A construção coletiva das idéias é uma das mais fascinantes experiências humanas. Pressupõe um diálogo sincero, permanente, em cima dos fatos. Neste espaço, diariamente, compartilhamos com você nossa compreensão sobre as coisas da luta e da vida. Participe. Opine. [Artigos assinados expressam a opinião dos seus autores].
30 junho 2021
Para entender a crise global
Uma crônica de 2010
Versos inconclusos
Luciano Siqueira
No bar ao lado do Restaurante Viena, no Aeroporto
de Guarulhos, as mesas são muito próximas. Apenas dois fregueses, ele e eu.
Ele, sem bagagem, nem bilhete de viagem visível, zero preocupação com a hora,
talvez na quarta ou quinta dose de uísque. Eu, saboreando uma Boêmia long
kneck, atento ao relógio, aguardando o momento de embarcar num voo da Gol das
vinte três horas com destino ao Recife.
Ao perceber meu interesse, disse chamar-se Floriano e
mostrou-me um rabisco no avesso de uma embalagem de cigarro: “Parti para a mais
cruenta das guerras/e apenas um olhar distante de lancinante indiferença/nem
uma palavra, um aceno que me...”.
– Um poema?, perguntei.
– Ah, amigo tenho os versos aqui no peito e não consigo botar
no papel!, respondeu, com a fala enrolada e os olhos faiscantes.
Tentou me explicar, com dificuldade. A voz grave, engolindo
as sílabas, a muito custo mencionou alguém de quem esperava e não obteve a
palavra amiga, solidária, afetuosa.
Com todo respeito a Antonio Maria, que dizia acreditar na
sinceridade dos bêbados e dos poetas, aviso que os poetas têm de mim admiração
e carinho; os bêbados, nem tanto.
Explico. Sem poesia a vida seria cinza e monótona. Os poetas
são seres especiais – os grandes poetas e mesmo os médios e os apenas
esforçados. Estes últimos tentam, e já é alguma coisa. Imagine se nossa
existência em meio a verdades, mentiras, pelejas mil, amores e dores, desespero
e esperança não pudesse ser iluminada jamais por um Drummond, um Vinícius, um
Neruda, uma Cecília Meireles?
Já os bêbados seriam dispensáveis – sobretudo os chatos,
barulhentos, conversadores, donos da verdade, tristes, eufóricos e
inconvenientes.
Mas confesso que há um tipo de bêbado que exerce sobre mim
uma atração irresistível, desperta um profundo sentimento de solidariedade: o
bêbado solitário. Nada é mais comovente do que a imagem do cara ilhado, ele e o
copo, ele e a desilusão, ele e o fracasso. Nunca vi alguém beber sozinho com
alegria. Jamais recolhi de um desses o sorriso que não fosse de discreta
vergonha, aquele sorriso sem graça de quem sofre e procura dissimular.
Quando posso, me aproximo: um leve cumprimento, o olhar
cúmplice à espera de um grunhido qualquer, um sinal de vida, um laivo de
resistência.
Foi assim que travei o breve diálogo com Floriano, o bêbado
autor do poema apenas iniciado.
- “Ficou um buraco deste tamanho aqui no peito, que dói, dói
uma dor que não quer passar, entende?”
Eu disse “entendo, sim”, e me desculpei por não poder
continuar a conversa, tinha chegado a minha hora. Mas a vontade era de retardar
a minha viagem, quem sabe depois de mais uma dose ele viesse a completar os
versos amargos e aliviar o sentimento de desamor e perda. (Publicada
originariamente no blog em dezembro de 2010)
#blogdelucianosiqueira15anos
.
Veja: Poeta cantador se
faz romancista https://bit.ly/3wJylaT
Firme e sempre renovado
Mil vezes “extinto”, PCdoB
segue avante!
Adalberto Monteiro
www.pcdob.org.br
O Estadão neste
domingo, 27, cravou, talvez, pela milésima vez, uma manchete que retrata uma
obsessão antiga das classes dominantes brasileiras: o fim do PCdoB. Para tal, a
matéria, intitulada “O fantasma da extinção ronda os comunistas”, tergiversa,
contorce os fatos.
Haroldo Lima,
histórico dirigente do PCdoB, que faleceu recentemente vítima da Covid-19,
retratou que, quando preso no episódio que entrou para história como “Chacina
da Lapa”, o policial-torturador, todo arrogante, proclamou: “Comunico-lhe que o
seu PCdoB acabou.”
E o torturador
mostrou a Haroldo os jornais do dia, entre eles O Estado de S. Paulo, com
manchetes sobre o ataque da repressão, em 16 de dezembro de 1976, a uma casa no
bairro da Lapa, cidade de São Paulo, onde ocorria uma reunião clandestina do Comitê
Central do PCdoB.
Os coronéis da
República Velha pretenderam sepultar o Partido Comunista do Brasil ainda no
berço, quando ele nasceu em 1922. Mas, assim como não conseguiram sufocar os
ventos irruptivos da Semana de Arte Moderna de 22 e nem a rebelião dos
tenentes, também foram malsucedidos no intento de liquidar a legenda que
nascera das lutas da classe trabalhadora brasileira e do grande projeto
emancipador do socialismo que triunfara na velha Rússia.
O verdugo
Filinto Muller, chefe da Polícia Política do Estado Novo, também chegou a
vociferar o fim do PCB, como então era a sigla do Partido. E olha lá ele, 1943,
ressurgindo na Conferência da Mantiqueira. Prestes, o Cavaleiro da Esperança,
preso cruelmente numa solitária, e seus camaradas João Amazonas, Pedro Pomar,
Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, Carlos Marighella, Mário Alves, entre
outros, nos subterrâneos da liberdade, como bem disse Jorge Amado,
reconstruíram o Partido célula a célula, tecido a tecido.
Depois, veio o
vento forte e bom da democracia. E daqui jogando nosso olhar aos anos 1940, lá
está o Partido se expandido aos borbotões. Que timaço comunista na Constituinte
de 1946! Dois anos depois, o registro cassado e os mandatos também.
Nos anos 1950,
veio o grande cisma no movimento comunista mundial, que impacta os comunistas
brasileiros e sua legenda. Em 1962, um coletivo com olhos atilados de águia,
com Amazonas, Grabois e Pomar à frente, garante a continuidade revolucionária
do Partido fundado em 1922.
Em 1964, a
democracia é uma vez mais ceifada. Pelas liberdades, os comunistas vão, de
armas nas mãos, às selvas da Amazônia, nas terras banhadas pelo Rio Araguaia,
para, junto com a população local, protagonizar a resistência armada mais
prolongada contra a ditadura. Para punir essa ousadia, os generais prometem
assassinar uma a uma as lideranças comunistas. Não conseguiram. Em 1986, lá
está o PCdoB, com uma bancada eleita à Constituinte.
E veio um
tremor de terra no triênio 1989-1991. Época de desertores. Na terra sem amos
voltou a tremular a bandeira dos czares. Na bolsa de apostas dos opressores
também se vaticinava que o PCdoB quando muito durava mais um ano.
E podemos
vê-lo, adiante, em 2012, celebrando 90 anos, com Renato Rabelo à frente, com
uma bancada de parlamentares tão expressiva quanto a de 1946, armado com um
Programa que descortina a luta agora e já por um Novo Projeto Nacional de
desenvolvimento como caminho brasileiro para o socialismo. O Partido escreve
uma nova síntese de sua história na qual valoriza de igual modo o conjunto de
suas lideranças e gerações: Astrojildo Pereira, Luís Carlos Prestes e João
Amazonas.
Daí chegamos
ao Brasil dos dias de hoje, de ponta-cabeça. O país sob jugo de um governo
neofascista. A democracia em risco. Regressão civilizacional em toda linha. Uma
pandemia com a envergadura de catástrofe nacional.
No curso da
grande derrota das forças progressistas em 2018, o Partido, devido às
circunstâncias, mas também a debilidades que é desafiado a superar, não
ultrapassou a cláusula de barreira. Mas se recompôs, com a união que empreendeu
com um partido revolucionário, marxista e patriótico, o Partido Pátria Livre
(PPL).
Neste
ambiente, o bolsonarismo ecoa o grito atávico dos fascistas e jura de morte o
Partido Comunista do Brasil, ameaça extensiva aos socialistas, ambientalistas e
antirracistas. Primeiro passo, como disse Luciana Santos, para sepultar a
democracia.
O bolsonarismo
se vale de uma legislação que mutila o pluralismo partidário, a cláusula de
desempenho e o fim das coligações partidárias.
O PCdoB
participa de um movimento amplo para aprovar a federação de partidos, inovação
democrática que assegura a diversidade da democracia brasileira.
O Partido sabe
da importância da luta parlamentar, sabe dos imensos danos que lhe serão
impostos caso, finalmente, como tentam desde a redemocratização, em 1985,
consigam arbitrariamente excluí-lo institucionalmente do parlamento.
Buscará
alternativas para garantir sua presença institucional nas casas legislativas.
E, de um modo ou de outro, a preservará.
Todavia,
qualquer solução ao bloqueio autoritário que investe contra a representação
parlamentar do PCdoB e de outras legendas tem de estar subordinado ao
pressuposto de garantir a sua continuidade histórica, preservar a identidade e
autonomia orgânica da legenda centenária, como assim se pronunciou a presidenta
do nosso Partido Luciana Santos, no último dia 27, no mesmo dia que foi
divulgada a referida matéria do Estadão. Como assim está
selado numa Resolução Política do Comitê Central.
Esse
pressuposto não é uma proclamação abstrata. Decorre de um aprendizado em cem
anos de história.
A longevidade
do Partido Comunista do Brasil vem do fato de ter conseguido, em qualquer
circunstância, igual à uma árvore, ter se enraizado no solo pátrio e nas lutas
do povo, ter preservado sua autonomia orgânica, sua identidade consubstanciada
no seu Programa, na sua teoria, o marxismo-leninismo, no seu orgulho de
pertencer à corrente revolucionária mundial dos comunistas, e na sua orientação
política independente com qual atua no curso da luta de classes.
*Jornalista e poeta. É secretário nacional de Comunicação
do PCdoB.
Foto: Pedro Caldas
.
Veja: O ritmo e o tom do povo
nas ruas agora https://bit.ly/2UAeyfR
Trabalhadores excluidos
País tem 14,8 milhões de desempregados e 33,3 milhões de subutilizados
Taxa de desocupação (14,7%) do
trimestre móvel de fevereiro a abril de 2021 se manteve no recorde da série
histórica, iniciada em 2012
Portal Vermelho
Com a persistência da pandemia de Covid-19 e da omissão do governo Jair Bolsonaro, o Brasil continua com taxas negativas recordes no mercado de trabalho. No trimestre encerrado em Brasil, o País somava 14,8 milhões de trabalhadores desempregados e 33,3 milhões de subutilizados. É o que aponta a nova rodada da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada nesta quarta-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
A taxa de desocupação (14,7%) do trimestre móvel de fevereiro a abril de 2021 se manteve no recorde da série histórica, iniciada em 2012, com alta de 0,4 ponto percentual (p.p.) frente ao trimestre de novembro de 2020 a janeiro de 2021 (14,2%) – e alta de 2,1 p.p. ante o mesmo trimestre de 2020.
A população desocupada (14,8 milhões de pessoas) cresceu 3,4% (mais 489 mil pessoas desocupadas) ante o trimestre de novembro de 2020 a janeiro de 2021 e subiu 15,2% (mais 1,9 milhão de pessoas) frente ao mesmo trimestre móvel do ano anterior (12,8 milhões de pessoas).
A população ocupada (85,9 milhões de pessoas) ficou estável em relação ao trimestre móvel anterior e caiu 3,7% (menos 3,3 milhões de pessoas) frente ao mesmo trimestre de 2020. O nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar) chegou a 48,5%, apresentando estabilidade frente ao trimestre móvel de novembro de 2020 a janeiro de 2021 (48,7%) e recuando 3,1 p.p. em relação a igual trimestre de 2020 (51,6%).
A taxa composta de subutilização (29,7%) subiu 0,7 p.p. frente ao trimestre móvel anterior (29,0%) e subiu 4,1 p.p. frente ao mesmo trimestre de 2020 (25,6%). A população subutilizada (33,3 milhões de pessoas) cresceu nas duas comparações: 2,7% (mais 872 mil subutilizados) frente ao trimestre móvel anterior e 16,0% (mais 4,6 milhões de pessoas) em relação ao mesmo trimestre de 2020.
Já a população fora da força de trabalho (76,4 milhões de pessoas) ficou estável ante o trimestre anterior e cresceu 7,7% (5,5 milhões de pessoas) frente a igual trimestre de 2020. A população desalentada (6,0 milhões de pessoas) ficou estável frente ao trimestre móvel anterior e cresceu 18,7% ante o mesmo período de 2020. O percentual de desalentados na força de trabalho ou desalentada (5,6%) ficou estável frente ao trimestre móvel anterior (5,6%) e subiu 0,9 p.p. ante o mesmo período de 2020 (4,7%).
O número de empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (exclusive trabalhadores domésticos) foi de 29,6 milhões de pessoas, com estabilidade frente ao trimestre anterior e queda de 8,1% (menos 2,6 milhões de pessoas) frente ao mesmo período de 2020. O número de empregados sem carteira assinada no setor privado (9,8 milhões de pessoas) apresentou estabilidade em relação ao trimestre anterior e teve queda de 3,7% (menos 374 mil pessoas) frente a igual trimestre de 2020.
O número de trabalhadores por conta própria (24,0 milhões) subiu 2,3% frente ao trimestre móvel anterior (mais 537 mil pessoas) e 2,8% (mais 661 mil pessoas) na comparação anual. A categoria dos trabalhadores domésticos (5,0 milhões de pessoas) ficou estável frente ao trimestre anterior, mas recuou 10,4% (-572 mil pessoas) ante o mesmo período do ano anterior.
A taxa de informalidade foi de 39,8% da população ocupada, ou 34,2 milhões de trabalhadores informais. No trimestre anterior, a taxa havia sido 39,7% e no mesmo trimestre de 2020, 38,8%.
O rendimento real habitual (R$ 2.532) ficou estável em ambas as comparações. Já a massa de rendimento real habitual (R$ 212,3 bilhões) ficou estável ante o trimestre móvel anterior e caiu 5,4% frente ao mesmo trimestre de 2020 (menos R$ 12,1 bilhões).
No trimestre móvel de fevereiro a abril de 2021, a força de trabalho (pessoas ocupadas e desocupadas), estimada em 100,7 milhões, ficou estável ante o trimestre móvel anterior e recuou 1,3% (menos 1,4 milhões de pessoas) frente ao mesmo trimestre de 2020. O número de ocupados no Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas apresentou queda de 2,3% (menos 373 mil pessoas), os demais grupamentos de atividades ficaram estáveis frente ao trimestre de novembro de 2020 a janeiro de 2021.
Ante o mesmo trimestre móvel de 2020, houve quedas em seis grupamentos: Indústria Geral (-4,3%, ou menos 497 mil pessoas), Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (-6,7%, ou menos 1,1 milhão de pessoas), Transporte, armazenagem e correio (-8,3%, ou menos 393 mil pessoas), Alojamento e alimentação (-17,7%, ou menos 871 mil pessoas), Outros serviços (-13,9%, ou menos 660 mil pessoas) e Serviços domésticos (-10,1%, ou menos 562 mil pessoas). A única alta foi em Agricultura (6,5% ou mais 532 mil pessoas). Os demais grupamentos mostraram estabilidade.
O grupo dos empregados no setor público (11,8 milhões de pessoas), que inclui servidores estatutários e militares, ficou estável nas duas comparações. O número de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas (7,2 milhões de pessoas) aumentou 6,1% (mais 413 mil pessoas) ante o trimestre anterior e cresceu 18,3% (mais 1,1 milhão de pessoas) frente ao mesmo tri de 2020.
Quanto ao rendimento médio real habitual, frente ao trimestre anterior, houve redução no grupamento de Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (-4,0%, ou menos R$ 80), com estabilidade nos demais grupamentos. Frente ao mesmo trimestre de 2020, houve reduções em cinco grupamentos: Indústria (-7,3%, ou menos R$ 191); Construção (-8,4%, ou menos R$ 165); Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (-5,7%, ou menos R$ 117); Transporte, armazenagem e correio (-9,2%, ou menos R$ 219) e Serviços domésticos (-4,9%, ou menos R$ 48). Nos demais grupamentos, houve estabilidade.
Entre as posições de ocupação, frente ao trimestre anterior, houve estabilidade em todas as posições (Empregado no setor privado, Empregado no setor público, Trabalhador doméstico, Empregador e Conta própria). Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, houve redução no rendimento dos Trabalhadores domésticos (-4,9%, ou menos R$ 48). As demais posições apresentaram estabilidade. (Com informações do IBGE)
.
Até onde irá o governo
Bolsonaro? https://bit.ly/3h5e6xJ
Ridículos
Sinceramente, gente. O desempenho dos senadores governistas na CPI da Covid tem sido uma tremenda ópera bufa.
Bronca
E se existir mesmo um histórico de gravações de reuniões de Bolsonaro com o deputado Miranda?
1 bilhão
Se tivesse vingado a propina pedida por um agente do governo à Davati Medical Supply pela vacina indiana seria em torno de R$ 1 bilhão. O "rolo" continua crescendo.
Palavra de poeta: Mia Couto
Gaiola
Mia
Couto
A pluma pensa,
a ave pesa.
Mais leve é o céu
que não sabe voar.
Hoje, porém,
contra plumas e céus,
a gaiola se ergueu
e voou sobre a cidade,
grave e sem gravidade,
rumo às citadinas nuvens.
A gaiola
vingava a saudade
que a asa sentia do pássaro.
E cruzou
o agnóstico céu,
disputando lugares de anjos.
E era um milagre de coisa
profanando o firmamento.
Mas, afinal,
fui eu
e não a gaiola
quem do chão se soltou.
Flutuei
por entre nuvens
como se outra terra pisasse.
Nas alturas,
porém,
a asa, sem pluma,
de vertigem sofreu.
Entendi, então,
o meu voo corrigir.
Mas foi fatal o intento.
Porque o voar de ave
é como alma sem rasura:
sempre sem erro,
sempre segura da precisa altura.
Na aresta do chão
me despenhei,
tombando em cascata de sombra.
Inteiro sobre mim,
com peso de lápide,
um céu confirmava:
todos de si sabem
o lugar e a idade.
Desconhecemos apenas
onde somos eternidade.
[Ilustração: Gil Vicente]
Veja: Poeta cantador se faz romancista https://bit.ly/3wJylaT
Nas cordas, mais infrações
Em
meio a pressão de CPI e protestos maiores contra o governo, presidente segue
estratégia de agir contra regras e leisGéssica Brandino e Renata Galf, Folha de S. Paulo
Alvo da CPI da
Covid no Senado, de manifestações que vêm
ganhando adesão e com pesquisas pouco favoráveis à reeleição em
2022, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua repetidamente
apresentando condutas passíveis de enquadramento criminal ou de crime de
responsabilidade.
Nesta
quarta-feira (30) está prevista a entrega de
um superpedido de impeachment que deverá apontar mais de 20
tipos de crimes cometidos por Bolsonaro ao longo do mandato.
De acordo com
levantamento feito pela Folha e de
consultas a especialistas em direito penal e constitucional, apenas nas últimas
três semanas há pelo menos dez tipos de situações em que o presidente cometeu
crimes comuns ou de responsabilidade. Em algumas situações, a avaliação é que
podem ter ocorrido os dois tipos de condutas.
Alguns casos
já são roteiros conhecidos, como a alegação do presidente
sobre fraude eleitoral nas eleições ou aglomerações e
cumprimentos a pessoas sem uso da máscara. Outros são inéditos, como quando retirou o acessório de uma
criança após pegá-la no colo durante evento no Rio Grande do
Norte.
Há também
inovações em atitudes já comuns, como a de desinformação: além de continuar
defendendo o tratamento precoce contra a Covid-19, Bolsonaro passou a afirmar
que pessoas imunizadas ou que já tenham contraído o coronavírus não precisam usar máscara.
Também disse que o uso do item de proteção seria prejudicial a crianças.
Para embasar sua teoria já antiga de supernotificação de
mortes pela Covid, Bolsonaro utilizou dados inexistentes de que o TCU (Tribunal
de Contas da União) teria concluído que 50% das mortes por coronavírus teriam
sido por outras doenças. Desmentido pelo
órgão, o presidente chegou a voltar atrás, mas
continuou citando um suposto relatório do TCU em discursos públicos.
Destes casos
recentes, a maioria das condutas listadas de Bolsonaro poderia ser enquadrada como crime de
responsabilidade por serem incompatíveis com "a dignidade,
a honra e o decoro do cargo", de acordo com os especialistas.
No entanto,
como este tipo é mais aberto, parte deles faz a ressalva de que muitos dos atos
considerados como quebra de decoro isoladamente não seriam suficientes para
justificar a remoção de um presidente do cargo.
Em outras
situações, além de possíveis crimes de responsabilidade, há posição majoritária
de que o presidente estaria cometendo crimes comuns como o de infração de
medida sanitária preventiva, previsto no artigo 268 do Código Penal, ou até
mesmo o crime de expor a vida ou a saúde de um terceiro a perigo direto e
iminente, previsto no artigo 132.
Para Antonio
Santoro, professor de direito processual penal da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), um dos problemas principais é que Bolsonaro age como se não
estivesse submetido às leis. "O fato é que o Bolsonaro descumpre
constantemente todas as determinações, inclusive de autoridades sanitárias em
relação à pandemia, porque ele entende que ele é presidente da República."
Apesar de
episódios de aglomeração sem máscara terem se repetido diversas vezes nas
últimas semanas, eles foram contabilizados como uma possível situação de crime
no levantamento.
Para o
professor de direito penal da USP Victor Rodriguez, as condutas de Bolsonaro
isoladamente não seriam justificativa legal suficiente para retirá-lo do cargo,
mas as condutas reunidas e reiteradas, sim. Para ele, seria possível reunir as
diversas condutas de quebra de decoro em um único pedido, "comprovando que
ele sinaliza um desprezo pela gravidade da pandemia", argumenta.
Já no caso em
que retirou a máscara de uma criança, parte dos entrevistados entende que além
do crime de infração de medida sanitária, o ato é passível de ser enquadrado
como crime de expor a vida ou saúde de alguém em perigo, pois há um perigo
concreto.
Para o
advogado criminalista Renato Vieira, o simples fato de o presidente saber que
expõe as pessoas a perigo com tais atos já configura o crime. Apesar de ter
sido o posicionamento minoritário, há também quem considere que seria preciso
que o presidente soubesse estar contaminado para tal configuração estar
caracterizada.
A professora
de direito constitucional da UFRJ Carolina Cyrillo considera o episódio com a
criança como um exemplo em que o presidente aumentou o tom. "Ele subiu o
padrão de conduta, talvez não discursivo, mas de ação. Ele passou a sair do
discurso para a ação em relação a isso."
No episódio do suposto
relatório do TCU, por exemplo, a maioria dos entrevistados não vê
crime de responsabilidade ou crime comum, apesar de apontarem a gravidade de o
presidente disseminar este nível de desinformação.
Também são
consideradas graves as falas relativas a fraudes em
eleições, sem que seja apresentada nenhuma evidência, e as ameaças veladas em relação
a 2022.
A presidente
do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Marina Coelho,
considera como possíveis crimes de responsabilidade apenas as acusações de
fraudes. "Acho que o mais grave é ele falar que teve fraude, porque isso
impacta diretamente em questões concretas."
Sobre 2022,
para ela, seria preciso ter perspectiva concreta de ações que Bolsonaro estaria
tomando em relação a isso e que não fossem democráticas, o que não seria o caso
do debate legislativo sobre o comprovante impresso do voto eletrônico.
Em relação à
desinformação sobre medidas de combate da pandemia, há maior discordância entre
os especialistas.
Uma parcela
maior considera que falas sobre suposto tratamento precoce ou com informações
questionadas amplamente pela comunidade científica sobre a vacina ou de que
pessoas que já tiveram a doença estariam imunizadas podem ser consideradas
crime de responsabilidade, por serem incompatíveis com o cargo.
Já falas contra jornalistas
mulheres, como as que ocorreram recentemente em que o presidente
chegou a dizer a uma jornalista para que ela nascesse de novo e que ela só
fazia perguntas idiotas, ou quando mandou uma repórter calar a
boca, foram considerados tanto crime de responsabilidade quanto
possíveis crimes contra a honra.
O professor de
direito constitucional da UnB (Universidade de Brasília) Mamede Said Maia Filho
diz que a pressão vinda pela CPI e os atos que pedem o impeachment
potencializaram o nível de agressividade de Bolsonaro. “Ele acusou o golpe
[contra o sistema eleitoral], claramente. Isso se intensifica mais ou menos a
partir da decisão do Supremo sobre o Lula, que é um adversário que concorre de
igual para igual com ele."
Para a
professora de direito penal da FGV, Raquel Scalcon, o presidente constantemente
viola o artigo da quebra de decoro, por ser um tipo mais amplo. Ela destaca,
contudo, que é preciso se atentar ao fato de que muitos brasileiros apoiam tais
falas.
"O fato é
que nós temos um outro problema, que é por que muitos eleitores do Brasil
realmente se sentem representados por este tipo de discurso violento e não
democrático. Temos um problema muito maior se isso é ou não crime", diz.
Veja abaixo
situações nas últimas três semanas que poderiam ser enquadradas como crime de
responsabilidade ou crime comum.
SAÚDE PÚBLICA E CRIMES COMUNS
1. Aglomerações (diferentes episódios)
Cumprimentar
pessoas sem máscara e promover aglomerações sem observar medidas sanitárias. Em
junho, isso ocorreu em agendas públicas nos estados de Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Pará, Rio Grande do Norte e Santa Catarina
- Artigo
268 do Código Penal: Infringir determinação do poder público, destinada a impedir
introdução ou propagação de doença contagiosa. Pena: detenção, de um mês a
um ano, e multa.
- Artigo
9 da Lei 1079/1950: Crime de responsabilidade, quebra de decoro
2. Incentivar que terceiro retire máscara
24.jun:
Bolsonaro indicou a uma menina que tirasse a máscara do rosto, em evento em
Jucurutu (RN)
- Artigo
268 do Código Penal e Artigo 9 da Lei 1079/1950
3. Retirar máscara de terceiro
24.jun:
Em evento em Jucurutu (RN), Bolsonaro retirou a máscara de proteção de uma
criança
- Artigo
132 do Código Penal: Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e
iminente. Pena: detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui
crime mais grave.
- Artigo
9 da Lei 1079/1950
CRIMES DE RESPONSABILIDADE
4. Acusações sobre fraude eleitoral, sem apresentar provas
(diferentes episódios)
9.jun:
"Eu fui eleito [em 2018] no primeiro turno, eu tenho provas materiais
disso, mas o sistema, a fraude que existiu, sim, me jogou para o segundo
turno"
17.jun:
"Mais que desconfio, eu tenho convicção [de] que realmente tem fraude. As
informações que nós tivemos aqui —talvez a gente venha a disponibilizar um dia—
é que, em 2014, o Aécio ganhou as eleições, em 2018, eu ganhei em primeiro
turno"
5. Ameaças veladas sobre 2022 (diferentes episódios)
17.jun:
"Vamos respeitar o Parlamento brasileiro. Que, caso contrário, teremos
dúvidas [nas] eleições e podemos ter um problema seríssimo no Brasil. Pode um
lado ou outro não aceitar, criar uma convulsão no Brasil."
21.jun:
"Só na fraude o nove dedos volta. Agora, se o Congresso aprovar e
promulgar [a PEC], teremos voto impresso. Não vai ser uma canetada de um
cidadão como este daqui, que não vai ter voto impresso. Pode esquecer isso
daí"
7. Desinformação sobre a vacina e máscara (diferentes episódios)
9.jun:
"[Remédios do chamado tratamento precoce] não têm comprovação científica.
E eu pergunto: a vacina tem comprovação científica ou está em estado
experimental ainda? Está [em estado] experimental"
10 .jun:
“Ele [Queiroga] vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara
por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados para
tirar este símbolo que, obviamente, tem a sua utilidade para quem está
infectado"
15.jun:
"Então, olha só, a pessoa que tomou vacina, se alguém quer que ela não
seja dispensada do uso de máscara, essa pessoa não acredita na vacina. É uma
pessoa, aí sim, negacionista", em entrevista via internet à RIC TV, afiliada
da Record em Rondônia. Disse também que a Pfizer "tem bem mais
credibilidade que uma outra que foi distribuída há pouco tempo aqui e continua
sendo distribuída".
24.jun:
Ao falar contra o uso de máscaras por crianças pequenas, de 2 ou 3 anos,
afirmou: "Pergunte para o seu médico se isso é saudável ou não. Procure
puxar a máscara e ver se ela está respirando pela boca ou pelo nariz. Se eu
estiver errado, semana que vem eu me desculpo aqui, tá?", em live semanal
8. Defesa do tratamento precoce (diferentes episódios)
11.jun:
“Tomei a hidroxicloroquina. Talvez eu tenha sido o único chefe de Estado que
procurou um remédio para esse mal.", em evento no Espírito Santo.
21.jun:
“Tudo o que eu falei sobre a Covid, infelizmente, para vocês, deu certo.
Tratamento precoce salvou a minha vida. Muitos jornalistas falam comigo
reservadamente que usaram hidroxicloroquina e ivermectina. Por que vocês não
admitem isso?”
9. Fala incompatível com o cargo (diferentes episódios)
28.jun:
"LÁZARO: CPF CANCELADO!", escreveu o presidente em uma rede social,
após a polícia capturar e matar o criminoso. Antes havia escrito, em rede
social, que "Lázaro, no mínimo preso, é questão de tempo".
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Crimes
de responsabilidade, conforme a Lei 1079/50 e artigo 85 da Constituição Federal
de 1988, em sua maioria por conduta incompatível com o decoro do cargo ou
também por agir contra a probidade na administração. Em alguns destes
episódios, especialistas apontaram outros artigos da lei de impeachment e até
mesmo crimes comuns, mas essas posições foram minoritárias.
10. Ataques contra a imprensa (diferentes episódios)
21.jun:
"Essa Globo é uma merda de imprensa. Vocês são uma porcaria de imprensa.
Cala a boca, vocês são uns canalhas", disse o presidente durante agenda em
Guaratinguetá, no interior paulista.
25.jun:
“Para de fazer pergunta idiota, pelo amor de Deus, nasça de novo você.
Ridículo, tá empregada onde? vamos fazer pergunta inteligente, pessoal”, disse
Bolsonaro para uma jornalista em Sorocaba.
- Artigo
9 da Lei 1079/1950: Crime de responsabilidade, quebra de decoro
- Artigo
139 de Código Penal: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua
reputação. Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
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Veja: A CPI continua botando mais
caroço para o indigesto angu de Bolsonaro https://bit.ly/3dkvSvC