bem o nível de insubordinação dos militares ao poder civil. Na prática, quando precisar contar com a proteção da ação militar, a Presidência da República poderá convocar o Exército ou terá que temer uma rebelião? A pergunta central é: o poder militar ainda está subordinado ao poder civil? Do contrário, não há estado de direito possível. O ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente da República parecem ter medo de se fazer essa pergunta, e optaram por evitar o conflito.

Pouco se sabe sobre como pensam e agem os militares. Estão todos eles do lado de Bolsonaro? Se fosse o caso, já teriam dado o golpe, dizem alguns. Seria apenas uma parcela? Não temos a resposta precisa. Sabemos, sim, que alguns militares impediram o trabalho de repressão no dia 8 de janeiro de 2023. Isso significa que agentes públicos agiram como perfis e não como militares. A dinâmica de redes sociais é tão perversa que destrói até mesmo a hierarquia militar. Alguns militares hoje são perfis antes de serem militares.

Sabe-se que o Comando-Geral do Exército não cumpriu com suas atribuições entre 1º de novembro e 9 de janeiro. O Setor Militar Urbano de Brasília é uma área sensível para a segurança nacional. Ali, está o Quartel-General do Exército. Ali, residem os generais. Em nenhuma circunstância seria tolerado que sequer uma pessoa em situação de rua passasse uma noite por lá. Como explicar centenas aglomerados por dois meses, trazendo um risco contínuo à segurança física de generais e do Q.G. do Exército? Portanto, o Exército descumpriu ativamente o seu compromisso mínimo de proteger uma área de segurança nacional. Da mesma maneira, o Batalhão da Guarda Presidencial descumpriu sua função de proteger o Palácio do Planalto.

A situação de confusão sobre a subordinação do poder militar ao poder civil, associada ao caos em que as cidades brasileiras se encontram, sem que o Exército precise fazer nada, cria um quadro muito confortável para a corporação. Para que fazer um golpe, se já não temos certeza se vivemos em um estado de direito? Golpe dá muito trabalho, requer, na sequência, que se governe, que se entregue políticas públicas.

O golpe é um dispositivo tradicional do Estado clássico – centralizado, com uma burocracia profissionalizada, que detém a soberania sobre um território e uma população. Para que haja golpe, é necessário que exista UM soberano. A partir do momento em que a burocracia se comporta de maneira fragmentada e insubordinada, que vários atores sociais podem desrespeitar regras de segurança, e que uma parcela da população já não acredita e não obedece às instituições, em que as figuras de autoridade já quase não existem, como é possível dar um golpe? A extrema direita destruiu o Estado como o entendemos. Bolsonaro conseguiu fragmentar o poder, permitindo a existência não de UM, mas de vários soberanos – seguindo um pouco a lógica do tráfico de drogas e da milícia.

Nesse contexto, os militares podem fazer o que lhes der na telha. Nessas circunstâncias, não é necessário um golpe para que a força se sobreponha à lei. É de se perguntar se o novo tipo de intervenção militar, mais atual para o século XXI, não seria o da insubordinação, do “deixa acontecer”, de permitir o caos. Nisso consiste a vitória de Bolsonaro: o total esfacelamento das autoridades no Brasil que deixa livre caminho para que a força possa se exercer.

O desafio do novo governo é, portanto, imenso, pois mesmo sem um golpe, os militares estão dissolvendo o estado de direito no país. O problema da insubordinação imediata poderá talvez ser resolvido com a nomeação do general Tomás Paiva, o novo comandante do Exército, cuja biografia indica um perfil institucionalista e republicano. A pergunta que se coloca é: será que os soldados-perfis obedecerão aos seus generais? Depois de quatro anos de bolsonarismo, será que a hierarquia militar sobrevive intacta? Se o general Tomás Paiva conseguir garantir circunstancialmente que o Exército vai obedecer à Presidência da República quando for solicitado, já terá feito um trabalho extraordinário.

Muito se fala da necessidade de democratização das Forças Armadas, mas essa tarefa é de partida quase impossível. Todo o esforço no sentido de qualificar a formação militar, enquadrar as posições públicas, o comportamento nas redes sociais, tudo isso será bem-vindo. Mas nenhum empenho será suficiente para alterar uma das nossas mais antigas instituições. Na ciência política, existe vasta literatura sobre a dificuldade de se reformar instituições de modo radical, pois seu passado condiciona o presente e as possibilidades de futuro. O Exército Brasileiro tem uma tradição antidemocrática que vem desde 1889, quando derrubaram uma monarquia constitucional para instaurar uma ditadura militar e, subsequentemente, uma república oligárquica. Desde então, nunca saíram da vida política do país, ora participando das eleições, ora dando golpes. À exceção do único período de democracia de massas anterior à Constituição de 1988, a chamada República Populista (1945-64), tivemos mais golpes do que eleições neste país.

Por isso, a questão não é se conseguimos convencer os militares de que a democracia é uma dádiva e sim como faremos com que eles temam o poder civil, eleito democraticamente. Mas, para isso, é preciso parar de temê-los. A questão militar não deve se circunscrever ao Ministério da Defesa, cuja boa relação com as Forças Armadas é bem-vinda. Deve ser transferida para o eixo central do governo – Fazenda e Planejamento. Cabe ao Estado brasileiro tratar os militares como o que são: funcionários públicos concursados iguais aos outros, sem qualquer privilégio. É sabido que o Exército se pauta pelo corporativismo, assegurando sempre o incremento do orçamento para a defesa (que já é maior que o da educação e quase equivalente ao da saúde) e arrancando benesses para seus membros. A resposta de todos os governos democráticos foi sempre dar mais dinheiro, poder e espaço para os militares, com a honrosa exceção na gestão de Fernando Henrique Cardoso. É preciso interromper esse ciclo.

O Ministério da Fazenda precisa cortar gastos para abrir espaço fiscal aos programas sociais e demais políticas públicas. Que priorize os cortes no Ministério da Defesa. Existe espaço para cortar uma série de benefícios dos militares. Não há qualquer razão para a compra de mais material bélico. Não há qualquer necessidade de expansão da tropa: já temos quase 350 mil militares contra apenas cerca de 400 mil policiais militares. Fazer um ajuste fiscal radical na pasta da Defesa é a única maneira de mudar o tom da conversa. Podemos deixar de lado a conversa de que o Exército vai se rebelar contra o presidente, contra o Supremo, contra o resultado das eleições. Ou contra o corte de privilégios. Os militares, claro, vão chiar. Mas não darão o golpe. E, se derem, ficará o recado de que uma corporação sequestrou o Estado para enriquecer seus membros. Em outras palavras, colocar a questão militar na esfera da Fazenda e do Planejamento significa jogar no ataque para aplacar a deterioração institucional. O Exército pode ter armas. A democracia tem duas coisas mais poderosas: as leis e o orçamento público.

A conversa sobre golpe interessa aos militares para que possam seguir pautando o novo governo. Reforçando o que já foi dito: para subordinar o poder militar novamente ao poder civil, é preciso parar de temer um golpe. Os Estados Unidos historicamente cumpriram a etapa de enquadrar os militares. Por lá, os fardados estão perfeitamente subordinados ao poder civil. São militares, não são perfis. Se conseguir fazer algo semelhante, neutralizando a contaminação dos militares na vida nacional, o Brasil então terá um problema a menos. Assim, poderá concentrar a atenção no mesmo problema que aflige o gigante do Norte: como enfrentar a máquina revolucionária da extrema direita e seus líderes inflamados – só que, pelo menos, sem o apoio das baionetas.

Lula faz muita política? Ótimo! Está cumprindo o seu dever https://bit.ly/3Iy1pdy

Juros altos para quê?

Com Lula contra os juros estratosféricos

A política de desaquecer a economia e gerar desemprego para conter a inflação é chamada de curva de Philips e, essencialmente, no mundo inteiro, ela não é mais válida.
Rafael Sallet/Vermelho www.vermelho.org.br

 

A implementação da chamada “independência do Banco Central” em 2021 tem sido considerada uma aberração que atenta contra a democracia brasileira. Essa política é aplaudida por economistas bajuladores de Wall Street e pela grande mídia. Como pode a democracia brasileira eleger um projeto político e este ser inviabilizado pela autonomia do Banco Central? Como um governo pode implementar sua política econômica sem poder guiar as taxas de juros, do câmbio, das metas de inflação, etc.? Não há projeto nacional de desenvolvimento que se sustente com a maior taxa de juros do planeta Terra. Mesmo com o aumento do investimento público, sem diminuir as taxas de juros (as mais atrativas para os especuladores de todas as matizes globais), não há crescimento sustentável.

O presidente Lula tem sido certeiro em criticar as escandalosas taxas de juros. Para entendermos com profundidade o quão danosa é essa política de juros altos para o povo brasileiro, devemos partir das premissas daqueles que a defendem.

Campos Neto, presidente do Banco Central, defende essa política de juros altos para desacelerar a economia, aumentando o desemprego com a retração dos setores produtivos e reduzindo o consumo. Dessa forma, isso poderia fazer uma barreira para a escalada da inflação.

Leia também: O triunfo do discurso de Lula sobre a insensatez dos juros altos

A política de desaquecer a economia e gerar desemprego para conter a inflação é chamada de curva de Philips e, essencialmente, no mundo inteiro, ela não é mais válida. E por que não é válida? Porque a política neoliberal imprimiu a precarização do trabalho, a flexibilização e a quebra dos direitos trabalhistas, jogando um oceano de trabalhadores no universo da informalidade. Por esse motivo, gerar desemprego não combate efetivamente o aumento da inflação.

Essa tese poderia ter alguma sustentação se tivéssemos uma explosão de demanda não suportada pela oferta, o que não é o caso. Como bem analisou o economista André Lara Resende, o que temos hoje no Brasil é um “choque negativo de oferta” fruto de uma desorganização produtiva. Nesse caso, aumentar os juros não ataca o problema central, pelo contrário, estrangula e desorganiza ainda mais a produção.

Derrotar essa política de juros altos é um desafio central para iniciarmos um processo vigoroso de retomada do crescimento. Campos Neto, eleito presidente do Banco Central até 2024, trouxe um prejuízo de 298,5 bilhões de reais à instituição, essencialmente por vender dólar no mercado futuro, enchendo as burras dos especuladores e levando essa dívida para o tesouro da União, ou seja, repassando ao povo a conta dessa política desastrosa. O mesmo Campos Neto que, em uma recente entrevista, exaltou o trabalho infantil ao comentar sobre o sistema PIX. Esse mesmo Campos Neto tem a cara de pau de defender os juros mais altos do planeta, dizendo ser essa uma política pensada para o social.

Todos os países desenvolvidos do planeta possuem juros reais (taxa de juros nominal menos a inflação) negativos, já o Brasil tem mais que o dobro de taxas de juros do segundo colocado. Isso é uma aberração que não se sustenta, a não ser nos interesses escusos de favorecer os monopólios econômicos que desnacionalizam a indústria nacional e os interesses dos especuladores ao redor do mundo.

Manter a atual taxa de juros é entregar um grande negócio para os rentistas que compram a dívida pública, letras do Tesouro Nacional que pagam a inflação mais seis ou sete por cento ao ano, enquanto os brasileiros veem sua produção esmagada e o crédito mais caro, o que inviabiliza a compra da casa própria, o financiamento das empresas nacionais e a possibilidade de aumento do salário, crescimento do emprego e combate à pobreza.

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Pesquisa da Genial Quaest aponta que 76% dos brasileiros apoiam o presidente Lula na defesa da queda dos juros. Cabe a nós entrarmos na luta política para derrotar esse estrangulamento defendido pelo Banco Central, apoiar o presidente Lula na denúncia dessa barbárie e abrir caminhos para uma política econômica razoável, a fim de iniciarmos o processo de retomada do crescimento. [Ilustração: Cícero]

24 gigantes multinacionais praticam greenwashing https://bit.ly/3KwTjU3