30 setembro 2023

Minha opinião

Valorização do trabalho, um passo adiante
Luciano Siqueira

Os dados são animadores. Na última rodada da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada ontem, a taxa de desemprego recuou para 7,8% no trimestre encerrado em agosto (queda de 0,5% em relação ao trimestre anterior, março-maio).

Em agosto, 8,4 milhões de pessoas estavam desocupadas, ostentando menor nível desde o trimestre encerrado em junho de 2015, quando foi de 8,5 milhões.

Tudo bem.

Mais: o número de empregados com carteira assinada no setor privado alcançou 37,248 milhões de pessoas, melhor resultado desde 2015, quando registrou 37,288 milhões (excluindo trabalhadores domésticos). 

Acresce que o PIB do segundo trimestre cresceu 0,9%, três vezes maior do que previa o chamado mercado.

Na contraface desses números promissores, o número de trabalhadores do setor privado sem carteira assinada segue aumentando, perfazendo 13,2 milhões. 

Em tempo difícil - e sob a herança maldita de Temer e Bolsonaro -, todo avanço deve ser saudado; sem contudo nos confundir em relação ao tamanho da empreitada.

A economia global segue em crise. Vide a recessão na Alemanha e os percalços temporários da China e a desorganização econômica da Europa envolvida no conflito Rússia-Ucrânia.

E cá em terras tupiniquins, além dos respingos negativos dos maus ventos externos, as barreiras impostas pelo neoliberalismo resistente, via política fiscal e  monetária.

Para consolidar e desenvolver os "bons sinais", o governo Lula necessita de força, superando obstáculos do parlamento hostil e das imposições do Banco Central.

Essa força há de vir das ruas.

Quem apoia veste a camisa https://bit.ly/3Ye45TD

Humor de resistência: Céllus

 


29 setembro 2023

O monopólio Amazon

Amazon: desafio a ícone do “novo” capitalismo
Empresa sofre megaprocesso judicial nos EUA por ataques ao pequeno comércio e direitos trabalhistas. No Brasil, livro revela como ela promove um consumismo “culto” – porém cego às violações que se acumulam por trás dos “descontos”
O texto a seguir é o capítulo I de
Como resistir à Amazon e por quê,
de Danny Cayne, editado pela Elefante, parceira editorial de Outras Palavras

Como resistir à Amazon e por quê,

de Danny Cayne, editado pela Elefante, parceira editorial de Outras Palavras

A bravura de uma servidora pública pode fazer diferença. Nesta terça-feira (26/9), a principal dirigente da Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC, em inglês) dos EUA, Lina Khan, abriu o maior processo judicial já movido contra a Amazon. A FTC e mais 17 estados norte-americanos acusam a megacorporação de usar seu poder econômico para monopolizar o varejo via internet, usando métodos e táticas que impedem rivais de vender e atingindo em especial o pequeno comércio. A batalha será longa, mas a ação iniciada ontem expressa a emergência, em diversas partes do mundo, de nova consciência sobre os danos provocados pelas Big Techs. Se crescer, o movimento pode alcançar êxitos importantes. Nos EUA, uma das possíveis consequências do processo aberto ontem é o desmembramento compulsório da empresa.

No Brasil, parte da opinião pública ainda não despertou, talvez porque a companhia de Jeff Bezos tenha, em seus primórdios, vendido livros. Porém, há muito tornou-se predatória não apenas contra concorrenets menores mas em especial contra os direitos dos trabalhadores. As condições laborais em seus armazéns são insalubres e degradantes e as tentativas de impedir ou reprimir a ação dos sindicatos são incessantes.

Um livro publicado no Brasil pela Editora Elefante ajuda a examinar estas práticas. Como resistir à Amazon e por quê foi escrito pelo livreiro norte-americano Danny Cayne, mas examina muito mais que a concorrência desleal. A ação da empresa contra Lina Khan, da FTC, é um exemplo. A corporação tentou bloquear sua nomeação e, ao não conseguir, quis impedi-la de se envolver nas ações contra a própria Amazon. Motivo: em 2017, quando ainda estudante de Direito, Lina foi uma das primeiras investigadoras a examinar a fundo as práticas da empresa… A servidora não se curvou. Sua atitude é um sinal de que continua possível lutar contra os pesadelos distópicos de nossa época. Leia a seguir o primeiro capítulo do livro. (A.M.)


Estamos em fevereiro de 2019 e agora mesmo, enquanto escrevo, o best-seller Um lugar bem longe daqui está à venda na Amazon por 9,59 dólares. Se eu encomendasse esse livro diretamente da editora para as prateleiras da Raven, teria de pagar 14,04 dólares por exemplar. A Amazon está vendendo esse livro por quase 5 dólares a menos do que o meu preço de custo. Ou seja, se eu quisesse vender esse livro pelo preço da Amazon, eu poderia simplesmente entregar ao cliente uma nota de 5 dólares do meu caixa. Minha livraria vende Um lugar bem longe daqui como vende qualquer outro livro: pelo preço impresso na capa. O preço está bem ali: 26 dólares. Como os clientes se sentem quando me veem tentando vender um livro incrivelmente popular por 16,41 dólares a mais do que o preço oferecido na internet? Os descontos dramáticos dados pela Amazon s&atil de;o apenas uma das formas de causar estragos na indústria do livro. Desde sua fundação, em 1995, a Amazon tem moldado cada vez mais esse setor à sua vontade. A empresa tem afetado a forma como os livros são projetados, distribuídos, impressos e vendidos, e seus esforços nesse sentido têm desvalorizado o Livro com L maiúsculo. Sua influência no mercado editorial é tão grande que afeta até mesmo as menores decisões tomadas nas menores livrarias.

Como dono de uma pequena livraria independente, sinto o impacto da Amazon todos os dias. Concorrência empresarial é uma coisa, mas é difícil entender como concorrência justa a forma como a Amazon paira sobre todos os aspectos do nosso negócio. A maioria dos livros vem [nos EUA] com o preço impresso na capa; nossa estreita margem de lucro (geralmente cerca de 40% do custo de cada livro) é calculada de acordo com o preço impresso do livro. Esses 40% são inferiores à margem de muitos outros produtos de varejo, que normalmente é de 50% ou mais. Às vezes essa margem mais alta se apoia na possibilidade do lojista de aumentar o preço de um item para atender melhor às projeções de vendas. É por esse motivo que as livrarias gostam de vender cartões de aniversário: neles, você pode definir sua própria margem para que sejam tecnicamente mais r entáveis do que os livros. Mas uma livraria não pode aumentar o preço de um livro sem encarar os clientes apontando para o preço indicado na capa. Baixar o preço de um livro cortaria uma margem que já está abaixo da média. Estamos basicamente presos ao preço definido pela editora. Em alguns países, existem até leis que impedem grandes descontos sobre o preço de capa dos livros. Mas, nos Estados Unidos, as livrarias independentes e pequenas empresas não têm proteção contra a ameaça das práticas de preço da Amazon.

Antes de ser acusado de elitista ou de alguém que tenta impedir que pessoas com poucos recursos tenham acesso a livros, deixe-me dizer que sou um firme defensor de sebos e bibliotecas públicas. Ambos são maneiras melhores de obter livros baratos do que comprar livros novos a preço reduzido na Amazon. A Amazon pode e pratica reduções drásticas no preço dos livros, ignorando o preço definido pela editora. Ela pode fazer isso porque não precisa ganhar dinheiro com livros, muito menos com os best-sellers. Ela pode oferecer Um lugar bem longe daqui como um produto que gera prejuízo devido à impressionante variedade de fluxos de receita rentáveis em seu portfólio. Grande parte de sua receita nem sequer vem do varejo: sua empresa de servidores, a awsaws, é a espinha dorsal de grande parte do conteúdo e da publicidade que aparece na internet. A espinha dorsal da internet tem uma margem de lucro muito maior do que os produtos de varejo, de modo que a Amazon pode contar com os lucros da awsaws para deixar seu braço de varejo causar “disrupção”. “Disrupção”, traduzido do vale-do-siliciês, significa “estrago irreparável”. Uma livraria independente não conta com um serviço de web hosting extremamente rentável em seu portfólio. Se não ganhamos dinheiro vendendo livros, não ganhamos dinheiro. Ponto. Livros são de 80% a 90% do que vendemos. Abrimos livrarias porque amamos os livros, e a nossa capacidade de levar isso adiante está ameaçada pelo experimento de uma grande empresa de tecnologia em causar disrupção, em bagunçar o nosso setor. O propósito da pequena empresa é encontrar um nicho de mercado fazendo algo pelo qual você é apaixonado. Se esse nicho atender a algum tipo de demanda ou servir algum tipo de comunidade, é possível ganhar a vida com um pequeno empreendimento que você construiu. O evidente uso que a Amazon faz de outros fluxos de receita para proporcionar preços de varejo abaixo dos custos está ameaçando a premissa das pequenas empresas.

Isso está dentro da lei? Bem, sim e não. Se o objetivo do jogo da Amazon for baixar os preços para eliminar a concorrência, e depois aumentar os preços uma vez que eles tenham afunilado o mercado, então não. Isso se chama precificação predatória, e é ilegal segundo as leis antitruste dos Estados Unidos. Mas o ônus da prova é muito alto para os casos de precificação predatória, e poucos — se é que já houve algum — foram comprovados em tribunal. Além disso, como discutirei mais à frente, as leis antitruste dos Estados Unidos nos últimos quarenta anos estiveram obcecadas em manter os preços baixos. Se as ações de uma empresa, não importa quão predatórias, mantêm os preços baixos para os clientes, é altamente improvável que o governo intervenha.

Já que estamos falando de preços de livros, vamos nos aprofundar um pouco mais. Tomando este livro que você está lendo como exemplo, é assim que preços e lucro geralmente funcionam: nos Estados Unidos, o preço de capa deste livro é de 16,95 dólares. Quando a Microcosm Publishing o vende diretamente a uma livraria, a Microcosm recebe algo como 54% desses 16,95 dólares, ou cerca de 9,15 dólares. Quando um dos exemplares é vendido, a livraria guarda os outros 7,80 dólares e os usa para pagar suas contas, funcionários, e talvez até mesmo para tirar alguns centavos de lucro. Geralmente, 15% dos 9,15 dólares da Microcosm vão para mim, o autor. Então, se você comprou este livro a preço cheio, obrigado pela sua contribuição de 2,54 dólares para as economias do autor Danny Caine. Já sem a minha fatia, a Microcosm recebe 6,61 d ólares para imprimir e comercializar o livro, além de pagar funcionários e contas. Como este é um livro de uma editora independente, ao comprá-lo você está contribuindo para a economia local de Portland ao ajudar a Microcosm, uma pequena empresa, a oferecer empregos e movimentação econômica. Se você comprou de uma livraria local, haverá o mesmo efeito em qualquer economia para a qual essa livraria estiver contribuindo. Você também contribuiu com uma pequena parte para quem imprimiu o livro e para as pessoas que o levaram do estoque da Microcosm à livraria. Seus 16,95 dólares foram distribuídos entre muitas empresas, pessoas e economias locais. Essa divisão da torta editorial, assim como grande parte do mundo dos livros, é o que a Amazon se esforça para bagunçar.

Digamos que um cliente queira o novo romance policial do escritor de best-sellers Dean Koontz. Ele poderia comprá-lo na Amazon. Poderia comprá-lo da livraria que fica dentro da Columbus Circle, em Nova York. Poderia baixá-lo no seu Kindle. Poderia baixá-lo da Audible. Se gostar do livro, ele poderia publicar um post a respeito no Goodreads. Todas essas são formas perfeitamente normais de interagir com um livro. E, nesse caso em particular, também todas essas são maneiras de dar dinheiro a um dos homens mais ricos do mundo. Cada uma dessas maneiras de se relacionar com um novo livro de Koontz beneficia a Amazon. Mas isso nem chega a ser surpreendente. Só que, no caso de Dean Koontz, há algo mais: ele também assinou um contrato para que um selo editorial da Amazon agora publique seus livros. Não importa como um cliente compra um novo livro de Dean Koontz: mesmo que ele escolha comprar de uma livraria indepe ndente, o dinheiro vai para a Amazon. Qualquer novo livro de Dean Koontz é editado, impresso, publicado, comercializado e vendido por uma única empresa. Ele parece saber disso, pois foi citado no Wall Street Journal, dizendo: “Tivemos sete ou oito ofertas, mas a Amazon ofereceu o plano de marketing mais completo, e esse foi o fator decisivo”1. O plano é completo porque a Amazon pode fazer tudo o que precisa ser feito pelo livro. Um único livro, uma única empresa em cada etapa. Tradicionalmente, uma editora, uma livraria, um atacadista e uma transportadora são quatro entidades diferentes que têm uma fatia na venda de um livro. São quatro empresas diferentes que podem ganhar dinheiro com um único título. Mais fatias da torta. Mas, com os a cordos exclusivos da Amazon, como o que foi feito com Koontz, a torta nem chega a ser fatiada. Koontz recebe sua porcentagem de royalties e a Amazon fica com todo o resto da torta. Até mesmo o transporte do livro pode acontecer inteiramente em caminhões e aviões controlados pela Amazon. Lembra daquela história em que várias pequenas empresas e economias locais recebiam uma parte do preço do livro? Já era. Depois de dar a Dean Koontz uma pequena fatia, a Amazon come o resto. E certamente ela adoraria fazer isso com mais autores. A Amazon não gosta de dividir tortas.

Além da menor quantidade de fatias dessa torta financeira, o controle de todos os aspectos do ciclo de vida de um livro por uma única empresa também pode representar um perigo teórico: a consolidação do poder e da influência, especialmente no que diz respeito aos livros, raramente leva a mais liberdade de expressão. Se uma única empresa tem controle sobre cada etapa de publicação e venda de um livro, é natural que essa única empresa molde qualquer aspecto desse livro para se adequar aos seus propósitos. Da mesma forma que um governo totalitário silencia vozes dissidentes, uma indústria editorial totalitária silenciará qualquer voz que não sirva aos seus algoritmos. Uma troca livre e sadia de diferentes perspectivas e vozes não pode prosperar se uma empresa com tendências totalitárias vigiar cada etapa da produção, edi ção e distribuição de cada livro.

Tudo isso — desde os preços potencialmente predatórios da Amazon até a consolidação dos seus livros — coloca uma tremenda pressão sobre as livrarias independentes. As pessoas muitas vezes recuam quando dizemos a elas o preço de um livro. Algumas até nos dizem o quanto é mais barato na Amazon. Outra coisa que ouvimos o tempo todo: que um cliente jura ter visto na internet uma versão em brochura de um livro que só está disponível em capa dura. É assim que funciona o ciclo das edições em brochura e capa dura nas empresas que jogam conforme as regras: nos Estados Unidos, as editoras lançam versões mais baratas em brochura dos livros apenas quando as versões mais caras, em capa dura, pararam de vender. Quando um livro como Um lugar bem longe daqui se torna um grande sucesso em capa dura, o editor não precisa publicar uma versão mais barata, pois a capa dura ainda está gerando dinheiro. É frustrante para os clientes, claro. Ainda assim, a grande maioria das brochuras aparece menos de um ano após as versões de capa dura terem sido lançadas. Mas alguns best-sellers são complicados porque podem seguir vendendo por dois ou três anos, ou até mesmo para sempre, na versão mais cara.

Muitas vezes, edições em brochura dos livros aparecem antes na Europa e vão parar nos marketplaces da Amazon nos Estados Unidos. Antes dos lançamentos em capa dura, as editoras também distribuem edições de cortesia, em brochura, para livreiros, jornalistas e influenciadores, para criar um burburinho. Parte dos acordos que firmamos com as editoras é uma promessa de não vender brochuras europeias nem exemplares de cortesia aos nossos clientes. Se descumpríssemos esse acordo, sofreríamos alguma penalidade dos nossos fornecedores. Mas o negócio é o seguinte: ainda surgem com bastante frequência aqueles clientes que dizem “Eu juro que vi a versão em brochura on-line”. E eles de fato viram. A Amazon torna excessivamente fácil que terceiros vendam brochuras europeias ou cópias antecipadas de livros que ainda estão disponíveis a penas em capa dura nas livrarias de quem segue as regras. “Por que não quebrar as regras e vender as cópias antecipadas?”, você diz. Bem, isso pode nos levar a perder nossos contratos com as editoras, e, se não recebermos os livros diretamente delas, ganhamos menos dinheiro. Para que as livrarias sejam bem-sucedidas, precisam trabalhar em conjunto com as editoras. Além disso, uma pequena livraria não tem poder suficiente para sair ilesa de uma briga com uma editora. A Amazon, por outro lado, tem todo o poder do mundo: nos Estados Unidos, ela representa 50% das vendas totais de livros e 75% das vendas de livros on-line. Que editor estaria tranquilo em perder metade de suas vendas por causa de uma discussão sobre brochuras europeias e cópias antecipadas? Então, em última análise, a impressão que a Amazon dá aos nossos clientes é de que pode oferecer algo que nós nã ;o podemos.

Um caso semelhante — a perspectiva falsa de que a Amazon pode vender um produto que não podemos — ocorreu no período que antecedeu o lançamento de Os testamentos, de Margaret Atwood. Foi um livro extremamente aguardado, a tão comentada sequência de O conto da aia. Para lançamentos tão cobiçados como esse, as livrarias têm de assinar uma declaração juramentada antes mesmo de poderem encomendar suas cópias, prometendo não colocar o livro à venda antes da data de lançamento. Para esse livro, o termo que assinamos foi particularmente rigoroso: “Você deve garantir que o livro seja armazenado em área monitorada, protegida e trancada, fora do andar de vendas, até a data do lançamento”. O que acontece se quebrarmos o acordo? Segundo o documento:

“Qualquer loja que viole as restrições contidas nesta declaração estará sujeita ao seguinte: (i) será responsável por todo e qualquer dano incorrido como resultado de tais violações; (ii) a Penguin Random House (prhprh) poderá restringir a loja do fornecimento, no todo ou em parte, de Os testamentos, de Margaret Atwood. Além disso, reconhecemos e concordamos que tal violação pode causar danos irreparáveis à prhprh e ao autor; que os danos monetários podem ser inadequados para compensar as violações; e que, além de quaisquer outros recursos que possam estar disponíveis em lei, em equidade ou não, a prhprh e/ou o autor poderão obter medida cautelar, sem necessidade de comprovação dos danos reais ou da prestação de qualquer caução.”

Então, se violarmos o termo assinado, um juridiquês assustador esperará por nós. Na prática, se formos pegos vendendo um livro antes da data de lançamento, enfrentaremos consequências como remessas atrasadas de outros grandes livros, o que nos faria perder vendas cruciais na primeira semana. Poderemos até perder nossa parceria com aquela editora, ou, de acordo com a declaração juramentada, ter de ressarcir os danos reais causados. Essas consequências são assustadoras, mas não é difícil para nós simplesmente não colocar o livro à venda antes da data de lançamento. Assumimos esse compromisso o tempo todo. Todo mundo também assume. Mas daquela vez as coisas seriam diferentes.

A primeira vez que ouvimos falar disso foi num post curto, num grupo fechado de livrarias independentes no Facebook, numa terça-feira, 3 de setembro de 2019. Uma nova dona de livraria havia encomendado Os testamentos numa pré-venda na Amazon. Isso aconteceu antes mesmo de ela ter uma livraria, antes de ela ser doutrinada no rancor que todos nós da indústria do livro mantemos contra essa empresa que às vezes chamamos simplesmente de “A”. Mas o que nos chateou não foi o fato de ela ter encomendado os livros na megaempresa de Bezos. O que nos chateou foi o fato de que ela o fez na terça-feira, 3 de setembro, uma semana antes da data de lançamento. Essa foi uma péssima notícia. Fui dormir naquela noite esperando que fosse apenas um incidente isolado. Não foi.

Acontece que aquela compra era o sintoma de um problema muito maior. Ainda não se sabe quantas cópias de Os testamentos foram enviadas antes da data, mas foram muitas. Embora não tenha declarado a fonte da informação, o jornal The Guardian acredita que oitocentas cópias tenham vazado. Leitores fizeram posts entusiasmados nas redes sociais falando de suas cópias antecipadas. As livrarias independentes começaram a fazer barulho, e por uma boa razão.

O envio antecipado de livros pela Amazon foi ruim em muitos aspectos: em primeiro lugar, quebrou as regras. Todo varejista que queria vender Os testamentos teve de assinar aquela declaração bastante rigorosa, jurando manter os livros literalmente encarcerados até 10 de setembro de 2019. Em segundo lugar, o lançamento antecipado deu às agências de notícias permissão para publicar resenhas e trechos da obra, acabando com a aura de segredo e mistério acerca do que acontece no livro. Em terceiro lugar, deixou a impressão de que as pessoas podem obter um livro mais rápido se encomendarem na Amazon em vez de comprar na livraria independente, mais lenta e cara. Nós já lutávamos constantemente para convencer as pessoas a gastar mais em livros. Agora, parecia que teríamos de lutar também para fazer as pessoas esperarem mais tempo para obter esses livros.

Tudo que ouvimos da editora de Atwood foram variações de respostas vagas sobre o fato de que estavam tratando do assunto. O livro vendeu bem na Raven, mas não foi, como esperávamos, o maior lançamento da temporada de outono. E não posso deixar de me perguntar se o lançamento bagunçado esvaziou o entusiasmo sobre o livro. Independentemente disso, Os testamentos sempre me lembrará de uma época em que a Amazon se safou de algo pelo qual seus concorrentes menores teriam sido punidos com severidade.

E essa é a questão: a Amazon é grande demais para ser punida. Na luta entre uma grande editora e a Amazon, todo o poder vai para a Amazon porque as grandes editoras precisam dela. Como qualquer indústria, o mercado editorial é dominado por grandes empresas. Metade das vendas de livros nos Estados Unidos acontece na Amazon, e as cinco principais editoras (Penguin Random House, HarperCollins, Simon & Schuster, Hachette e Macmillan) são responsáveis, segundo algumas estimativas, por 80% das vendas de livros. Uma briga entre uma editora das Big Five e a empresa de Bezos certamente enviaria ondas sísmicas para todo o setor, mas ter a metade das vendas totais de livros concede à Amazon toda a vantagem. Em 2014, a megavarejista entrou numa disputa motivada por e-books com a Hachette. Ambas as empresas queriam ter a palavra final sobre os preços dos e-books da Hachette. O esfor& ccedil;o da Amazon em mostrar seu poder a qualquer custo interessa mais que os detalhes da briga: ela atrasou as entregas de todos os livros da Hachette e ocultou a pré-venda de seus livros, o que certamente afundou as vendas da editora2. Mais de trezentos autores escreveram uma carta exortando “a Amazon, nos termos mais contundentes possíveis, a parar de prejudicar a subsistência dos autores sobre os quais ela construiu seu negócio”3, Na resolução da disputa, a corporação de Bezos acabou concedendo à Hachette o direito de definir os preços dos e-books, mas o estrago estava feito.

A Amazon mostrou, com sucesso, seu enorme poder de esgarçar o mercado editorial como um todo. Para a maioria das editoras, é impossível se afastar de um fornecedor que responde por metade das vendas de livros nos Estados Unidos. Muitas editoras sentem isso: ambivalência (ou ódio) em relação à Amazon, junto com uma aceitação relutante de que não se pode perder as vendas que ela oferece. Para mim, isso é sinal de que uma empresa já ficou grande demais, a ponto de manter um setor inteiro preso em suas mãos.

Essas histórias dizem respeito apenas à grande indústria livreira. Aparentemente, todos os dias as livrarias independentes são lembradas do enorme poder da Amazon. Durante o julgamento do impeachment de Donald Trump no Senado, surgiram notícias de que o ex-assessor de segurança nacional John Bolton não só havia escrito um livro, mas que ele continha revelações bombásticas sobre o caso da Ucrânia4. Naquele momento, as únicas coisas que as livrarias independentes tinham ouvido a respeito do livro de Bolton eram boatos de uma grande negociação. Mas, tão logo o New York Times publicou uma reportagem, uma página de pré-venda apareceu na Amazon. Quando tudo o que sabí amos eram rumores nebulosos, a editora de Bolton já havia dado à Amazon um título, capa, isbn e sinopse: tudo de que ela precisava para começar a ganhar dinheiro. Num circuito vertiginoso de informações, repleto de notícias bombásticas, as primeiras 24 horas após qualquer revelação são absolutamente cruciais para se ganhar dinheiro com tais livros. A ravenbookstore.com puxa automaticamente dados da Ingram, a maior atacadista do setor. O fato de a Amazon ter esses dados antes mesmo da Ingram tê-los enviado automaticamente para o meu site (ou qualquer outro site de livrarias independentes) significa que ela teve prioridade no conhecimento da existência desse livro. Embora eu pudesse ter pegado os dados da Amazon, adicioná-los ao meu site teria sido um processo manual trabalhoso, e cada minuto conta no circuito das notícias bombásticas. As informações final mente chegaram à Ingram três dias após serem divulgadas pela Amazon. Não recebemos nenhum pedido nessa pré-venda. Porém, não é apenas nas pré-vendas que a empresa de Bezos está causando “disrupção”; ela está de olho em coisas tão universais quanto a aparência dos livros.

A Amazon, e sua enorme fatia do mercado, está mudando até mesmo a forma como os livros são diagramados. De acordo com o Vulture, portal de cultura ligado à revista New York, “num momento em que metade de todas as compras de livros nos Estados Unidos é feita na Amazon — e muitas delas pelo celular —, a primeira função de uma capa de livro, depois de indicar o conteúdo interno, é ter ótima aparência em miniatura”. Se você notou recentemente que há um monte de romances com títulos em negrito formando um bloco sobre fundos estampados vibrantes, é porque essas capas ficam boas numa tela de computador. “Se os livros passam por eras de design, estamos na era das estampas impactantes e dos títulos inchados. E podemos agradecer à internet.5” A Amazon tem noção do poder de uma boa capa que se adeque ao site, e faz uso desse conhecimento com grande sucesso. A revista Publishers Weekly analisou os resultados de um estudo do Codex Group, que mensurou de que maneira as capas de livros estimulavam os leitores a examinar seu conteúdo. Mais de cinquenta capas foram mostradas a mais de quatro mil consumidores ao lado de um botão “Leia mais”. Um clique no “Leia mais” contava como uma folheada. Oito dos dez livros mais clicados eram títulos publicados pela Amazon, com capas projetadas pela Amazon6. Eles sabem o que estão fazendo ao remodelar o visual dos livros.

A decisão mais insignificante dessa empresa é o suficiente para gerar pânico em todos no mercado editorial. De acordo com um editorial da revista n+1, “a Amazon continua capaz de revirar e sabotar p setpr e suas práticas com pouco mais de um empurrãozinho no algoritmo”7. Exemplos disso são abundantes, mas aqui vai um: no início do crucial quarto trimestre de 2019, a Amazon começou, de repente, a fazer pedidos muito menores que os do ano anterior para o mesmo mês8. A empresa alegou estar com problemas de recursos. Uma editora independente disse que, se as encomendas da Amazon não chega ssem ao mesmo nível do que vinha sendo o padrão de pedidos dos anos anteriores num prazo de duas semanas, “nós poderíamos perder toda a temporada de férias”. Para quem trabalha com varejo, a temporada de férias é quando os lucros acontecem, se de fato acontecerem. Perder a temporada de férias significa aumentar as dívidas, demitir funcionários e fazer ajustes difíceis no planejamento de todo o ano seguinte. Eis uma empresa independente com receio de perder a época mais importante do ano simplesmente com base numa decisão tomada por um único varejista. Esse pânico ecoou em muitos negócios similares. O problema entre a Amazon e o mercado editorial é o problema de a Amazon ter se tornado grande demais, e seu crescimento não parecer desacelerar.

Em última análise, a Amazon interfere e subverte praticamente todos os aspectos da indústria do livro. Conceitos tradicionalmente aceitos, como precificação, design e prazos de entrega, têm menos credibilidade devido ao domínio e às ambições da Amazon. Embora o setor do livro esteja longe de ser perfeitao, as diretrizes a respeito de datas de lançamento e preços favorecem a concorrência e a inovação num mercado de margem baixa, e o desaparecimento dessas convenções põe em risco as pequenas empresas e livrarias independentes. Mas a Amazon convive bem com o risco, especialmente se voltarmos nossa atenção ao que ela espera dos trabalhadores que tornam possível tanta “disrupção”.

1 Alex Shephard, “Can Amazon Finally Crack the Best-Seller Code?”, The New Republic,

16 jan. 2020.

2 Carolyn Kellogg, “Amazon and Hachette: The Dispute in 13 Easy Steps”, Los

Angeles Times, 3 jun. 2014.

3 Judith Rosen, “Authors Pen Open Letter to Amazon about Hachette Dispute”,

PublishersWeekly, 3 jul. 2014.

4 O autor se refere às memórias de Bolton, publicadas em junho de 2020 com o título The Room Where it Happened: A White House Memoir. O New York Times obteve o original vazado cinco meses antes, em janeiro de 2020. No livro, Bolton acusava Trump de congelar 391 milhões de dólares em auxílios à Ucrânia até que as autoridades ucranianas ajudassem a investigar membros do Partido Democrata, em especial Joe Biden — então ex-vice-presidente dos Estados Unidos — e seu filho Hunter, que havia trabalhado numa empresa de energia ucraniana. [n.e.]

5 Margot Boyer-Dry, “Welcome to the Bold and Blocky Instagram Era of Book Covers”,

Vulture, 31 jan. 2019.

6 Jim Milliot, “Judging a Book by Its Title”, PublishersWeekly, 7 fev. 2020.

7 “Smorgasbords Don’t Have Bottoms”, n+1, n. 36, 26 fev. 2020.

8 Jim Milliot, “Amazon Reducing Orders to Publishers”, PublishersWeekly,

11 nov. 2019.

Na palma da mão, os sonhos do mundo https://bit.ly/3Ye45TD

No meu Twitter

Evangélicos de diversas correntes já constituem um terço da população brasileira. Em geral sob influência política ultra conservadora. Um tremendo desafio para as forças que se batem por transformações progressistas sem qualquer preconceito religioso.

Os múltiplos fatos do cotidiano  https://bit.ly/3Ye45TD

Minha opinião

Não pode ser rápido feito um raio

Luciano Siqueira

Como de costume, com frequência que intercala sondagens feitas pelos diversos institutos e mediante diferentes metodologias, divulgam-se pesquisas de avaliação do governo.

Há duas observações comuns a todas elas, que se depreendem dos números: a sociedade brasileira segue dividida quase que ao meio; e o governo Lula gradativamente conquista novos índices positivos junto à população.


Agora, pesquisa Poder-Data, realizada através de ligações telefônicas, indica que 48% aprovam a gestão e 45% reprovam.


Já na AtlasIntel, feita pela internet, 51,5%  aprovam o governo Lula e 46% o reprovam.

Cabe analisá-las nos detalhes — o que se vê na mídia impressa e virtual, incluindo o portal Vermelho https://tinyurl.com/2unztm5n 

Aqui apenas saliento que a tendência é o governo conquistar progressivamente o apoio de faixas mais amplas da população, mas não de imediato.

Qualquer expectativa açodada não bate com a realidade. Não é simples superar os escombros do período Temer-Bolsonaro e concretizar  plenamente a agenda da reconstrução nacional.

Dito de outra forma, o atual governo Lula tem como missão central efetuar a transição a uma situação nova — vale dizer um próximo governo — em que se possa efetivamente obter conquistas de caráter progressista mais amplas e consistentes.

A paz como subproduto da guerra  https://bit.ly/3Ye45TD

28 setembro 2023

Palavra de poeta: Marcelo Mário de Melo

A PONTE

Marcelo Mário de Melo*


A poesia na esquina 
entre faixas de pedestre 
sinais de trânsito 
outdoors
camelôs
mendigos.


Fazendo a ponte 
com a paisagem 
o sol 
as águas 
a lua 
as estrelas  
o riso e as inconveniências 
dos loucos e das crianças.


Nos desvãos da incongruência.
Nos clarões da convergência.


[Ilustração: Thomas Struth]


*Jornalista, poeta
Uma eterna roda vida https://bit.ly/3Ye45TD

Alemanha declina

A recessão alemã
A guerra na Ucrânia se prolonga, e a recessão alemã veio para ficar, afetando o continente inteiro
Flávio Aguiar/A Terra é Redonda

Durante décadas a Alemanha foi a menina dos olhos da economia europeia. Seus pilares eram uma grande estabilidade monetária com um mínimo de inflação, juros baixos, um sistema de transporte muito eficiente, um padrão de consumo interno alto e estável, uma pauta de exportações e importações de alto padrão e last but not least, um equilíbrio político de espírito “conservador ilustrado” tido como inabalável, com a alternância ou combinação entre social-democratas (SPD), verdes (Bündnis 90/Die Grúnen) e as uniões cristãs, a social da Baviera (CSU) e a democrata (CDU) do resto do país, além da presença eventual do liberal FDP.

No SPD predominava uma visão marcadamente neoliberal, o que garantia que nenhuma oposição de peso viria aos planos de austeridade fiscal implementados, a não ser por parte de uma esquerda reduzida a um nicho de tendências divididas. Pelo contrário, muitas das reformas “austeras” foram implementadas pelo governo Social-Democrata/Verdes no começo doséculo XXI.

Com tais predicados, o governo de Berlim tornou-se o fiel da balança da União Europeia e do continente como um todo, exercendo uma parceria sobretudo com Paris. A chanceler Angela Merkel e seu implacável ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, foram as molas mestras para dobrar, neutralizar e inviabilizar as propostas do governo grego de esquerda, liderado por Alexis Tsipras e seu partido, Syriza.

Ela e Nicolas Sarkozy tiveram uma influencia decisiva para impedir que o estilo histriônico do italiano Silvio Berlusconi se tornasse a marca principal da política europeia. Ao contrário, Angela Merkel transformou a austeridade – para além da fiscal – no brasão político mais importante da Europa no começo do século XXI. Ao mesmo tempo, a Alemanha tornou-se o carro-chefe da economia continental, graças à sua variada pauta de importações e exportações.

Dos dez países que mais importam da Alemanha, oito são europeus: os outros dois são a China e os Estados Unidos. Os mesmos números e as duas exceções se repetem na coluna das exportações. A economia continental europeia está presa à alemã como um comboio na locomotiva, ou… um peixe no anzol.

De repente, não mais que de repente, este belo edifício mostrou frinchas e rachaduras nos alicerces, e hoje ameaça desequlibrar-se, arrastando o continente inteiro. A inflação subiu meteoricamente, de quase 0% para quase 10% ao ano, em média: no setor de alimentos, 20% e na energia, 40%. A demanda interna caiu, a externa adernou perigosamente com as oscilações da economia chinesa e a pressão protecionista dos Estados Unidos. A indústria alemã, carro-chefe das exportações e importações, sobretudo de veículos, auto-peças e acessórios, de produtos farmacêuticos, artefatos elétricos, aviões e helicópteros, além de outros, entrou em depressão. No começo de 2023 o FMI previu uma retração de 0,1% na economia do país. Depois aumentou-a para 0,2% e agora a previsão está em 0,4% negati vos.

Como assim?, perguntam-se todos. O que aconteceu? As respostas são várias e variadas, mas há alguns pontos de convergência.

Em geral se apontam as consequências da guerra na Ucrânia como o principal fator inflacionário, sobretudo nos setores já em destaque: alimentos e energia. Com a redução das importações de grãos e óleos da Ucrânia, o preço de produtos agrícolas foi para as nuvens. Muitos dos fertilizantes dados na Europa vinham da Rússia: a fonte secou. E a indústria alemã dependia fortemente das importações de gás russo; com as sanções econômicas impostas à Rússia esta apertou a torneira do fornecimento, além de os gasodutos que ligavam um país ao outro terem sofrido atentados até hoje sem explicação oficial.

Os Estados Unidos acusaram a Rússia de sabotar seus próprios gasodutos. O jornalista norte-americano Seymour Hersh publicou artigo apontando os Estados Unidos como os principais responsáveis pelo atentado, com a colaboração ds Dinamarca. Mais tarde, na mídia alemã divulgou-se a hipótese que a Ucrânia ou pelos menos ucranianos fossem os executores do atentado, com colaboração norueguesa. Seguiu-se um silêncio melancólico: esta hipótese comprometia a imagem de “vítima” que a mídia europeia acalenta diariamente sobre a Ucrânia e seu governo. Todos os mencionados negaram qualquer responsabilidade. Hoje aquele silêncio tornou-se oceânico, recobrindo os atentados. Ninguém mais fala neles.

Apesar das declarações otimistas em contrário, o efeito imediato da quebra no fornecimento de gás russo sobre a indústria alemã foi muito pesado. O governo alemão, liderado pelos social-democrata Olaf Scholz, hesitou muito em aderir ao apoio militar à Ucrânia. Tinha razão em hesitar. Embora não haja reconhecimento oficial a respeito, ficou evidente que a Alemanha não estava preparada, nem política nem economicamente, para entrar na guerra, mesmo indiretamente neste conflito contra a Rússia, terceirizado pelo Ocidente. Esta e suas consequentes sanções econômicas impostas a seus aliados pelos Estados Unidos não estão conseguindo quebrar a Rússia, que correu para debaixo da asa protetora da China. Ao contrário, seu efeito bumerangue pode muito bem ajudar a aleijar, senão quebrar a Alemanha.

Há outros fatores menos evidentes entre as raízes da crise. A pandemia atingiu duramente o comércio, provocando o fechamento inicial de pequenas lojas e logo depois também de algumas grandes, com o aumento exponencial de compras pela internet, que permanece em alta. As reformas de inspiração neoliberal implementadas no começo do século, com o aperto da “austeridade” nos investimentos sociais e a compressão das aposentadorias, começam a cobrar seu preço, diante de uma população cujo envelhecimento cresce a olhos vistos.

Para completar este quadro sombrio, as intenções de voto no partido Alternative für Deutschland, AfD, de extrema direita, anti-União Europeia, ameaçador para imigrantes e refugiados, crescem assustadoramente, sobretudo nos estados da antiga Alemanha Oriental e entre os jovens, região e setor mais duramente atingidos pelo desemprego e pela queda no poder aquisitivo. O AfD está em segundo lugar nas pesquisas, atrás apenas da CDU que, pressionada pela deserção de eleitores em direção àquele partido, vem tornando seu programa cada vez mais conservador. Não há risco imediato para as instituições democráticas da Alemanha, mas já há coriscos e trovoadas na linha do horizonte.

De começo, todos os partidos políticos se negaram a colaborar com o AfD. Agora, já se ouvem vozes dentro da CDU falando nesta colaboração, seguindo o modelo do Partido Popular, na Espanha, que se coligou ao ultra-direitista VOX, que se proclama herdeiro de Franco e dos Cavaleiros Templários da Idade Média.

Hoje em dia as previsões e declarações mais otimistas arrefeceram. A guerra se prolonga, e a recessão alemã veio para ficar, afetando o continente inteiro. A questão mais relevante é o quanto ela vai durar. E até o momento não há bola de cristal que arrisque seu pescoço numa previsão.

Uma eterna roda vida https://bit.ly/3Ye45TD

Humor de resistência: Céllus

 

Céllus

A cada degrau, indo e vindo https://bit.ly/3Ye45TD

Arte é vida

 

Luciano Pinheiro

A vida é uma interminável obra de arte https://bit.ly/3Ye45TD


Socialismo na China

Um tema atual. Uma abordagem fundamentada. 
Esclarecedora. Veja.

Tudo o que importa vale debater  https://bit.ly/3Ye45TD

Greve de atores e roteiristas

Sindicato encerra greve após acordo com estúdios de Hollywood
Após 146 dias de paralisação, o sindicato dos roteiristas dos EUA anunciou o fim da greve nesta terça (26). Roteiristas apoiaram a greve dos atores
Lucas Toth/Vermelho

O sindicato dos roteiristas dos Estados Unidos (WGA, em inglês) aprovou, nesta terça (26), por unanimidade, o fim da greve depois de 147 dias de paralisação.

A WGA negociava com os representantes dos estúdios de Hollywood, a Aliança dos Produtores de Filmes e Televisão (AMP, na sigla em inglês), por melhores condições de trabalho, aumento salarial e medidas protetivas contra a inteligência artificial.

A categoria argumentava que os salários e as condições de trabalho foram prejudicados a partir da revolução do streaming, que resultou em temporadas de TV mais curtas e pagamentos residuais menores.

A decisão de encerrar a greve surge dois dias as duas entidades concluírem com sucesso as negociações para um novo contrato de três anos, o MBA (Minimum Basci Agreement).

A cada três anos o sindicato do roteiristas renovam o MBA com a AMP). No entanto, em 2023, as partes não chegaram a um acordo e a categoria entrou em greve assim que o contrato do último triênio expirou.

Ao longo da greve, extensas tratativas chegaram a acordos em pontos cruciais, incluindo o uso da inteligência artificial no processo criativo, requisitos mínimos de contratação para as equipes de roteiristas e os royalties provenientes das plataformas de streaming.

“Podemos dizer, com grande orgulho, que este acordo é excepcional – com ganhos significativos e proteções para roteiristas em todos os setores de nossa filiação”, afirmou o WGA em um e-mail a seus membros, segundo a revista “Variety”, no dia.

A votação para a ratificação do acordo está programada para ocorrer entre os dias 2 e 9 de outubro, quando os cerca de 11,5 sindicalistas poderão votar.

Até lá, o WGA realizará reuniões presenciais e virtuais com seus membros para detalhar os termos do contrato. Com o forte apoio do comitê de negociação do WGA, a expectativa é que o acordo seja ratificado sem dificuldades pelos membros.

Iniciada em maio, esta é a segunda maior paralisação da história da entidade americana. Desde então, a categoria recebeu apoio do Sindicato dos Atores (SAG, na sigla em inglês), que também iniciou greve em julho, na maior manifestação trabalhista de Hollywood desde os anos 1960.

O SAG parabenizou o WGA pelo acordo provisório, mas afirmou que continua em greve até que suas próprias negociações com a AMPTP.

Apoio aos atores

Apesar do sucesso das negociações entre os estúdios e o sindicato dos roteiristas, a categoria instruiu seus membros a apoiarem os atores.

“Para ficar claro, ninguém deve retornar ao trabalho até receber autorização específica. Até então, a greve continua. No entanto, a partir de hoje, os piquetes do WGA foram suspensos. Em vez disso, se tiver a oportunidade, encorajamos você a se unir aos piquetes da SAG-AFTRA (sindicato dos atores) durante esta semana.”

Na palma da mão, os sonhos do mundo https://bit.ly/3Ye45TD

Desavença

Depois de criticar a família Bolsonaro pelo uso de cargos públicos permanentemente, o governador Zema é chamado de insosso e malandro com cara de pastel pelo vereador Carlos Bolsonaro. Pelo visto é mais um pato arrependido.

Sylvio Belém

No meio do caminho tem uma pedra https://bit.ly/3Ye45TD

Palavra de poeta: Luís Sepúlveda

AS MULHERES DE MINHA GERAÇÃO

Luís Sepúlveda



As mulheres de minha geração abriram suas pétalas rebeldes
Não de rosas, camélias, orquídeas ou outras flores.
De frivolidades tristes, de casinhas burguesas, de costumes anexos
Mas de polens peregrinos entre ventos
Porque as mulheres de minha geração floresceram nas ruas,
Nas fábricas se fizeram fiandeiras de sonhos
No sindicato organizaram o amor segundo seus sábios critérios
Ou seja, disseram as mulheres de minha geração,
cada uma segundo a sua necessidade e capacidade de resposta
Como na luta golpe a golpe e no amor beijo a beijo
Em escolas argentinas,chilenas ou uruguaias
aprenderam o que tinham que saber para o saber glorioso
das mulheres de minha geração
Mini-saias em flor nos anos setenta
as mulheres de minha geração não ocultaram nem as sombras
de suas coxas de fora como as de Tânia
Erotizando com o maior dos calibres
os caminhos duros da hora marcada com a morte
Porque as mulheres de minha geração
beberam com vontade o vinho dos vivos
acudiram a todos os chamados
e foram a dignidade na derrota
Nos quartéis lhes chamaram de putas e não as ofenderam
porque vinham de um bosque de sinônimos alegres:
Minas, Brotos, Gatas, Moças, Pequenas, Gurias, Garotas, Velhas, Senhoras
Senhoritas, Panteras
Até que elas mesmas escreveram a palavra Companheira
em suas costas e nas paredes de todos as celas
Porque as mulheres de minha geração
nos marcaram com o fogo indelével de suas unhas
a verdade universal de seus direitos
Conheceram a prisão e os golpes
Habitaram em mil pátrias e em nenhuma
Choraram seus mortos e os meus como se fossem seus
Deram calor ao frio e ao cansaço desejos
À água sabor e ao fogo a direção correta
As mulheres de minha geração pariram filhos eternos
Cantando "summertime" os amamentaram
Fumaram marijuana nos poucos descansos da luta
Dançaram o melhor do vinho e beberam as melhores melodias
Porque as mulheres de minha geração
Nos ensinaram que a vida não se oferece em borbotões companheiros
Porém de golpe e até o fundo das conseqüências
Foram estudantes, mineiras, sindicalistas , operárias,
artesãs , atrizes,guerrilheiras, até mães e parceiras
nos raros tempos livres da luta de Resistência
Porque as mulheres de minha geração só respeitaram os limites que
superavam todas as fronteiras
Internacionalistas de carinho, brigadistas do amor,
delegadas de dizer te amo, milicianas da caricia
Entre uma batalha e outra as mulheres da minha geração se deram toda
E disseram que isso ainda era pouco.
Declararam-nas viúvas em Córdoba e Tlatelolco.
Vestiram-nas de negro em Porto Montt e São Paulo
E em Santiago, Buenos Aires ou Montevidéu
foram as únicas estrelas na longa noite clandestina.
Suas prisões não são prisões porém uma forma de viver para o que der e vier.
As rugas que aparecem em seus rostos
dizem tenho sorrido e chorado e voltaria a fazê-lo.
As mulheres de minha geração
Ganharam alguns quilos de razões que se grudam em seus corpos
Se movem um pouco mais lentas e cansadas de esperar-nos na meta final
Escrevem cartas que incendeiam as memórias
Recordam aromas proscritos e os exaltam.
Inventam a cada dia as palavras e com elas nos empurram.
Nomeiam as coisas e nos preparam o mundo
Escrevem verdades na areia e as oferecem ao mar
Nos convocam e nos parem sobre a mesa posta.
Elas dizem pão, trabalho, justiça, liberdade
E a prudência se transforma em vergonha.
As mulheres da minha geração são como barricadas:
Protegem e animam, dão confiança e suavizam o gume da ira.
As mulheres de minha geração são como um punho cerrado
que resguarda com violência a ternura do mundo.
As mulheres de minha geração não gritam
porque elas derrotaram o silencio.
Se algo nos marca, são elas.
A identidade do século são elas.
Elas : a fé fortalecida, o valor oculto num panfleto
o beijo clandestino, o retorno a todos os direitos
Um tango na serena solidão de um aeroporto
um poema de Gelman escrito num guardanapo
Benedetti compartilhado no mundo de um guarda-chuva
os homens e os amigos protegidos com raminhos de arruda
As cartas que fazem beijar o carteiro
As mãos que sustentam os retratos de meus mortos
Os elementos simples dos dias que aterrorizam o tirano
A complexa arquitetura dos sonhos de teus netos
Isso é tudo e tudo se sustenta
Porque tudo vem com seus passos e nos chega e nos surpreende.
Não há solidão onde elas cuidam
Nem esquecimento enquanto elas cantam.
Intelectuais do instinto, instinto da razão
Prova de força para o forte e amorosa vitamina do fraco.
Assim são elas, as únicas, imprescindíveis
Sofridas, golpeadas, negadas porém invictas
Mulheres de minha geração

Na palma da mão, os sonhos do mundo https://bit.ly/3Ye45TD

No meu Twitter

Ação eleitoreira irresponsável: 93% dos empréstimos consignados concedidos pela Caixa Econômica Federal à população de baixa renda foram celebrados em outubro do ano passado. Tudo pela reeleição fracassada de Bolsonaro.

Sem eira nem beira? https://bit.ly/3Ye45TD

E agora?

Como reparar os prejuízos da Lava Jato às empresas
Mas há caminhos alternativos, explorados por Siqueira Jr, que seria o de uma negociação com as empresas.
Luis Nassif/Jornal GGN

O advogado Rodrigo Siqueira Júnior – nosso colaborador no Fened (o programa semanal da TV GGN com a Federação Nacional dos Estudantes de Direito) – desenvolveu uma tese relevante sobre os prejuízos provocados pela Lava Jato em empresas nacionais.

Sob o título “Dever de Reparação por Danos da Lava Jato: Benefício Erga Omnes”, Siqueira desenvolve o seguinte raciocínio.

Primeiro faz um levantamento sobre a irresponsabilidade jurídica do Estado brasileiro diante de danos causados a particulares.

Somente em 1946 introduziu-se a noção de responsabilidade objetiva do Estado.

No entanto, deixou-se vaga a noção da responsabilização por atos jurisdicionais. Desde o Código Civil de 1916 consagrou-se a soberania exercida pela autoridade política judiciária e sua independência. E nem se pensava na responsabilização do Estado por atos jurídicos que prejudicassem terceiros.

Apenas com a Constituição de 1988, o Estado passou a ser obrigado a indenizar “condenação de pessoa física por erro judiciário e prisão além do tempo fixado na sentença” (Art. 5o, LXXV, CF/88). Foi uma Constituição calçada na defesa dos direitos humanos e que ignorou vários ataques políticas a pessoas jurídicas, como a Varig, a TV Excelsior e outras.

A decisão do Ministro Dias Toffoli, anulando as condenações da Odebrecht, porque a operação teria “passado ao largo dos canais formais” nos acordos de cooperação internacional, muda o quadro.

O Ministro identificou a ação coordenada de agentes públicos com finalidade política, buscando inviabilizar o exercício da ampla defesa. Mencionou “desvios de função”, com danos graves a “pessoas naturais e jurídicas”, que lesaram “tecnologias nacionais, empresas, empregos e patrimônios”.

O resultado mais ostensivo da Lava Jato foi o desmonte do setor de construção pesada brasileira, que representava 50% da formação bruta de capital no país. Entre 2014 e 2017, houve queda de R$ 563 bilhões no faturamento das empresas, eliminação de 4,4 milhões de empregos, além de impedimento de trabalhar em obras públicas ou de acessar financiamentos do BNDES e acordos de leniência que chegaram ao montante de R$ 8,6 bilhões. Mesmo após os acordos, as retaliações continuaram, afugentando credores e encarecendo a tomada de dinheiro no mercado.

Na União Europeia, muitos casos de corrupção – Siemens, Volkswagen e Samsung – levaram a sanções, mas sem comprometer financeiramente as empresas, nem prejudicar os empregos. Limitaram-se ao afastamento e punição dos executivos.

Por aqui, as punições da Lava Jato e a disputa entre agências – MPF, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União, Acvocacia Geral da União – têm decretado a pena de morte das empreiteiras, ao proibi-las de negociar com o Estado.

Prossegue ele:

Houve “falta do dever de cautela, de transparência, de imparcialidade e de prudência de magistrados que atuaram na operação lava-jato” segundo Relatório Parcial dos Trabalhos da Correição Extraordinária do CNJ”.

O caminho natural seria converter a indenização em precatórios, a serem pagos em prazos longuíssimos.

Mas há caminhos alternativos, explorados por Siqueira Jr., que seria o de uma negociação com as empresas.

“O acordo poderá prever disposição da indenização devida, com reestabelecimento da situação, onerando o menos possível o erário, sob contrapartidas mútuas. Com transação destes por títulos do tesouro de longo prazo, compensáveis em pagamento de bônus de outorga e ou demonstrativos de garantias de capacidade de capital, em editais de novas PPPs e para reequilíbrio econômico-financeiro em contratos já celebrados, embargados por ações lesivas – são termos possíveis, em vista da legislação e jurisprudência atuais”.

Outro caminho seria o Estado requerer benefícios que sejam utilizados apenas em favor da empresa, incluindo até a abertura de capital, ainda que sem perda de controle, auxiliando na recapitalização e na incorporação de padrões de governança corporativa do Novo Mercado.

A responsabilização teria um viés reparatório – recuperando empresas nacionais de infraestrutura -, mas também disciplinantes.

Somos do tamanho do que enxergamos https://bit.ly/3Ye45TD

27 setembro 2023

Bryan Behr: Eu te amo

Essa canção é um traço de leveza e de simplicidade. Inspira ideias e sentimentos.

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena https://bit.ly/3Ye45TD

Josué de Castro

50 anos sem Josué de Castro mantêm seu legado vivo contra a fome
A compreensão de que a fome não é resultado da falta de alimentos ou culpa da preguiça continuam sendo um norte para políticas públicas de combate à desigualdade na distribuição da terra e das riquezas.
Cezar Xavier/Vermelho

Há exatos 50 anos, em 24 de setembro de 1973, o mundo perdia um intelectual notável, Josué de Castro, cujo trabalho teve um impacto significativo na luta contra a fome e na compreensão das causas subjacentes à insegurança alimentar. Originário do Nordeste do Brasil, Josué de Castro denunciou a miséria nas favelas e dedicou sua vida a combater a fome e suas raízes.

Seu legado deve ser lembrado, debatido e incorporado às discussões públicas sobre políticas alimentares e combate à fome. A celebração do 50º aniversário de sua morte é uma oportunidade para retomar o compromisso de combater a fome e usar o legado deixado por Josué de Castro para promover um futuro mais justo e igualitário.

Josué trouxe uma perspectiva sociopolítica para o problema da fome, lançando luz sobre as raízes socioeconômicas desse flagelo. Sua obra desafiou as explicações simplistas e deterministas então vigentes.

Nascido em 5 de setembro de 1908, na cidade do Recife, ele teve uma carreira multifacetada que incluiu ser médico, professor universitário, presidente do Conselho Consultivo da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), deputado federal, embaixador e presidente do Centro Internacional de Desenvolvimento, em Paris. Ele se tornou uma figura importante na política brasileira, especialmente nos anos 1950.

Obra monumental

Josué de Castro é mais conhecido por suas obras “Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951), nas quais analisou as causas e consequências da fome e propôs soluções para combatê-la. Seus trabalhos foram traduzidos para 25 idiomas e tiveram um impacto global, especialmente durante a Guerra Fria, quando circularam tanto nos Estados Unidos quanto na União Soviética.

“Geografia da Fome” foi especialmente inovador ao mostrar que a fome estava enraizada nas desigualdades sociais, não apenas em fenômenos naturais ou crises temporárias. O livro examinou os regimes alimentares em diferentes regiões do Brasil, destacando as questões de propriedade e relações de trabalho como fatores-chave na determinação da fome. Isso levou Josué de Castro a fazer a conexão crucial entre acesso a alimentos e renda.

Em “Geopolítica da Fome,” Josué de Castro ampliou sua análise para uma escala global, explicando os fatores geográficos, biológicos, culturais e políticos que contribuem para a fome em todo o mundo. Ele desafiou a ideia de que o aumento populacional necessariamente levaria à escassez de recursos, argumentando que a concentração de riqueza e poder era a verdadeira causa da fome.

O legado de Josué de Castro vai além de sua análise da fome. Ele ajudou a dar à fome um “estatuto político e científico”, destacando que a fome não era apenas resultado de desastres naturais, mas também de fatores políticos, como sistemas de produção e distribuição de alimentos, desigualdade social, tradições culturais e muito mais.

Quem tem medo de Josué de Castro

Josué de Castro foi exilado durante o regime militar no Brasil, mas continuou seu trabalho intelectual na França. Ele foi impedido de retornar ao Brasil e seu nome era proibido de ser mencionado. No entanto, sua influência perdura, especialmente nas discussões sobre insegurança alimentar e políticas de combate à fome.

Hoje, apesar dos avanços científicos e tecnológicos na produção de alimentos, a insegurança alimentar ainda afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. A obra de Josué de Castro continua relevante e serve como um lembrete de que a fome não é apenas um problema técnico, mas também um problema político e social que exige ação contínua.

Sua obra foi indicada três vezes ao Prêmio Nobel, em Medicina e da Paz, reconhecendo a importância de suas contribuições. Mesmo décadas depois de suas publicações, suas ideias continuam relevantes. O Brasil, um grande produtor de alimentos, ainda enfrenta problemas de insegurança alimentar e pobreza, destacando a necessidade contínua de abordar as questões que Josué de Castro levantou.

Ameaça permanente

No Brasil contemporâneo, políticas como o Bolsa Família e programas de distribuição de alimentos têm ajudado a reduzir a fome, mas a desigualdade persiste como uma das principais causas da fome endêmica. Em apenas um governo antipopular, foi possível desmontar toda a estrutura governamental de combate à fome e à insegurança alimentar, jogando 33 milhões de brasileiros na linha da miserabilidade.

Em um mundo onde a produção agrícola é mais do que suficiente para alimentar a população global, as barreiras para garantir que todos tenham acesso a alimentos adequados são políticas e econômicas. A pandemia e a guerra em um único território da Europa foi capaz de gerar uma avalanche que tornou o acesso à produção de grãos da Ucrânia e da Rússia um desafio para grande parte do mundo africano e asiático. No entanto, a preocupação com a inflação de alimentos e a insegurança alimentar de bilhões no mundo continua sendo menor que a preocupação com fabricação e comércio de armas.

Josué de Castro nos ensinou a olhar além das explicações simplistas e a questionar as estruturas que perpetuam a fome. Seu trabalho continua sendo um divisor de águas na compreensão e combate à pobreza e à fome, e seu legado deve ser lembrado e celebrado.

Acesso à terra

Sua pesquisa e ativismo em relação à distribuição desigual de terras e recursos agrícolas o levaram a defender apaixonadamente a reforma agrária como um meio fundamental para combater a fome e a pobreza. Ele via a concentração de terras como uma das principais causas da fome e da miséria em muitas regiões.

A influência de Josué de Castro não se limitou ao Brasil; ele também teve um impacto significativo em organizações internacionais, como a FAO, onde advogou por políticas que promovessem a reforma agrária como uma maneira de garantir a segurança alimentar global.

Josué de Castro tinha a visão de que a fome poderia ser erradicada por meio da redistribuição justa de terras, da diversificação da agricultura e da promoção de práticas agrícolas sustentáveis.

Os “Dez Pontos para Vencer a Fome” formulados por Josué de Castro em 1953 continuam sendo uma diretriz importante para o combate à fome e à desigualdade:

Combate ao latifúndio.

Combate à monocultura.

Aproveitamento racional de todas as terras cultiváveis circunvizinhas aos centros urbanos.

Intensificação do cultivo de alimentos sob a forma de policultura em pequenas propriedades.

Mecanização da lavoura.

Financiamento bancário adequado e suficiente da agricultura.

Progressiva diminuição até extinção absoluta da isenção de impostos para as terras destinadas à produção de alimentos.

Amparo e fomento ao cooperativismo.

Estudos técnicos para o conhecimento mais amplo do valor dos recursos ambientais.

Planejamento de uma campanha de âmbito nacional para a formação de bons hábitos alimentares.

Esses pontos demonstram o compromisso de Josué de Castro em abordar a fome não apenas como um problema técnico, mas como uma questão política e social que exige mudanças profundas na forma como a agricultura é conduzida e como os recursos são distribuídos.

Aqui estão algumas das principais ideias expressas por Josué de Castro:

Alterações Ecológicas no Nordeste Açucareiro: Josué de Castro observou como a paisagem natural do Nordeste brasileiro, outrora coberta por florestas tropicais, foi drasticamente transformada pela ação humana, especialmente pela expansão da produção de açúcar. Ele enfatizou a importância de compreender como as ações humanas podem desequilibrar ecossistemas e alterar as condições naturais, levando a consequências ambientais significativas.

Conflito Interior e Fome: Josué de Castro explorou a relação entre a fome e os impulsos humanos. Ele descreveu os estados de espírito extremos no sertão nordestino como manifestações de um conflito interior entre os instintos básicos de sobrevivência (fome) e outros desejos e aspirações humanas. Isso reflete a complexidade da condição humana e os desafios enfrentados por aqueles que lutam para satisfazer necessidades básicas.

Desenvolvimento Econômico: Josué de Castro argumentou que o Brasil precisava avançar além de sua infraestrutura econômica pré-capitalista, que ainda mantinha grande parte de sua população em condições precárias. Ele via a erradicação da fome como um desafio crucial para a atual geração e como um símbolo da superação do subdesenvolvimento. Sua visão era de que o país deveria se modernizar e garantir que todos os cidadãos tivessem acesso a alimentos e oportunidades econômicas.

Fome não é causada por escassez de alimentos: Josué de Castro argumentou de maneira convincente que a fome não é uma consequência direta da falta de alimentos em termos quantitativos. Ele destacou que a produção de alimentos não era o problema central, mas sim a distribuição desigual dos recursos e das riquezas. Essa percepção ajudou a desmistificar muitos mitos sobre as causas da fome.

Conexão entre fome e desigualdade: Josué de Castro identificou a desigualdade social e econômica como a raiz da fome e da miséria. Ele argumentou que a concentração de terras e recursos nas mãos de poucos, em detrimento das massas empobrecidas, era o cerne do problema. Isso o levou a se tornar um forte defensor da reforma agrária como uma solução crucial.

Análise internacional da fome: Em “Geopolítica da Fome”, Josué de Castro expandiu sua análise da fome para uma perspectiva internacional, examinando como a desigualdade global e os processos de colonização contribuíram para a pobreza extrema em diferentes continentes. Ele demonstrou como a exploração econômica e política estava ligada à perpetuação da fome em todo o mundo.

Desafio à narrativa dominante: Josué de Castro desafiou ativamente a narrativa convencional de sua época, que muitas vezes culpava as vítimas da fome por sua própria situação. Em vez disso, ele enfatizou a responsabilidade das estruturas sociais e econômicas na criação da fome e da miséria.

A História ensina https://bit.ly/3Ye45TD