04 julho 2024

Minha opinião/a campanha eleitoral

O velho e o novo na campanha eleitoral*
Luciano Siqueira   

Já é pré-campanha e tem muita gente que ainda não se deu conta de que há algo de novo no front.

Pois há os que se rendem lamentavelmente à busca do "voto de favor", entremeado com o que podemos condescendentemente chamar de "monetarização"; e os que simplesmente reproduzem a fala instantânea, fragmentada e superficial das redes sociais, em tom doutrinário.

Nada contra o bom uso das redes sociais. A comunicação digital substitui, em grande medida, o panfleto e o cartaz de campanhas passadas. 

Mas é preciso ter força, é preciso ter raça; é preciso ter gana sempre; quem traz no corpo a marca... da consciência e do afeto. 

Um exemplo marcante é a poeta vereadora Cida Pedrosa, no Recife. 

Ela própria, por sua trajetória de vida, traz no olhar a marca da dor e da alegria, do sofrimento e da esperança. 

Através da poesia e do gesto, põe a própria alma no exercício do mandato e no diálogo com as pessoas. 

Cida é uma demonstração viva de que é possível, e mais do que nunca necessário, uma espécie de "fusão" consciente e afetiva com o povo.

Tudo a ver com o cenário macro da luta política no Brasil atual!

Tomemos como referência o governo Lula, empenhado na agenda da reconstrução nacional, mas manietado por toda sorte de resistências e boicotes, sobretudo no parlamento e no complexo midiático que monopoliza a comunicação no país. 

Por mais decidido que seja o presidente, e é, e quase infinita a sua flexibilidade no sentido de agregar forças do campo conservador para alcançar a maioria parlamentar indispensável à governança, os resultados ainda são muito aquém do que objetivamente o povo e a nação necessitam. 

Falta a variável mobilização popular, ampla e consciente — que pode ser alcançada mediante a articulação entre o bom uso das redes sociais com a abordagem direta das pessoas nos ambientes onde trabalham, estudam e sobrevivem. 

E a campanha eleitoral, que está prestes a se desencadear, se apresenta como oportunidade privilegiada para a busca desse duplo exercício - dito de um modo simplificado -  do Instagram, do Facebook e do Tik Tok ao contato direto com as pessoas. 

Sobretudo por candidaturas às Câmaras Municipais, do PCdoB e demais partidos do campo popular.

Ainda tomando como exemplo Cida, basta ir ao Instagram @cidapedrosa65 para constatar uma ação parlamentar intensa, na tribuna e nas ruas, traduzida em conteúdos e atitudes que, a um só tempo, esclarecem, mobilizam e unem. 

Na campanha propriamente dita, o desafio será ampliar o volume e a visibilidade desse trabalho. 

No que tange ao envolvimento o mais amplo possível de militantes partidários, ativistas e apoiadores significa "desinstalar" muita gente envolta numa espécie de área de conforto, onde se supõe que apenas com o smartphone à mão é possível fazer a boa campanha.

Que se faça bom uso do smartphone, sobretudo na chamada conversa bilateral mediante a facilidade do WhatsApp, de preferência em áudio e vídeo; mas que se intensifique também o diálogo — como diz a canção — "olhos nos olhos".

Pois que a cada conjuntura política — e hoje vivemos uma conjuntura marcada por imensas dificuldades subjetivas, na esteira da onda ultraconservadora encetada pela extrema direita — surgem novas formas de luta e de organização, como já advertia Lenin na passagem do século XIX ao século XX. 

Agora estamos desafiados a repetir mais uma vez parte do que sempre fizemos em campanhas passadas e nos parece ainda útil, e, ao mesmo tempo, a inovar na abordagem do eleitor no tempo presente. 

O que estimula, renova e entusiasma a ação militante, tanto das novas gerações como dos que pelejam há décadas e seguem experimentando a militância cotidiana como fonte permanente de consciência política, solidariedade humana e felicidade pessoal.

*Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html 

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

O flagrante desacordo entre manobras do mercado cambial e indicadores da economia real é indicativo muito claro da especulação. Os senhores da usura fazem o que querem — com o beneplácito da grande mídia pró-mercado financeiro que tem o presidente Lula como alvo de ataque.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/03/o-banco-central-e-o-risco-de-recessao.html

Humor de resistência: Schroder

 

Schroder

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/01/frentes-de-investigacao.html

Palavra de poeta: Carlos Drummond de Andrade

TARDE DE MAIO
Carlos Drummond de Andrade   

Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.

Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.

Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.

Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

[Ilustração: Marc Chagall]

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2014/02/civilizacao-pajeunica.html

03 julho 2024

Minha opinião/rentismo criminoso

Conspiradores contra o país 

Luciano Siqueira   

Análises que tenho transcrito aqui no blog, a exemplo desse texto https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/acao-suspeita.html?m=1  de Luis Nassif, originariamente publicado no Jornal GGN, demonstram com informações confiáveis o quanto o mercado financeiro induz a política monetária conforme seus próprios interesses. 

O Banco Central, enganosamente independente, faz o jogo do mercado em toda a linha. 

 

O próprio boletim Focus, no qual o Banco se apoia para tomar suas decisões, é justamente constituído por analistas das instituições financeiras privadas

 

A grande mídia comprometida com o mercado reverbera essa influência na forma de pressões sobre o governo para reduzir gastos públicos e a todo custo assegurar um inalcançável superávit fiscal.

O governo vê-se assim manietado, contido em seu legítimo propósito de execução da agenda da reconstrução nacional. 

É preciso construir força política suficientemente forte para enfrentar o rentismo.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/barreiras-neoliberais.html

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

A execução da 4ª etapa do molhe de Suape e a dragagem do canal interno do porto estão entre os novos investimentos anunciados pelo presidente Lula em Pernambuco, hoje. O complexo portuário é estratégico para o desenvolvimento econômico da região.

Veja: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/reindustralizar-o-brasil-o-debate.html

Humor de resistência: Aroeira

 

Aroeira

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/barreiras-neoliberais.html

Sylvio: vagabundo

Tem toda razão o senador Omar Aziz em responder aos baixos ataques do representante da extrema direita que hoje desgoverna a Argentina, ao presidente Lula. Trata-se de coisa de um moleque vagabundo.

Sylvio Belém 

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

A reunião de hoje do presidente Lula com os ministros da área econômica obviamente não abordará tão somente a questão fiscal. A política seguirá no posto de comando — por mais que a mídia pró-mercado financeiro pressione em sentido contrário.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/minha-opiniao_18.html

Limites da indústria brasileira

Alimentos lideram o setor industrial no Brasil, aponta IBGE
Força do setor também impõe limites ao desenvolvimento nacional pelo que representa em desigualdade regional e falta de diversidade industrial
Cezar Xavier/Vermelho  

A fabricação de produtos alimentícios se destacou como a principal atividade industrial no Brasil em 2022, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual — Empresa, divulgada nesta quinta-feira (27) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este segmento foi responsável por 22,5% da Receita Líquida de Vendas (RLV), consolidando sua liderança no setor.

Além de sua expressiva contribuição econômica, a indústria alimentícia também se destacou como a que mais emprega no Brasil. Em 2022, o setor industrial brasileiro empregava 8,3 milhões de pessoas, sendo que 22,8% desse total — aproximadamente 1,9 milhão de pessoas — estavam ocupadas na fabricação de produtos alimentícios. Notavelmente, este foi o único segmento a aumentar sua participação na força de trabalho industrial em comparação a 2013, com um crescimento de 3,7 pontos percentuais.

No aspecto financeiro, o setor industrial gerou R$ 6,7 trilhões em RLV em 2022. Desse montante, R$ 436,8 bilhões vieram das indústrias extrativas e R$ 6,2 trilhões das indústrias de transformação. O Valor de Transformação Industrial (VTI) atingiu R$ 2,5 trilhões, com 89,3% oriundos das indústrias de transformação. A região Sudeste teve destaque nesse recorte, com 61,1% de participação, o maior nível registrado em dez anos.

Para a gerente de Análise Estrutural do IBGE, Synthia Santana, os resultados da pesquisa refletem um contexto de recuperação da indústria brasileira, impulsionada pela retomada do crescimento econômico e o arrefecimento da inflação.

Entre 2013 e 2022, a fabricação de produtos alimentícios apresentou a maior variação positiva na RLV, avançando 3,6 pontos percentuais. Por outro lado, a fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias sofreu uma redução de 3,4 pontos percentuais no mesmo período.

A pesquisa também revelou que cinco atividades concentraram 46,5% da mão-de-obra industrial em 2022, com destaque para a indústria alimentícia (22,8%). A indústria de vestuário ocupou o segundo lugar, com 7,0%.

O estudo mostrou que, embora a quantidade de pessoal ocupado na indústria tenha aumentado em relação a 2021, houve uma queda de 8,3% quando comparado a 2013. Dos 8,3 milhões de pessoas ocupadas na indústria em 2022, 97,3% atuavam nas indústrias de transformação e 2,7% nas indústrias extrativas.

A remuneração média mensal também caiu em 19 das 29 atividades industriais entre 2013 e 2022. No geral, o salário médio na indústria reduziu de 3,4 para 3,1 salários mínimos no período.

Geograficamente, a participação do Sudeste no VTI atingiu 61,1% em 2022, o maior nível em dez anos, impulsionada principalmente pela elevação da participação de São Paulo. Em termos de atividades, a fabricação de produtos alimentícios se destacou em 13 das 27 unidades da federação.

Potencial da indústria alimentícia

A fabricação de produtos alimentícios tem demonstrado um potencial significativo para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país. No entanto, para maximizar esse potencial, é necessário enfrentar os desafios relacionados à dependência de commodities, inovação tecnológica, infraestrutura e qualificação da mão-de-obra. Com políticas públicas adequadas e investimentos estratégicos, o setor alimentício pode continuar a ser um motor de crescimento e desenvolvimento para o Brasil. 


Geração de Empregos: Em 2022, o setor empregava cerca de 1,9 milhão de pessoas, representando 22,8% do total de trabalhadores na indústria. Esse número é significativo, pois não apenas proporciona renda a milhões de famílias, mas também dinamiza a economia local em diversas regiões do país.

  1. Crescimento Sustentável: A indústria alimentícia foi o único segmento que aumentou sua participação na força de trabalho do setor industrial em comparação a 2013, com um crescimento de 3,7 pontos percentuais. Esse crescimento contínuo indica um setor resiliente e com potencial de expansão, mesmo em momentos de crise econômica.
  2. Diversificação Regional: A fabricação de produtos alimentícios está distribuída por todo o Brasil, o que promove o desenvolvimento regional equilibrado. Em 13 das 27 unidades da federação, esse segmento foi o destaque em termos de receita líquida de vendas, contribuindo para a descentralização industrial e redução das desigualdades regionais.
  3. Retomada Pós-Pandemia: A indústria brasileira alcançou o maior volume de empresas da série histórica iniciada em 2007, com 346,1 mil empresas ativas. O setor alimentício, em particular, se beneficiou dessa recuperação, evidenciando sua capacidade de adaptação e crescimento em cenários adversos.

Limites da indústria alimentícia

  1. Dependência de Commodities: A volatilidade no mercado de commodities, como oscilação nos preços de insumos agrícolas, pode afetar a estabilidade do setor alimentício. Essa dependência torna o segmento vulnerável a flutuações econômicas globais e a crises como a guerra entre Rússia e Ucrânia.
  2. Inovação e Tecnologia: Apesar de sua relevância, o setor alimentício ainda enfrenta desafios na incorporação de tecnologias avançadas. A falta de investimentos em inovação pode limitar a competitividade global da indústria brasileira de alimentos, impactando sua capacidade de exportação e crescimento sustentável a longo prazo.
  3. Infraestrutura e Logística: Problemas estruturais, como a precariedade da infraestrutura de transporte e logística, afetam negativamente a eficiência da cadeia produtiva do setor alimentício. Melhorias nessas áreas são essenciais para reduzir custos e aumentar a competitividade do setor.
  4. Qualificação da Mão-de-Obra: A expansão do setor exige uma mão-de-obra cada vez mais qualificada. Investimentos em educação e treinamento técnico são fundamentais para assegurar que os trabalhadores estejam preparados para operar tecnologias modernas e atender às demandas de um mercado globalizado.

Limites comparativos com países desenvolvidos

A análise da dependência econômica nacional da indústria de alimentos revela tanto potenciais quanto limitações quando comparada aos países mais desenvolvidos do mundo.

Apesar da importância da indústria alimentícia, o Brasil enfrenta desafios significativos quando comparado aos países mais desenvolvidos. Nos países industrializados, a diversificação industrial é uma característica marcante, com setores de alta tecnologia e inovação desempenhando papéis essenciais no crescimento econômico. A dependência excessiva de setores como o alimentício pode limitar o potencial de desenvolvimento de novas indústrias e tecnologias emergentes no Brasil.

Desigualdade regional e setorial

A concentração da produção industrial na região Sudeste, que representou 61,1% do Valor de Transformação Industrial (VTI) em 2022, aponta para uma disparidade regional que precisa ser abordada. Enquanto São Paulo lidera com 34,8% do VTI, outras regiões como o Norte e o Nordeste apresentam menor participação, limitando o desenvolvimento equilibrado do país. A falta de diversificação setorial e a concentração regional podem perpetuar desigualdades econômicas e sociais.

Redução de postos de trabalho e salários

Embora tenha havido um aumento na ocupação industrial em 2022, o setor ainda não recuperou as perdas dos últimos dez anos, com um déficit acumulado de 745,5 mil postos de trabalho desde 2013. Além disso, houve uma redução na remuneração média mensal em 19 das 29 atividades industriais, refletindo uma desvalorização do trabalho industrial e afetando negativamente a qualidade de vida dos trabalhadores.

A indústria alimentícia no Brasil, com sua capacidade de produção e geração de empregos, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento econômico do país. No entanto, para alcançar níveis de desenvolvimento comparáveis aos países mais avançados, o Brasil precisa enfrentar desafios estruturais como a diversificação industrial, a redução das desigualdades regionais e a valorização do trabalho. Investimentos em inovação, educação e infraestrutura são essenciais para transformar a base industrial brasileira e promover um crescimento sustentável e inclusivo.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/03/retomada-da-industria.html

Arte é vida: Wellington Virgolino

 

Wellington Virgolino

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/02/raul-cordula-opina_28.html

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Pesquisa Datafolha estima que 97% dos brasileiros têm consciência das alterações climáticas que ameaçam a vida. Surpresa: parcela expressiva do gado da extrema direita, enfim, se rende à evidência dos fatos.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/mudancas-climaticas-calor.html

Fundação Grabois: missão

Sorrentino: “a Grabois é um espaço do pensamento marxista e progressista no país”
Entrevista exclusiva concedida pelo novo presidente da FMG, Walter Sorrentino, ao Portal Grabois.
Fundação Maurício Grabois 

Desde abril de 2024, a Fundação Maurício Grabois está sob nova direção. O novo presidente da entidade é Walter Sorrentino, que também acumula a vice-presidência nacional do PCdoB. Nesta entrevista exclusiva para o Portal Grabois, Sorrentino conta um pouco do que a nova gestão está preparando para o próximo período. Entre as novidades está a criação dos Grupos de Acompanhamento e Pesquisas, instrumento organizativo voltado para a atualização do programa socialista do PCdoB para o Brasil.

Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida por Walter Sorrentino ao Portal Grabois.

Walter, como você avalia esse primeiro mês como presidente da FMG?

Neste primeiro mês de mandato buscamos fazer um reconhecimento do estado da arte no panorama da luta de ideias. Em recente artigo publicado neste Portal, eu dizia que estamos vivendo uma época de grandes crises e transformações das sociedades. É uma evidência que se carece de desenvolvimentos do marxismo e de formulações estratégicas para ultrapassar os atuais limites da luta das esquerdas e forças progressistas. Daí se formulou uma reconfiguração do plano político de trabalho da Grabois. Ouvimos os coletivos envolvidos e constituímos projetos novos, ao lado de dar continuidade ao rico acervo de projetos já existentes.

Uma das suas primeiras iniciativas foi a construção dos GAPs. Pode explicar melhor do que se trata?

Sim, os Grupos de Acompanhamento e Pesquisas (GAPs) estão entre as principais inovações. Voltam-se para um esforço decidido de estudo e elaboração estratégicas, no plano teórico e político concreto. Vamos reunir os saberes interdisciplinares marxistas e progressistas de forma sistemática sobre o Brasil e o mundo, a economia, a política, a sociedade e as formas da consciência social. São 7 corpos temáticos em investigação, mais uma Comissão voltada para as Tendências de desenvolvimento da teoria do marxismo. Teremos em conta as necessidades de enriquecer a teoria socialista e a economia do planejamento, em especial aplicada ao nosso país, por via de um novo projeto nacional.

O que é importante compreender nesse trabalho – aliás, de todo o centro do trabalho da Grabois – é seu espírito de práxis transformadora. No caso, estará voltado para a atualização do programa socialista do PCdoB para o Brasil. Mas, como dizemos, a Grabois é um espaço do pensamento marxista e progressista no país, portanto o debate será amplo, dentro e fora de nossas fileiras, para atualizar a leitura do país, suas contradições estruturais, as classes em luta, o caráter do Estado Nacional, óbices e potencialidades da luta por abrir caminho a um novo ciclo de desenvolvimento com autodeterminação e soberania, sob um regime de democracia popular e nova escala de direitos sociais, civis e humanos.

Em verdade, o que queremos é revigorar a disputa política pelas opiniões avançadas em sustentação a esse novo projeto nacional e do lugar do Brasil no mundo. Quer dizer, é uma luta de ideias eminentemente política, de intervenção concreta na realidade em curso e de soluções originais aos problemas do Brasil numa perspectiva desenvolvimentista. 

Você está reformulando a comunicação da FMG. O que vem de novo por aí?

A comunicação é um elo decisivo desse esforço. O Portal, a TV Grabois, a Revista Princípios, os EADs, a Escola Nacional, a memória, enfim, todo o trabalho da Grabois tem que chegar à extensa base de centenas de milhares de filiados do PCdoB, como também dos ativistas e lutadores da esquerda política e social, da intelectualidade progressista do país. Hoje ela está muito restrita. Será o maior investimento da nova gestão. Todos sabemos que na Comunicação reside um dos pontos fortes da extrema-direita no país, nós temos que reacumular forças nesse terreno e essa é uma coisa que cada militante ou ativista pode e deve contribuir. O que vamos fazer é promover um choque de oferta de produtos de opinião qualificada, no formato digital, para possibilitar maior difusão. 

Nesse breve período você já fez algumas importantes reuniões como a da semana passada com os dirigentes da Universidade do Povo da China.  Podemos esperar mais parcerias internacionais com a FMG?

A reunião com a RUC foi muito importante, enriquecerá o fazer político e teórico da Grabois. Deverei ir à China em dezembro para avançar nas consequências do que foi acordado. Na ocasião assinaremos também convênios com duas outras Universidades. Já temos um protocolo de entendimento com o PC cubano e vamos formular algo para entendimentos com o PC do Vietnã. Isso no plano internacional. Mas estamos atentos para convênios, parcerias, colaborações, patrocínios com instituições e entidades nacionais. Aliás, o próprio GAP é um instrumento possível para isso.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/a-contribuicao-de-renato.html

Uma crônica de Ruy Castro

Biden hoje, Lula amanhã
O risco de um candidato idoso enfrentar um pavão da extrema-direita também pode se materializar aqui
Ruy Castro/Folha de S. Paulo   

O Brasil, como todo o mundo, tem razão em se preocupar com o embate Biden-Trump nos EUA. Mas faria bem se começasse a atentar para o que o espera na sua própria praia em 2026: um presidente mais velho, talvez longe da melhor forma, tentando a reeleição contra um expoente da extrema direita vendendo vitalidade, dominando todos os truques sujos e sem escrúpulos em usá-los. Refiro-me, evidente, a Lula contra um preposto de Bolsonaro, inelegível até 2030 mas em condições de se fazer representar por esse preposto e repassar-lhe seus votos.

As semelhanças são muitas. Biden, que é de novembro de 1942, assumiu a Presidência dos EUA aos 78 anos, em janeiro de 2021. Lula, que é de outubro de 1945, assumiu a do Brasil aos 77, em janeiro de 2023. Biden, se reeleito este ano, assumirá o mandato com 82 anos e o terminará em 2028, com 86. Lula, se reeleito em 2026, assumirá com 81 e terminará, em 2030, com 85. Nesta fase da vida, um ano de diferença não faz de Lula um garoto diante de Biden. O risco não está só em como eles se apresentam hoje, embora isso já pareça mortal para Biden, mas em como estarão, física e mentalmente, ao fim de um segundo mandato.

Biden fala fino e parece tíbio. Lula fala grosso e com autoridade. Mas os dois têm uma rouquidão que pode incapacitá-los em palanques. Biden nunca teve doenças sérias, mas sofre de artrite espinal, tem uma neuropatia nos pés e já aparenta confusão e desligamento em momentos. Lula parece bem —para quem teve um câncer de laringe, em 2011, e duas Covids, em 2020 e 22.

Assim como Trump (só oito meses menos que Lula) não perde uma chance de se pavonear perante a fragilidade de Biden, o adversário de Lula, seja quem for, poderá tentar fazer o mesmo com ele.

Biden e Lula têm em comum não estarem dispostos a fazer sucessores. Dinastias que começam e terminam com seus titulares não vão muito longe.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/eua-decadencia-explicita.html

Humor de resistência: Aroeira

 

Aroeira

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/trump-e-crise-nos-eua.html

Enio Lins opina

A França da Resistência contra a França de Vichy
Enio Lins   

Assombra o mundo civilizado o frisson da extrema-direita na França, em (desculpem a cacofonia) franco crescimento há várias eleições. Mas o susto seria menor se maior fosse a leitura sobre a história da pátria de Joana d’Arc, Robespierre, Voltaire, Olympe de Gouges, Balzac, Proudhon, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, de Jean Moulin e da brava resistência aos nazistas... que é a mesma pátria dos reis Luízes, Madame de Pompadour, Pétain, Laval e inúmeros colaboracionistas com a ocupação nazista. Não é novidade.

ABERTAMENTE RACISTAS

Uma das peças da publicidade eleitoral de uma das siglas da extrema-direita, o Partido da França, usou o slogan “Vamos dar um futuro às crianças brancas” na região de Lorraine, onde outro cartaz dessa agremiação exibiu a frase “Deixe-os voltar para a África” sobre uma foto de uma multidão de pessoas negras embarcando num avião. Thomas Joly, presidente do PF, em postagem no ex-Twitter, exultou: “a campanha ‘Vamos dar um futuro às crianças brancas’ foi um verdadeiro sucesso e o estoque está esgotado. Decidimos realizar uma reimpressão para satisfazer a todos os pedidos”. Apesar de causar engulhos aos estômagos democráticos, esse ideário racista e xenófobo é a própria flora intestinal neofascista, agora assumida com flatulência ruidosa.

FASCISMO FRANCÊS CONTEMPORÂNEO

Legítima herdeira do Regime de Vichy, a extrema-direita francesa exibe presença eleitoral significativa há décadas, e comemora o sucesso no primeiro turno das eleições parlamentares deste ano, além de um grande salto nos votos para o Parlamento Europeu. Sucessos esses creditados à líder Marion Anne Perrine Le Pen, vulga Marine, filha do ultradireitista Jean-Marie Le Pen. Ela disputou bem as eleições presidenciais francesas nos últimos três pleitos, em 2012 (terceiro lugar), 2017 (segundo lugar) e 2022 (segundo lugar), enquanto seu pai foi candidato por cinco vezes à presidência da França, em 1974, 1988, 1995, 2002 (quando foi para o segundo turno e perdeu para Jacques Chirac) e 2007. Jean-Marie Le Pen chegou a defender Pétain e, diz a Wikipédia que, em 1968, sua gravadora Serp “foi condenada a ‘pedir desculpas por cumplicidade com crime de guerra’ após divulgação de canções do Terceiro Reich, gravação cuja capa continha uma mensagem promovendo a ascensão de Hitler na Alemanha”. Os Le Pen não surgiram de uma hora para outra, nem são fenômeno passageiro, são continuidade, são a banda podre da França.

PERIGO MUNDIAL

Assim como a Revolução Francesa mudou o mundo em 1789, o reacionarismo francês influencia o globo em medida semelhante. O colaboracionismo foi a mais vergonhosa capitulação ao nazismo em toda II Guerra e a França do general De Gaulle não soube honrar a memória da França do partisan Jean Moulin (líder da resistência, traído por franceses e executado pelos nazistas em 8 de julho de 1943, cujo corpo nunca foi sequer encontrado). Os colaboracionistas franceses, salvo exceções como Pierre Laval (julgado e executado) jamais foram identificados, julgados e punidos na extensão de sua traição – os processos sumiram, segundo denúncias, por determinação do próprio De Gaulle, conforme pode ser lido em importante resumo feito por Carlos Russo Júnior, publicado no site operamundi. Para os corações e mentes francesas verdadeiramente humanistas está colocada, para o bem do resto do mundo, a missão de se unirem (centro-direita, centro, centro-esquerda, esquerda) e impedirem que a morta-viva França de Vichy saia de seu sarcófago fascista.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/minha-opiniaoresistencia-na-franca.html

França: nova frente popular

França: As lições de esperança da Nova Frente Popular
Ultradireita venceu, mas está longe de ser maioria nos votos – e pode ser derrotada no segundo turno. Razões: a unidade inédita de esquerda e seu programa que de fato põe em xeque o receituário que afundou o país
Josué Medeiros, na CartaCapital/Outras palavras   

Como era esperado, a extrema-direita venceu o 1º turno das eleições legislativas na França. O Reunião Nacional, de Marine Le Pen, conquistou 33% dos votos, confirmando não apenas as projeções mais recentes como também sua curva de crescimento eleitoral desde que ela foi para o 2º turno presidencial pela primeira vez, em 2017. Outra confirmação que saiu das urnas foi a derrota do atual presidente, Emanuel Macron (pela coalizão Juntos) que caiu para o terceiro lugar, com 21% dos votos. 

A grande novidade foi a Nova Frente Popular, com 28% dos votos. A união de partidos de esquerda foi capaz de reverter um quadro de defensiva do campo popular desde o péssimo governo socialista de François Hollande (2012-2017). A NFP não apenas assumiu o protagonismo da polarização contra o fascismo como foi capaz de promover uma mobilização cidadã em defesa da democracia que culminou em um comparecimento eleitoral recorde, de 65,8%, o maior do século XXI.  

E, mais importante ainda, é que a esquerda pode sim crescer e derrotar a extrema-direita no 2º turno das eleições legislativas, que ocorrerão em 7 de julho. 

São duas as principais razões para esse cenário de esperança. Primeiro, a unidade formal entre os partidos de esquerda. Esse tipo de frente potencializa o alcance eleitoral da esquerda, em contraste com a dispersão decorrente de várias candidaturas. A razão para isso é bastante clara: quando há várias candidaturas, os partidos de esquerda desperdiçam energia competindo entre si pelo eleitorado que já lhes é fiel, geralmente entre 20% e 25% dos votantes. Com uma candidatura unificada, esses 20% a 25% se tornam a base inicial, permitindo à coalizão focar em estratégias para conquistar eleitores indecisos, independentes ou de centro.

É aí que entra o segundo elemento: o programa. Com unidade, é possível apresentar uma plataforma que destaca as qualidades defendidas por cada setor da esquerda em um projeto nacional unificado. Quando há divisão, contudo, cada partido fica restrito às suas diferenças em relação aos demais partidos de esquerda, dificultando a criação de um caminho abrangente.

O programa da NFP propôs a taxação dos super ricos para financiar uma nova rede de proteção social e aumentar o salário mínimo, rompendo com o neoliberalismo dominante na política francesa desde Chirac – e cujos resultados são o principal responsável pelo crescimento da extrema-direita. A NFP também defende a paz e a solidariedade, um mundo multipolar, direitos para imigrantes, reconhecimento da crise climática, investimentos em uma transição energética justa e uma negociação global sobre o clima.

Foi esse programa consistente que impulsionou o crescimento da NFP e alçou a esquerda à posição de líder de uma frente democrática antifascista. E é justamente essa plataforma que vem sendo usada pelos macronistas e outros setores da direita como fator de resistência para declarar apoio às candidaturas de esquerda no 2º turno. 

O mais importante a se destacar é que a maioria dos assentos do parlamento francês serão decididos em um segundo turno, no dia 7 de julho. Trata-se de uma eleição majoritária distrital – ou seja, o país é dividido em 577 distritos e o candidato mais votado leva a vaga no parlamento. Ocorre que o 2º turno pode ser disputado por três ou mais candidaturas, basta que tenham alcançado pelo menos 12,5% dos votos. E é aí que as alianças ganham força, pois se um partido retira seu nome que está em terceiro em favor de um nome que está em segundo, essa aliança tende a levar a vaga. 

A RN lidera em 297 distritos, com a NFP em 159 e Macron em 70. No momento, o que temos é um total de 39 cadeiras conquistadas por Le Pen e 32 obtidas pela NFP, e apenas 2 de Macron. Em outras palavras, uma frente ampla democrática pode derrotar Le Pen e impedir que a extrema-direita tenha maioria no parlamento francês. 

A NFP já anunciou que seus candidatos em terceiro lugar abandonarão a disputa em favor dos apoiadores de Macron nos distritos em que eles tiverem mais chances de vencer. O atual presidente deu declarações vagas, defendendo a unidade de “democratas” sem declarar apoio à NFP. Já o atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, do partido de Macron, se posicionou de modo firme em defesa de uma aliança com a esquerda. A direita tradicional provavelmente apoiará Marine Le Pen, embora seja possível que seu eleitorado, cada vez mais reduzido, não siga essa orientação, optando por nem ir votar. 

Ainda no domingo, após a votações, a NFP ocupou as ruas das principais cidades do país em uma mobilização. Será uma semana será de intenso trabalho para convencer tanto as lideranças macronistas, incluindo o próprio presidente, quanto seu eleitorado, de que é necessário derrotar Le Pen agora para impedir sua vitória nas eleições presidenciais de 2027, nas quais ela lidera em todas as pesquisas.

Caso a esquerda consiga impedir a RN de obter maioria parlamentar, a NFP terá o direito de indicar o novo primeiro-ministro e colocar parte do seu programa em prática. É, sem dúvida, o cenário menos provável hoje e será extremamente desafiador. Independente do resultado, a unidade e a mobilização geradas já tornam a NFP vitoriosa e criam a esperança para uma vitória em 2027, que pode contribuir com um ciclo global de superação do neoliberalismo e derrota definitiva da extrema-direita no mundo.  

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/minha-opiniaoresistencia-na-franca.html

Sylvio: críticas infundadas

O PIB cresce, a inflação controlada, o desemprego cai, milhões deixam a faixa de miséria, o Brasil chega a posição de oitava economia mundial e volta a ser respeitado internacionalmente. Desmatamento cai, Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida ampliados, assistência pronta e integral ao povo gaúcho vítima das enchentes, reforma tributária em andamento, planos de vacinação restaurados, criação de vários Institutos Federais de educação e programa Pé de meia para manter os estudantes nas universidades. Mas, apesar de tudo, a extrema direita, com apoio de alguns setores da mídia, criticam o tempo todo. O que desejam, a volta do atraso e negacionismo de quatro anos atrás, que quase destruíram o País? Certamente isso não é o desejo da maioria do povo brasileiro, que continua acreditando na reconstrução de nosso País.

Sylvio Belém 

Palavra de poeta: Cida Pedrosa

absoluto

Cida Pedrosa

 

quando o tempo do branco chegar

não terei gaiolas

gatos siameses

ou cachorro poodle

com coleira de marfim

 

com certeza

direi poemas indecentes

falarei de revoluções inacabadas

de lugares que mapeei com minha alma

 

com certeza
direi poemas indecentes
falarei de revoluções inacabadas
de lugares que mapeei com minha alma


[Ilustração: Tarsila do Amaral]


Leia e veja: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/11/cida-pedrosa-e-as-araras-vermelhas.html

02 julho 2024

Minha opinião/todas as mídias

Integração digital 
Luciano Siqueira  


Tempos modernos, se dizia no século passado. 

Tempos digitais, diz-se hoje.


Qualquer iniciativa empresarial ou do ramo da comunicação busca integrar as diversas mídias e mecanismos de venda ou de acesso. 


Comentei com o balconista da farmácia que fizera ultimamente algumas compras pela internet. 


— É a integração digital, que facilita a vida de todo mundo, disse ele.


— Será?, retruquei. 


Ele me olhou num misto de espanto e talvez de comiseração pela minha condição, que certamente supôs, de idoso resistente às muitas formas de comunicação e de venda. 


O fato é que qualquer que seja a mídia que você esteja frequentando no momento, links e QR Code são indicados para a busca de mais informações em outras mídias.


Eu mesmo tento integrar as redes que uso — Instagram, Facebook e X (ex-Twitter) — com o blog aqui www.lucianosiqueira.blogspot.com, além da comunicação direta pelo WhatsApp. 


Não há como fugir. Nem quero. Afinal, não há como escapar de algum uso da tecnologia cibernética.


Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/ia-fruto-da-inteligencia-humana.html

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

O flagrante desacordo entre manobras do mercado cambial e indicadores da economia real é indicativo muito claro da especulação. Os senhores da usura fazem o que querem — com o beneplácito da grande mídia pró-mercado financeiro que tem o presidente Lula como alvo de ataque.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/plano-real-30-anos.html

Ação suspeita

Roteiro para o MP de Contas investigar Campos Neto
Manutenção da Selic elevada impõe custo aos tomadores de crédito e ganho aos detentores de capital
Luis Nassif/Jornal GGN   

O Ministério Público das Contas, ligado ao Tribunal de Contas da União (TCU) anunciou a abertura de investigações sobre a possível manipulação das taxas Selic.

Em 2010, ocorreu especulação semelhante no mercado de câmbio global, envolvendo diversas instituições financeiras, incluindo bancos renomados como o Barclays, o Royal Bank of Scotland (RBS) e o UBS.  

As investigações revelaram que traders dessas instituições agiram em conjunto para manipular a taxa de câmbio da libra esterlina (GBP) em relação ao dólar americano (USD) entre 2008 e 2010.

Eles se valiam de uma prática conhecida como “negociação em tandem” (no Brasil, antigamente, era conhecida como zé-com-zé). Consiste nos traders coordenarem ordens de compra e venda entre si. No caso, para influenciar a taxa de câmbio da libra em relação ao dólar, especialmente durante a janela de fixação da taxa Libor (London Interbank Offered Rate), um benchmark global para taxas de juros.

O resultado foram multas bilionárias para as instituições envolvidas e sanções disciplinares para os traders. 

A operação é idêntica ao que ocorreu no Brasil nas últimas semanas.

Havia uma regra de redução da taxa Selic a cada reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). A maneira do BC orientar o mercado é através da chamada “forward guidance”, ou orientação futura. São indicações sobre o comportamento futuro do banco, levando o mercado a antecipar os movimentos.

Ao mercado não interessa saber se o BC está certo ou não nos seus movimentos: o mercado ganha quando consegue emular o BC, errar tanto ou acertar tanto quanto o BC.

O ponto central é que as mudanças de rumo do BC precisam ser discutidas, antes, internamente. O que Roberto Campos Neto fez, em evento financeiro nos Estados Unidos, foi apontar para uma mudança de ventos sem ter discutido internamente com a diretoria do banco.

Foi uma decisão individual, que influenciou diretamente o mercado.

O primeiro passo do MP de Contas seria investigar as circunstâncias desse anúncio antecipado de Campos Neto. Para tanto, deveria ouvir diretoria e equipe técnica do banco.

Depois, analisar o cenário econômico naquele momento e os argumentos invocados por Campos Neto. E comparar com as projeções e análises de outros bancos centrais, especialmente de países emergentes.

O segundo passo será abrir os dados da Pesquisa Focus e identificar quais as instituições apostaram em 8% de inflação nos próximos meses. É uma projeção totalmente descabida, com o claro propósito de influenciar a formação das médias do Focus e a definição da taxa Selic.

Para reforçar as investigações, poderia recorrer a gráficos que mostram que a especulação com o real começou entre operadores brasileiros. Há boas análises de economistas estrangeiros apontando para esta manobra.

Finalmente, investigar as operações de taxa futura e de juros e de câmbio nos últimos dias. Há claramente uma corrida contra o real. O segredo está em identificar quem deu início à corrida e cobrar explicações.

Finalmente, poderia ir atrás de denúncias de que Campos Neto entrou em contato com operadores e grandes empresários reforçando o discurso negativo contra o país. 

Há dois enfoques nessa investigação.

O primeiro, de direito econômico, de formação de cartel interferindo nos preços. E não se trata apenas de um perde-ganha entre comprados e vendidos. A manutenção da Selic em patamares elevados impõe um custo a todos os tomadores de crédito e um ganho a todos os detentores de capital.

O segundo, de direito penal, abrindo as contas da offshore de Campos Neto e de Paulo Guedes. No seu tempo de Ministro da Fazenda, Guedes foi flagrado com um terminal da Bloomberg ao fundo, próprio não apenas para consultas, mas para operações.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/06/o-jogo-dos-juros-altos.html