Crescem os desafios que o Governo Lula 3 precisa superar
Instabilidade política, entraves estruturais e embates ideológicos dificultam avanços do terceiro mandato de Lula, mesmo com programas sociais e crescimento econômico.
Ronald Freitas/Portal Grabois www.grabois.org.br

Como se apresenta a realidade atual
- À medida que o tempo passa e vai se realizando o terceiro governo do
presidente Lula — já se vão 26 meses, de um total de 48 —, a espera de que o
governo deslanche em realizações e popularidade é crescente no campo
democrático e progressista do país. Mas o que fatos vêm demonstrando é que,
embora o governo tenha obtido êxitos em reconstruir parte do arcabouço
burocrático, que ordena segmentos do Estado brasileiro – como a reativação da
criação de programas sociais estruturantes, por exemplo, bolsa família, minha
casa minha vida, mais médicos –, e criado novos como “pé-de-meia”, bem como
procurado retomar programas de reanimação industrial, com o novo Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e o Programa Nova Indústria Brasil (NIB), e
encaminhado para discussão e apr ovação do Legislativo temas de largo alcance
econômico, político e social – como Reforma Tributária, Flexibilização do teto
de gastos, com o título de novo arcabouço fiscal etc. – o seu governo patina e,
segundo as últimas pesquisas, perde aprovação da sociedade.
Uma análise isenta e desapaixonada dessa realidade é um desafio
que se coloca para o campo progressista e democrático, do nosso espectro
político, mormente para os setores de esquerda.
Na economia, convivemos com uma situação paradoxal: de um lado, o
PIB cresce, o desemprego cai a níveis muito baixos, a indústria passa a
contribuir de forma mais significativa para a formação do PIB, etc. E, de outro
lado, a inflação é crescente, há aumentos de preços, principalmente de itens
básicos de consumo popular, que são sentidos no bolso da população,
principalmente a de baixa renda quando vai fazer suas compras.
Na política, a disfuncionalidade das instituições do Estado,
particularmente com o papel hoje jogado pelo Legislativo, é um fator inibidor
da realização de políticas públicas que promovam o desenvolvimento da Nação e
simultaneamente diminuam o fosso social entre as classes e camadas sociais. O
atual poder Legislativo transformou-se em uma arena de disputas, pouco
republicanas, pela apropriação do dinheiro público, por meio das tão
faladas emendas parlamentares.
Na esfera social, aumentam as desigualdades, trazendo no seu bojo
mais miséria para os já desvalidos e o aumento da criminalidade para toda a
sociedade, gerando um clima de insegurança social que atinge
indiscriminadamente cada cidadão e cidadã.
E esse cenário acima descrito, trabalhado pela oposição de direita
e extrema-direita de forma eficiente, particularmente no que diz respeito aos
modernos instrumentos de comunicação social, leva a maioria da sociedade a uma
sensação de abandono pelo poder público (leia-se governo Lula). Essa sensação
de abandono pelo governo e descrença na política, (como o locus público
onde se deve mediar os conflitos existentes na sociedade), pela maioria da
população, está na base do espaço que se abre para o surgimento e atuação de
políticos de extrema-direita, de perfil messiânico e de visão neofacista de
governo.
Este cenário, levemente esboçado nos parágrafos anteriores, é uma
apertada síntese da situação conjuntural que atravessamos.
Aspectos da situação estrutural
É numa abordagem mais aprofundada da realidade, que procura
examinar os fundamentos da situação descrita – à qual chamamos de estrutural –,
é que se encontram os caminhos para que sejam elaboradas e executadas propostas
que nos levem à superação de tão desafiador cenário.
No terreno da política, stricto sensu, a
meu ver devemos abrir com a sociedade um debate, onde possamos mostrar que, com
a atual forma de como o Estado Nacional Brasileiro está organizado e
administrado, será impossível levar à frente um projeto de desenvolvimento
nacional soberano e com inclusão social. Na atualidade o Estado brasileiro
passa por um período de controle do alto capital bancário e financeiro, do alto
capital do agronegócio e de setores da alta burocracia estatal (civil e
militar), todos eles associados, em diferentes escalas, com os interesses do
capital imperialista internacional, que são empecilhos estruturais para que
possamos levar adiante um programa nacional de desenvolvimento soberano e
socialmente inclusivo, como o país necessita.
Urge discutirmos com a sociedade um projeto de REFORMA POLÍTICA,
que reorganize o Estado Nacional. Para tanto, faz-se urgente a elaboração de um
Plano Nacional de Desenvolvimento, que defina as prioridades nacionais
estratégicas em todos os campos de nossa vida social. Seja no terreno das
tecnologias de ponta hoje em desenvolvimento, seja no terreno da modernização
de infraestrutura logística, urbana e rural, seja no terreno da segurança
pública, com destaque para o combate ao crime organizado de qualquer natureza,
seja no terreno educacional em todos os níveis, seja no terreno da ciência e
tecnologia, etc. Para isso, torna-se imperativo restabelecer e mesmo
estabelecer um reequilíbrio entre os poderes fundamentais da República,
devolvendo ao Executivo a capacidade de executar o orçamento da Nação, em
função desse Plano Nacional, e de se r o indutor da implementação das políticas
públicas desse Plano derivadas.
Na área econômica, é necessária uma mudança profunda nos rumos
conceituais e teóricos que regem a economia do país. Hoje predominam, de forma
quase absoluta, os princípios orientadores da economia neoliberal, na qual o
Estado é reduzido a um mero apêndice do grande capital nacional e
internacional, financeiro ou não. É preciso abrir na sociedade um debate sobre
que tipo de Economia Política é necessário para que possamos levar à frente uma
Política Econômica a serviço da implementação do Plano Nacional de
Desenvolvimento acima referido.
Para isso é imprescindível implementar um debate crítico acerca do
fio orientador de nossa Economia Política, que está sintetizado no chamado
Consenso de Washington, baseado nos dez pontos elaborados pelo economista John
Williamson, em 1989, impostos mundo afora pelo FMI, Banco Mundial e o governo
americano: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma
tributária, juros de mercado, câmbio livre, abertura comercial, eliminação de
restrições ao investimento estrangeiro direto, privatização de estatais,
desregulamentação, direito à propriedade intelectual.
Necessitamos elaborar um Plano de desenvolvimento baseado numa
visão basicamente antagônica à estabelecida pelo Consenso de Washington, ou
seja: Ter o Estado como indutor do desenvolvimento por meio de
incentivo ao surgimento e desenvolvimento de empresas públicas e privadas. Onde
o governo não paute sua política econômica pela austeridade, derivada da
disciplina fiscal e da limitação dos gastos públicos, necessários para promover
o crescimento econômico. Onde a política cambial esteja a serviço do desenvolvimento
nacional, e não ao do livre-cambismo exigido pelo sistema financeiro
internacional. Onde, sem discriminação, haja espaço para atuação de capitais
estrangeiros, desde que devidamente regulados, e destinados ao setor produtivo
da economia e não a especulação financeira. Onde sejam revertidas as
privatizações de áreas estratégicas, como as do setor de energia elétrica, de
telecomunicações, de informática; de empresas importantes da cadeia de Óleo
& Gás. E que a lisura e moralidade no uso do dinheiro público sejam um
princípio orientador da administração, em todos os níveis e
instâncias, e não um mero instrumento de justificativa para “cortar gastos”,
ditos supérfluos, para pagar os juros escorchantes de uma dívida pública, no
fundamental imposta ao Estado por meio de seus agentes no governo.
No ambiente político-social, é urgente construir mecanismos de
mobilização da base da sociedade que, devidamente organizada e engajada em
torno das propostas do Plano Nacional de desenvolvimento, seja o esteio do governo,
principalmente do Executivo, no processo de implementação das propostas de
mudanças. Para isso torna-se imperativo rever as reformas trabalhistas e
sindicais implementadas, pelos governos Temer e Bolsonaro, que levaram à
desorganização das massas trabalhadoras – dessa maneira, fragmentando-as e, em
certo sentido, anulando o seu poder de pressão política sobre os governos e
patrões – a fim de verem seus interesses preservados e ampliados. Além disso,
está diante de nós o desafio de criar novos instrumentos de mobilização que
contemplem as novas formas de trabalho, derivadas de inovações tecnológicas,
que per mitem uma superexploração do trabalho por meio do fenômeno chamado
de uberização.
Também é da maior importância termos, no governo, um setor de comunicações
que, ao lado de dominar eficazmente os novos meios de comunicação de massas,
tenha como fator central a disseminação de conteúdos que exaltem a importância
de construirmos um Brasil soberano, desenvolvido e socialmente mais justo,
despertando na sociedade como um todo, mas principalmente nas suas camadas de
base, um sadio sentimento de que defender a Nação e sua soberania e defender a
implementação de políticas econômicas que tenham como foco aumentar o poder e a
soberania nacionais são atitudes ideológicas fundamentais para que possamos ter
êxito na superação dos impasses estruturais, e dos empecilhos conjunturais que
nos conduzem a um beco sem saída. E, além disso, conscientizando o conjunto da
sociedade, e em particular as mass as trabalhadoras que, sem essa superação,
não serão extintas as profundas chagas sociais que existem entre nós.
Mas… e a correlação de forças? Como torná-la
favorável a atingir esses objetivos?
Essa é uma questão central da política. Só se faz avançar projetos
políticos, seja progressista, seja regressista, se os defensores de cada um
deles tiver força política capaz de levá-los adiante (isso é aparentemente
acaciano, mas…). E, nas condições atuais da política nacional, os ventos
da correlação de forças não são favoráveis à implementação das
ideias e propostas expostas acima. Porém, essa mera constatação não pode ser um
escudo para circunscrevermos nossa ação política aos limites impostos pela
correlação de forças hoje existente no Brasil e mesmo no mundo.
Vivemos um período de grande instabilidade geopolítica, em escala
mundial, que repercute — e continuará repercutindo — em nossa política interna,
na qual inúmeros indicadores nos mostram uma tendência de aguçamento das
contradições entre o imperialismo e povos e nações soberanos, e mesmo
contradições interimperialistas que criam uma situação de instabilidade em
escala mundial, onde o uso da força para resolver, ou tentar resolvê-las,
expressa-se no ambiente de guerras localizadas — seja na Ucrânia, seja no
Oriente Médio, seja na África —, que podem se generalizar em um novo conflito
de escala mundial.
Diante de um cenário desse tipo na cena externa e de nossas
condições de crise interna, convém nos prepararmos desde logo para ter que
viver num mundo mais instável e inseguro – o que torna necessária a
implementação de um Projeto Nacional de Desenvolvimento soberano, democrático e
socialmente mais justo, que nos capacite a enfrentar eventuais conflitos
militares mais intensos que, no limite, podem atingir nossas fronteiras.
Nesse sentido, iniciar um debate em torno de como viabilizar um
Projeto de Construção de um Brasil desenvolvido, soberano e socialmente mais
justo, cujo conteúdo extrapole os limites impostos pelo capital financeiro
nacional e internacional, bem como os limites da visão de uma social-democracia
mitigada, é um desafio inadiável que as forças progressistas, democráticas e de
esquerda devem se impor.
Ronald Freitas é membro do Comitê Central
do PCdoB e coordenador do Grupo de
Pesquisa sobre Estado e Instituições da FMG.
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