Marcelo Zero*, no blog
Viomundo
Em 1996, a
Embraer participou de sua primeira grande concorrência internacional.
Tratava-se do fornecimento de 150 aeronaves para as empresas americanas de
aviação regional ASA e Comer. A Embraer entrou na concorrência com o seu
ERJ-145, um jato regional moderno e eficiente. Era o melhor avião e ainda tinha
a grande vantagem de ser o mais barato.
Contudo, a Embraer perdeu. Perdeu para
a Bombardier, que oferecia melhores condições de financiamento para os
compradores, pois contava com forte apoio governamental para a comercialização
de suas exportações.
Pouco tempo depois, a gigante American
Airlines lançou concorrência de US$ 1 bilhão para a compra de jatos regionais.
Era a grande oportunidade que a Embraer tinha de pagar o custoso
desenvolvimento do ERJ-145 e de se lançar no promissor mercado internacional de
aviação regional, que crescia exponencialmente.
Mas a Embraer sabia que não tinha a
menor condição de ganhar a concorrência, mesmo tendo o melhor avião, se não
contasse com condições de financiamento semelhantes às que dispunham as suas
concorrentes.
Resolveu, então, bater na porta do
BNDES. A Embraer tinha de oferecer um financiamento à American Airlines que
contemplasse não apenas taxas de juros baixas e amortização de longo prazo, mas
também a garantia da devolução das aeronaves, caso houvesse algum problema com
os equipamentos.
Para o BNDES, era uma aposta de risco
considerável. A Embraer era novata nesse mercado e, caso ocorresse algum
problema com as suas aeronaves, o banco ficaria em maus lençóis. Nenhum banco
privado, nacional ou internacional, queria assumir esse risco.
O BNDES, entretanto, resolveu confiar
na Embraer e ofereceu o financiamento com todas as garantias exigidas pela
American Airlines.
Resultado: a Embraer ganhou a
concorrência e, com isso, iniciou uma carreira vitoriosa no mercado
internacional de aviação regional e executiva.
Hoje, a Embraer oscila entre a terceira
e a quarta maior empresa mundial do setor. Apenas em 2013, entregou 90
aeronaves comerciais e 119 de aviação executiva, obtendo uma receita líquida de
R$ 13, 64 bilhões. É, de longe, a empresa brasileira que mais exporta produtos
de alto valor agregado, gerando altos rendimentos e empregos muito qualificados
no Brasil.
Assim, a Embraer e o Brasil aprenderam
a lição. Não se faz exportações volumosas de bens e serviços, no
concorridíssimo mercado internacional, sem apoio financeiro governamental e
bancos públicos de investimento.
A Embraer da qual tanto nos orgulhamos
simplesmente não existiria, caso não tivesse contado com o apoio do BNDES.
Ironicamente, o orgulho justificado que
dedicamos à Embraer não se estende ao banco público que financiou o seu sucesso
e o de tantas outras empresas brasileiras.
Ao contrário, há, atualmente, uma
grande campanha contra esse estratégico banco público de investimentos.
Uma campanha bem sórdida, por sinal. A
desonestidade intelectual que cerca o debate sobre a atuação desse grande banco
público de investimentos é assustadora. A bem da verdade, ou é desonestidade
intelectual assustadora ou é ignorância abissal.
Com efeito, divulgou-se uma série de
mentiras deslavadas sobre esse banco.
Disseram, por exemplo, que o BNDES
investe muito em obras na Venezuela, Cuba, Angola, etc., em detrimento dos
investimentos imprescindíveis para o Brasil.
Ora, como bem assinalou o presidente
Luciano Coutinho, entre 2007 e 2014, as operações de apoio à exportação de
serviços do BNDES corresponderam a apenas cerca de 2% do total dos
financiamentos que foram oferecidos pelo banco.
Portanto, o BNDES investe ao redor de
98% de seus recursos no Brasil.
Mesmo assim, há gente que, iludida
pelas mentiras divulgadas, quer simplesmente proibir o BNDES de dar apoio
financeiro à exportação de serviços. A natureza obviamente beócia da proposta
deveria saltar aos olhos até do reino mineral, caso lá houvesse olhos, mas há
gente que a leva a sério, mesmo no Congresso Nacional.
Da mesma forma, alegou-se que as taxas
usadas pelo BNDES para a exportação de serviços constituíam “subsídios
indevidos” às empreiteiras. Argumento muito parecido ao usado pelo governo
canadense, quando nos acionou na OMC quanto às exportações da Embraer. Ora, o
uso das taxas Libor nessas operações foi estabelecido em 1996, pois, para ser
competitivo no mercado mundial, é necessário praticar financiamentos com base
em taxas internacionais.
Insinuaram também que o sigilo
envolvido nas operações financeiras de exportação de serviços destinava-se a
ocultar ilícitos e favorecimentos ideológicos a governos “comunistas” e
“bolivarianos”, lançando uma suspeita indigna sobre o BNDES, banco que opera
com critérios técnicos rigorosos e no qual a análise da concessão de um grande
empréstimo demora, em média, 450 dias.
Ora, o BNDES não pode divulgar os
detalhes dessas operações financeiras não porque não queira, mas simplesmente
porque não pode. Ele é proibido por lei de fazê-lo.
A Lei Complementar nº 105, de 2001,
ratificada no segundo governo tucano, protege o sigilo do tomador de
empréstimo, independentemente do banco ser público ou privado. Não interessa se
o empréstimo foi obtido junto ao Itaú, ao Bradesco, ao Banco do Brasil ou ao
BNDES: a proteção jurídica é a mesma.
Há quem argumente, entretanto, que, no
caso de banco público, não deveria haver nenhum sigilo. Bom, nesse caso, a lei
tucana teria de ser modificada.
O problema maior, porém, não é esse.
Leis podem ser modificadas. A dura realidade do concorrido mercado
internacional de bens e serviços não pode.
Imaginemos o cenário idealizado pelos
que propugnam pela total transparência dessas operações financeiras. Caso a
Embraer precisasse do apoio do BNDES para fazer uma grande exportação de aeronaves,
esse banco estaria obrigado a divulgar ao público informações sensíveis e
estratégicas da empresa, como nível de endividamento, capacidade de pagamento,
nível de exposição ao risco, probabilidade de êxito na concorrência,
competitividade do bem a ser exportado, estratégia de atuação da empresa no
mercado mundial, etc.
Bonito, não? Bonito, e por certo, muito
inteligente também. A Bombardier e outras empresas concorrentes das empresas
brasileiras lá fora concordam inteiramente.
É por isso que nenhum banco que
financia exportações no mundo divulga detalhes sensíveis dessas operações. Os
americanos não o fazem, os alemães e os chineses, tampouco. Ninguém faz. É
fácil imaginar a razão. Menos no Brasil.
Na realidade, conforme a Open Society
Foundations, principal ONG mundial dedicada à transparência, o BNDES já é o
banco de investimentos mais transparente do mundo. E essa transparência não
adveio de pressões recentes. Ela já fazia parte da linha de atuação do banco há
bastante tempo. Conforme o testemunho da Open Society, que participou de muitas
reuniões com o BNDES, o programa de crescente transparência do banco avançou
por iniciativa da própria gestão do BNDES.
Há muito que o BNDES disponibilizava
informações sobre essas linhas de crédito que praticamente nenhum banco
semelhante do mundo fornecia. Junto com o Eximbank dos EUA, o BNDES era o único
banco que, há anos, oferecia ao público informações como relatórios detalhados
anuais, portal de transparência com possibilidade requisição de informações e estatísticas
detalhadas online.
O novo portal apenas ampliou a
transparência já existente.
Tudo isso deveria ser motivo de orgulho
em qualquer país do mundo. Menos no Brasil.
Aqui continuam as acusações parvas
contra o banco e as iniciativas para submeter o BNDES a uma CPI. Sempre com
argumentos desonestos e mal informados.
Quando a Embraer começou a incomodar a
Bombardier com sua concorrência, o governo canadense logo tratou de questionar
o financiamento de suas exportações na OMC. Não bastasse, acabou levantando
suspeitas de que o gado “verde” brasileiro poderia estar contaminado com o mal
da vaca louca. Um golpe desonesto, que, por iniciativa do então deputado
Aloizio Mercadante, provocou a pronta resposta do Congresso Nacional, o qual
sustou a tramitação dos atos internacionais firmados com o Canadá. Assim, o
Legislativo brasileiro defendeu o Brasil, a Embraer e, por tabela, o banco que
financiou seu sucesso mundial.
Agora, setores desse mesmo Congresso
perseguem o BNDES, com argumentos tão toscos e desonestos quanto o usado pelo
governo canadense.
Não se sabe ao certo no que isso vai
dar.
Uma coisa, porém, é certa: a Bombardier
agradece.
Haja vaca louca!
*É sociólogo, especialista em Relações Internacionais
e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
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