31 agosto 2020

Palavra de poeta

Aos que se foram
Chico de Assis

Esse intermitir
de lágrimas
não me deixa ver.

Esse reproduzir
de dores
não me deixa crer.

Esse explodir
de horrores
não me deixa ser.

[Ilustração: Leonardo da Vinci]
Poesia em tempo de resistência https://bit.ly/2YxgGUL

Limites para quem?

Na verdade, a dupla Bolsonaro-Guedes quer financiar o que chamam de programa Renda Brasil com recursos tirados de diversos programas sociais. Intocável para o governo é a drenagem de recursos públicos para o sistema financeiro.

Retrato fiel

IBGE avalia que “home office” reflete desigualdade econômica no Brasil. Regiões mais desenvolvidas concentram  trabalhadores formais qualificados. Ou seja, a pandemia acirra desigualdades pré-existentes.

29 agosto 2020

Defesa do SUS

Planos de saúde perdem 327 mil usuários de março a julho durante pandemia do novo coronavírus. Em consequência, aumenta pressão sobre o sistema público, que não pode continuar a perder recursos. Defender o SUS é uma bandeira justa e urgente!

Cena urbana: Buenos Aires

Artistas de rua dançam o tango na feira de San Telmo, Buenos Aires, Argentina. Um lugar que visitarei sempre, tantas vezes quantas for à capital portenha. Você já foi? (Foto: LS)

Autoanulação

A vaidade pessoal exacerbada é um terreno movediço onde muita gente talentosa afunda e perde a oportunidade de se destacar pelos seus méritos. 

Defender ou atacar?


No Brasil há muito medo de perder a bola perto do gol ou de subir a marcação
Pedido de Messi para deixar Barça é surpreendente, mas não é inacreditável
Tostão, Folha de S. Paulo


A justa conquista do título europeu pelo Bayern já foi contada por mil vezes, em prosas e versos, pela imprensa esportiva brasileira e mundial. Como a sociedade do espetáculo é apressada, o assunto já morreu, mas quero também dar minha opinião.
Era o resultado mais previsível. Na competição, enquanto o Bayern goleou Chelsea, Tottenham e Barcelona, o PSG tinha vencido apenas equipes que não estão entre as mais festejadas do mundo (Borussia Dortmund, Atalanta e Leipzig).
vitória do Bayern é também a da seriedade profissional, do planejamento, da organização e do dinheiro bem gasto. Como escreveu Renata Mendonça, colunista da Folha, o Bayern tem no banco de reservas uma mulher, a gerente Kathleen Krüger, que cuida de toda a logística do time. O Bayern não é um clube somente de marmanjos
Os craques da partida não foram Neymar, Mbappé nem Lewandowski, e sim Neuer, Kimmich e Thiago Alcântara. O goleiro Neuer parece um gigantesco polvo, com dezenas de pernas e braços. O lateral Kimmich apoiava pelo lado, pelo meio, pela meia direita, de onde deu o passe para o gol de Coman, e ainda voltava rápido, para marcar, com eficiência, Mbappé ou Neymar, que se revezavam pela esquerda.
É o herdeiro de Lahm, excepcional na defesa e no ataque.
Thiago Alcântara, brasileiro, nascido na Itália e naturalizado espanhol, marca e inicia as jogadas ofensivas, com passes precisos, bonitos e elegantes. Une a técnica com a seriedade e a leveza de que quem atua em uma decisão de disputa de título como se fosse em uma pelada de fim de semana.
Thiago Alcântara trata a bola com tanto carinho, que ela, agradecida, o procura para beijar seus pés. Seria titular da seleção brasileira, ao lado de Casemiro, ou uma opção para substituí-lo.
Se Thiago Alcântara tivesse sido formado nas categorias de base de algum grande clube brasileiro, provavelmente, por causa de sua habilidade e fantasia, o escalariam de meia-atacante, para entrar na área.
Na decisão, como acontece na maioria das principais partidas da Europa, houve um confronto estratégico. De um lado, um time tentando sair com a bola, trocando passes, desde o goleiro, enquanto o adversário tentava pressionar, para tentar recuperar a bola perto do gol.
Com frequência, mudam os lados, e quem pressiona passa a ser pressionado. Fica emocionante, bonito. São posturas que precisam evoluir. No Brasil, isso começou a ser feito, timidamente. Os técnicos e os jogadores ainda morrem de medo dos riscos de perder a bola perto do gol ou de avançar a marcação e deixar espaços na defesa, ainda mais que, no Brasil, os setores ficam espaçados, com os zagueiros colados à grande área.
Quando não dá para trocar passes, a solução é o chutão. Nenhum jogador, nem os craques, deve ter medo de fazer isso. Faz parte do jogo.

MESSI QUER SAIR

Segundo noticiário, Messi comunicou ao Barcelona que quer sair. É surpreendente, mas não é inacreditável.
Cristiano Ronaldo também saiu do Real Madrid. O Barcelona teria avisado, oficialmente, que não quer que ele saia, para manter o contrato até o fim.
Será que ele já conversou com Guardiola, para jogar no Manchester City, ou prefere o PSG, com saudades de Neymar?
O importante é que ele não pare agora. Seria um grande vazio.
Imagino que Messi só queira encerrar a carreira após a Copa do Mundo de 2022, com o sonho de ser campeão do mundo.
Poesia em tempo de resistência https://bit.ly/2YxgGUL

Para entender a geopolítica mundial


Veja também:
A contribuição de Renato Rabelo para entendermos o Brasil dos nossos dias https://bit.ly/3b37OeG

Arte é vida

Gilvan Samico

Inaptidão


Sob a batuta da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos é dirigida por dois agentes da Polícia Rodoviária Federal sem nenhuma afinidade com o tema. Alguma surpresa?

Medo e saudade

Nós, os restantes
Cícero Belmar*


Estou deixando para trás uma semana em que perdi um amigo para a covid-19. Nós, os consternados, a quem cabe relatar esta rotina cinzenta, vivemos a tragédia de sermos humanos.
Esta pandemia nos ensina a conviver com as perdas. Com as nossas vulnerabilidades. Com nossas limitações e fraquezas. A única forma de continuarmos com um mínimo de paz é nos adaptarmos a esta realidade maluca.
Não vou me ludibriar. Não vou fingir que não estou magoado com a perda do meu amigo. Nem que estou com medo do vírus. Esta pessoa desamparada sou eu. Esta dor sou eu. Profundamente eu.
O meu amigo se chamava Beto Rezende. Não resistiu às sucessivas paradas cardíacas, complicações enquanto estava intubado, lutando para sobreviver ao novo coronavírus.
Beto era da luta. Um enorme senso de justiça social, defensor das liberdades individuais, bem informado, humilde e leve, crítico ferrenho dos fascistas, dos fundamentalistas, dos caretas e bossais. O ateu mais misericordioso e fraterno que Deus colocou na face da Terra.
Foi jornalista. Dividi com ele o idealismo das redações de jornal, achando que nossas canetas e bloquinhos de repórteres poderiam contribuir para um mundo mais igualitário. Protagonizamos gargalhadas e lágrimas típicas da boemia nas mesas de bar. Vivemos aquela coisa toda da geração coca-cola nos anos 1990, quando fomos jovens. Pintamos a cara para pedir impeachment de um presidente que não gostava de gente.
Recentemente, víamo-nos pouco, pelas contingências. Mas, a amizade (esse misto de afeto e afinidade) estava ali, “em ferro e flor”. As alegrias de uma amizade, quando um amigo morre, ficam.
(Mesmo correndo o risco de parecer tolo, recomendo que se você tiver palavras de afeto, de alegria, de conciliação, de reflexão, de incentivo, para dizer a um amigo (a um parente, a um conhecido), diga-as agora. Não deixe as palavras para um dia quando elas jamais poderão ser ditas).
Esta pandemia desfigura a vida e parece interminável. A doença se espalha e se prolonga enquanto tememos por nós mesmos e pelas pessoas com as quais nos preocupamos. (Meu Deus, como será o nosso momento seguinte?).
A proximidade com a morte nos faz enxergar os débitos: nós nos banalizamos na trivialidade do dia a dia, nos fatos corriqueiros e cotidianos. Nessa corrida superficial, terminamos construindo muralhas com os sentimentos.
A perda de um amigo querido desperta em nós uma fatalidade. Tomamos consciência de que a vida é passageira demais, o que é hoje pode não ser amanhã, e uma certa urgência de viver termina nos obrigando a perder o medo de sentir os nossos sentimentos. Afinal são eles, os sentimentos, que dizem muito sobre nós mesmos. E sobre o mundo.
*Cícero Belmar  é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras. 

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Para inspirar o fim de semana


Veja:

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28 agosto 2020

Angu de caroço no Planalto

Cerco judicial aumenta peso do auxílio na reeleição
Maria Cristina Fernandes, no Valor Econômico
[Embora sem meu próprio juízo de valor sobre a análise aqui feita pela colunista do Valor, transcrevo o artigo por conter informações interessantes para quem acompanha a cena política nacional].

Quanto mais se fecha o cerco judicial, mais dependente o presidente da República fica de uma perenização do auxílio emergencial. Por isso, estrebucha com o caso Fabrício Queiroz num dia e dá bronca pública no seu ministro da Economia no outro. Espera que o eleitor lá na frente possa concluir que, apesar de enrolado, merece ser reeleito porque evitou que pobres virassem paupérrimos. Para isso, precisa antes manter seu pescoço acima da linha d’água.

Toda a estratégia da defesa no caso das rachadinhas sinaliza no sentido da procrastinação tendo como meta, outubro de 2022. Mostra disso é a novela do foro, que tirou o caso da primeira instância e jogou-o para o Tribunal de Justiça do Rio, que considerou vencido prazo de recurso hoje pendente no Supremo Tribunal Federal. Tenta-se, com isso, evitar que o senador Flávio Bolsonaro seja denunciado. Se o for, resta impedir que a denúncia seja recebida e, se não der, a saída será inviabilizar um julgamento antes da reeleição.

Os problemas do presidente, porém, seriam mais facilmente resolvidos se começassem e acabassem com Fabrício Queiroz. Bastava uma decisão judicial para evitar uma delação, como aquela que devolveu o ex-assessor dos Bolsonaro para a prisão domiciliar, ou mesmo um infortúnio como aquele que vitimou outros integrantes da família miliciana, como Adriano da Nóbrega.

Um magistrado com assento privilegiado na arena em que se desenrola o espetáculo diz que, ao contrário de outros escândalos, aquele que, esta semana, foi capaz de restabelecer o palavreado congênito de Jair Bolsonaro não depende de delatores.

No mensalão e no petrolão, muitas das provas documentais apareceram a partir de delações. Nas rachadinhas dos Bolsonaro não precisou que ninguém falasse. Bastou que o Supremo, dias antes da posse do presidente, autorizasse o compartilhamento dos dados do Coaf com o Ministério Público. Esse compartilhamento mostrou que a tentativa de circunscrever o problema ao antigo gabinete do seu filho na Assembleia Legislativa não funcionou. São cristalinas as evidências de que o esquema das rachadinhas, montado pelo irrequieto capitão desde sua estreia na política, foi espraiado pelos gabinetes de filhos atraídos para a carreira por um pai desejoso em ampliar seu negócio.

Tome-se, por exemplo, os depósitos na conta da primeira-dama, revelados pela “Crusoé”, mas também aqueles recebidos pelo antigo advogado da família, Frederick Wassef, reportados em “O Globo”.

Como se trata de uma amizade cultivada por quatro décadas entre o presidente da República e um ex-policial militar dado a “rolos”, como ele mesmo se definiu, a documentação do vínculo não deve parar por aí. Some-se à abundância de dados compartilhados, o livro-caixa da loja de chocolates do filho do presidente. Só a certeza de impunidade pode levar alguém a montar uma lavanderia de dinheiro a partir de uma loja franqueada, onde é mais difícil fazer uma contabilidade dupla.

E, finalmente, a revelação de que Wassef recebeu da JBS e teve aval e endosso pessoal do presidente da República para tratar dos interesses da empresa no Ministério Público mostra que a aliança de Bolsonaro com o Centrão vai muito além de votos, cargos e obras. Busca também a blindagem dos interesses da empresa que, até hoje, é o guarda-chuva de muitos dos integrantes daquele bloco.

Quem conhece o processo garante que sobram provas. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal dê um cavalo de pau na tese que mitigou o foro privilegiado, não haverá como destruí-las. A única chance seria buscar uma anulação, como aconteceu na operação Castelo de Areia.

Aquela anulação, porém, passou pela arregimentação de fundos para azeitar os canais que a tornaram possível. Agora já não se levantam mais milhões num estalar de dedos. Além disso, as provas, entregues via Coaf e legitimadas pelo Supremo, já percorreram um caminho sem volta. O inquérito não tem como deixar de seguir seu curso, mas pode fazer muitas curvas. É nelas que estão pendurados todos os personagens, na Procuradoria-Geral da República, na Esplanada dos Ministérios e no próprio Supremo que tentam se fazer credores de um presidente da República encurralado, mas com duas cadeiras na Corte a preencher.

As vagas do ministro Celso de Mello, a ser aberta em novembro, e a de Marco Aurélio Mello, em julho de 2021, revestem-se de um peso ainda maior tendo em vista a mudança na presidência do STF. O ministro Luiz Fux, que vai assumir a cadeira em setembro, não se mostra moldável aos interesses de plantão como o fez o atual presidente. Tem-se alinhado aos ministros Edson Fachin e Celso de Mello nas últimas decisões que alongaram o fôlego da Lava-Jato e puseram um freio no procurador-geral da República. Além disso, Fux é egresso da magistratura carioca. Conhece mais do que qualquer outro colega e mantém influência sobre todos os labirintos por onde passa o processo que enreda Queiroz, Flávio e Jair Bolsonaro.

As incertezas sobre os rumos do Supremo sob o novo presidente reforçam a disposição dos situacionistas na disputa pelas mesas do Congresso. É disso que trata a trama, revestida de “aliança contra o arbítrio”, pela permanência de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia no poder com a participação de ministros da Corte. É dessa dupla que Bolsonaro, em grande parte, também depende para montar a engenharia que torne possível abrigar, no orçamento, um programa de renda mínima que hoje é mais importante para sua popularidade do que para a de qualquer parlamentar. O problema é que nem a entrada do presidente na disputa pode garantir o sucesso da empreitada. O teto de gastos, como se sabe, já foi. É 2022 que está em jogo. Todos temem o que Bolsonaro pode vir a fazer num segundo mandato, mas muitos também duvidam da blindagem que os presidentes das mesas, reconduzidos a partir de um casuísmo, seriam capazes de oferecer à democracia.
A contribuição de Renato Rabelo para entendermos o Brasil dos nossos dias https://bit.ly/3b37OeG

27 agosto 2020

Por que terá sido?

Coaf mostra que escritório do advogado Wassef, da família Bolsonaro, recebeu R$ 9,8 milhões da empresa JBS. Deve ter sido por alguma prestação de serviços especial, não?

Rentistas ansiosos


Estresse no mercado escancara temor com descontrole fiscal
Valor Econômico

Em um momento de extrema incerteza sobre os rumos das contas públicas no Brasil, os investidores foram surpreendidos por novos sinais de atrito entre o presidente Jair Bolsonaro e as diretrizes da equipe econômica de Paulo Guedes. E o centro do embate foi justamente a questão fiscal - de modo mais específico, os meios de financiamento do Renda Brasil -, o que agravou as preocupações no mercado desencadeando uma forte queda do Ibovespa e a disparada do dólar. Diante da busca por proteção, a moeda americana chegou a bater R$ 5,63 no momento mais tenso do dia, para depois se acomodar e fechar em R$ 5,6164, alta de 1,62%. Esse é o maior valor de fechamento desde 20 de maio, quando encerrou em R$ 5,6875.

Já o principal índice da bolsa de valores fechou em queda de 1,46%, aos 100.627 pontos, depois de tocar 99.359 pontos na mínima do dia. Apenas nove ações que compõem o Ibovespa escaparam, todas as demais caíram. Além disso, o volume financeiro acusa que o susto foi grande. Depois de pregões mais mornos, o giro foi de R$ 22,8 bilhões - acima da média diária em 2020, de R$ 20,7 bilhões.

Além de todo o nervosismo vindo das declarações de Bolsonaro, os comentários da assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, durante evento promovido pelos jornais Valor e O Globo, caíram mal no mercado, principalmente nas ações de bancos. Ela disse que a chamada “nova CPMF”, eventual tributo em análise pelo governo, não será aplicada somente para meios digitais, tendo um alcance mais amplo. Com isso, o principal segmento do Ibovespa sofreu com forte queda de BB ON (-2,41%), Bradesco (-2,24% a ON e -2,08% a PN), Itaú PN (-2,10%) e das units do Santander (-2,54%).

Parte do mercado vê a forte depreciação dos ativos locais, após declarações do presidente Jair Bolsonaro, como “exagerada”. No entanto, a magnitude do movimento evidencia o momento de insegurança dada a fragilidade das contas públicas.

Na visão de Patricia Pereira, estrategista da MAG Investimentos, a declaração de Bolsonaro “caiu como uma bomba” por externalizar as discussões internas do governo. “Nós até esperávamos que ele pudesse falar aquilo para a equipe econômica, mas não que fosse lavar a roupa suja em público”, afirma. Para ela, o mercado nota que o trabalho de Guedes e de sua equipe fica, assim, mais difícil. “Bolsonaro não tem ajudado na comunicação, além de ter rumado para um lado mais populista. Colocar o valor do programa em torno de R$ 300 e não aceitar o fim do abono salarial deixa a situação ainda mais complexa”, afirma.

Ontem, o presidente criticou publicamente a proposta apresentada pela equipe econômica para o benefício que deve substituir o Bolsa Família. Bolsonaro é contra o fim do abono salarial, o benefício concedido a trabalhadores que recebem menos de dois salários mínimos por mês. Mas, a extinção do programa e a transferência de seus recursos era uma das principais apostas de Guedes para “turbinar” o valor do próximo benefício. Assim, aumentaram as dúvidas entre os investidores sobre as alternativas para financiar o Renda Brasil e, consequentemente, os temores sobre a elevação de gastos públicos sem contrapartidas suficientes para amenizar o rombo orçamentário.

“De um lado, há a pressão para a criação de um benefício permanente com elevado impacto fiscal. De outro, o presidente demonstrou não apoiar a solução da área econômica de fazer a consolidação dos programas atuais. Assim, fica complicado encontrar uma saída para acomodar o gasto do Renda Brasil sem o estouro do teto. Será preciso buscar uma solução, mas até lá será normal os mercados adotarem uma postura cautelosa”, explica Silvio Campos Neto, economista da Tendências.

Não à toa, prevalece a apreensão diante do equilíbrio delicado entre estímulos ficais que ajudam a evitar uma crise maior e a necessidade de ajuste de contas públicas. Alguns profissionais afirmam, inclusive, que a ideia ventilada nos últimos dias de ampliar os gastos públicos e aprovar reformas estruturais na contrapartida não convence, uma vez que não há garantia de que a compensação fiscal ocorrerá.

Para Pedro Dreux, gestor da Occam, o mercado não exagerou na reação. “O presidente deseja continuar com os auxílios e isso pega de frente a nossa maior fragilidade no momento. O fiscal é o nosso ponto fraco. Cada vez está mais claro que o teto de gastos em 2021 está ameaçado e, por mais que se fale em aumento de impostos, a questão do teto não seria resolvida por isso. O movimento não está exagerado e, pelos riscos, os preços estão até bem comportados.” Talvez mais que o conteúdo em si, o tom das declarações de Bolsonaro - escancarando a divergência de opiniões com Guedes - ajudou a reviver as especulações de “fritura” do ministro.

O burburinho foi tamanho que o Ministério da Economia divulgou nota negando que uma coletiva de imprensa estaria sendo organizada para anunciar sua demissão. “O Ministro continua despachando normalmente”, informou a pasta. “A notícia em si não é boa, mas não é ruim também. Bolsonaro não sinalizou que ia gastar mais ou coisa do tipo”, diz Victor Candido, economista da Journey Capital. “Mas o mercado está com medo de um Guedes mais fraco, então não está topando nenhuma surpresa. Qualquer notícia que envolva o programa ou a parte fiscal assusta.” O mercado de juros, por exemplo, viu motivo para a forte incorporação de prêmio de risco. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 - a mais negociada do dia - avançou de 3,95% para 4,11% no fechamento. Já a do DI para janeiro de 2027 saltou de 6,77% para 6,98%.
Inepto e narcisista https://bit.ly/3gmoEa7

Como assim?


Em ambiente de crise, mercado financeiro encara perspectiva de aumento de preços de títulos públicos como sinal de inflação. Para o povo que vai ao supermercado, a inflação baixa é ficção.

Quem teme a educação pública de qualidade?


Dermeval Saviani: Educação não é gasto, nem pode ser submetida a teto
Um fato que vem marcando a educação brasileira, desde o tempo da colônia, é a histórica resistência dos nossos dirigentes à manutenção e desenvolvimento da educação. Indo na contramão do entendimento de que a educação se constitui num investimento de alto retorno.
Cezar Xavier, portal Vermelho www.vermelho.org.br


Isso não escapou, sequer, aos políticos já no tempo do império. Como se pode ver por essa afirmação de Almeida de Oliveira na sessão de 18 de setembro de 1882 do Parlamento brasileiro, final do Império, portanto. Disse ele, naquele momento: “Na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães. E o ensino restitui cento por cento o que com ele se gasta”.
Não obstante, durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império, entre 1840 e 1888, a média anual dos recursos investidos em educação foi de 1,80% do orçamento do governo imperial, cabendo 0,47% para instrução primária e secundária. Era, pois, um investimento irrisório, conforme constatou Ruy Barbosa, que afirmou, em 1882: “O Estado, no Brasil, consagra a esse serviço apenas 1,99% do orçamento geral, enquanto as despesas militares nos devoram 20,86%”. Isso está sendo fortemente reeditado agora. Enquanto se busca reduzir os recursos para a educação, os militares são aquinhoados com novos privilégios, mais recursos, mais remuneração, uma aposentadoria privilegiada, e ocupando postos nos mais variados ministérios do governo.
Ao longo da Primeira República, o ensino permaneceu estagnado. O que pode ser ilustrado com o número de analfabetos em relação à população total, que se manteve no índice de 75% entre 1900 e 1920, sendo que o número absoluto de analfabetos aumentou de 12.939.000 para 23.142.000. Quase duplicou!
Na era Vargas, a Constituição de 1934 determinou que a União e os municípios deveriam aplicar nunca menos de 10%, e os estados 20% da arrecadação de impostos, na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais. No entanto, vejam só, em 1936, a União aplicava 2,5% e os municípios 8,1%, quando deveria ser no mínimo 10%, e os estados aplicavam 13,4% dos 20% mínimos.
A Constituição de 1946 fixou em 20% a obrigação mínima dos estados e municípios e 10% para a União. No entanto, em 1955, tínhamos os seguintes resultados: União, 5,7%, estados, 13,7% e municípios, 11,4%. Sempre investimentos muito abaixo do que a própria lei determinava.
A nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 20 de dezembro de 1961, determinou pelo parágrafo 1o. do artigo 92, que, com nove décimos dos recursos federais, deviam ser constituídos, com parcelas iguais, três fundos: um para o ensino primário, outro para o ensino médio e um terceiro para o ensino superior. E no parágrafo 2o atribuiu ao Conselho Federal de Educação a tarefa de elaborar o plano referente a cada um desses três fundos.
Designado para relatar o plano no Conselho Federal de Educação, Anísio Teixeira arquitetou um procedimento engenhoso para a distribuição dos recursos, detalhando no que se refere ao plano do Fundo Nacional do Ensino Primário. Então, combinando renda per capita dos estados com população em idade escolar, propôs que 70% dos recursos fossem calculados na razão inversa da renda per capita, e 30% na razão direta da população em idade escolar.
Para determinar as despesas com ensino considerou  que os gastos com salários dos professores seriam da ordem de 70%, que é o que, agora, o Fundeb aprovado também marcou. O anterior era, no mínimo, 60%, e, agora, é como Anísio Teixeira já havia proposto. Distribuindo-se o restante entre administração (7%), recursos didáticos (13%) e prédio e equipamentos (10%).
Anísio tomou ainda os valores dos salários mínimos regionais como referência para estabelecer os custos com o magistério. E, somados às demais despesas, permitiram-lhe determinar o custo do aluno/ano. Com base nesses elementos, propôs uma fórmula matemática para o cálculo dos recursos que a União repassaria a cada Unidade da Federação.
Ora, foi esse procedimento que inspirou a criação, em 1996, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, o Fundef, que vigorou de 1996 até 2006. Essa orientação também foi mantida com a substituição do Fundef pelo Fundeb, em dezembro de 2006, quando ocorreram, no entanto, dois avanços em relação ao Fundef.
O primeiro foi estender a abrangência para toda a educação básica, abarcando também a educação infantil e o ensino médio. E o segundo avanço foi assegurar a participação da União com a parcela do orçamento do MEC, pois o governo FHC não cumpria essa exigência e utilizava a transferência dos recursos do salário-educação como correspondendo à participação federal na composição do, então, Fundef. Pela lei de 20 de junho de 2007, que regulamentou a implantação do então Fundeb, foi vedada a utilização de recursos oriundos da arrecadação da contribuição social do salário-educação na complementação da união aos Fundos, paragrafo 1o. do artigo 5o. dessa lei. O próprio governo federal, no projeto da lei que foi aprovado no Congresso, proibiu o uso do salário-educação, porque era uma forma de burlar a exigência da complementação por parte do Governo Federal.
Agora, felizmente, a Câmara dos Deputados, num esforço articulado pela oposição ao governo Bolsonaro, aprovou em 22 de julho deste ano, a Emenda Constitucional, que não apenas renova a validade do Fundeb, como o torna permanente. Além disso, representa um avanço ao determinar a ampliação gradativa da participação da União, passando dos 10% atuais, para chegar a 23% em 2026.
Só nos resta, então, esperar que o Senado confirme integralmente essa decisão, que se configurou numa clara derrota do governo Bolsonaro. No entanto, o presidente, mentiroso contumaz, teve o desplante de afirmar nas redes sociais, no dia 23 de julho, um dia depois da aprovação da PEC do Fundeb, que “O Executivo mostrou responsabilidade na aprovação do Fundeb, no dia de ontem. Então, o PT ficou 14 anos no poder e não fez nada. Ou melhor, via método Paulo Freire, nos colocou em último lugar no PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes]. E o governo conseguiu, ontem, mais uma vitória, aprovamos o Fundeb e o Senado deve seguir o mesmo caminho”.
Ora, o governo tentou a ultima hora transferir a validade do Fundeb para 2022 e desviar recursos do Fundo para o programa Bolsa Família. Sete votos não favoráveis à aprovação da PEC foram de aliados do presidente, pertencentes seis do PSL e um do PSC, partidos que o elegeram.
Enfim, já que a questão dos recursos para a educação e seu aumento têm a ver com a busca de melhorar a qualidade do ensino, é preciso considerar que é impossível equacionar o problema da qualidade do ensino público operando sempre com recursos escassos como é a regra no nosso país.
É preciso, então, equipar adequadamente as escolas e instituir uma carreira docente que permita aos professores, em regime de 40 horas semanais, e com salários dignos, atuarem em uma única escola de educação básica, destinando metade do tempo para as aulas e a outra metade para as demais atividades.
Assim, transformada a docência em uma profissão atraente socialmente, em razão da sensível melhoria salarial e das condições de trabalho, para ela serão atraídos muitos jovens dispostos a investir seus recursos, tempo e energias, numa alta qualificação obtida em graduações de longa duração e em cursos de pós-graduação. Com um quadro de professores altamente qualificados trabalhando em condições adequadas estaremos elevando a qualidade da educação pública em seus diferentes níveis e modalidades.
Enfim, cabe afirmar que educação é, pois, um investimento, e dos mais rentáveis; não sendo, em hipótese alguma, simplesmente gasto ou despesa. Portanto, a educação sequer estaria sujeita à determinação da Emenda 95 que estabeleceu o Teto de Gastos.
Portanto, o governo deve encaminhar ao Congresso, que deve tomar a iniciativa de aprovar um projeto revogando a Emenda 95. Porque é um absurdo que um país decida, por sua iniciativa, ficar parado durante 20 anos sem investir e sem se desenvolver. Mesmo que o Congresso não faça isso, o governo não está impedido de investir em educação, porque não se trata de gasto, portanto não está submetido aos limites do Teto de Gastos.
(Este texto foi extraído da live do portal Vermelho “Rumos da educação em tempos de pandemia e bolsonarismo”, ocorrida no último dia 24 de julho, às 15 horas.)
A boa leitura para viver melhor https://bit.ly/2X71T2g

Sem limites


Voltando ao telhado?
Luciano Siqueira


Dizer que havia subido ao telhado certamente foi um exagero, mas a imagem em certa medida é apropriada para caracterizar momentos de dificuldade do presidente Jair Bolsonaro e seu governo.

Quando fazia um ano e meio no cargo, o ex-capitão se viu literalmente “nas cordas”, acossado por um rol de golpes cruzados: a prisão do tal Queiroz e toda uma carga de ameaças em decorrência das ligações suspeitas desse cidadão com a família Bolsonaro; as derrotas sucessivas no STF; as adversidades corridas no Congresso Nacional; o isolamento político crescente atestado nas pesquisas; o agravamento da pandemia do novo coronavírus e da crise social, tendo o desemprego como vetor.

Foi quando a turma que atua por trás das cortinas em favor de poderosos interesses concentrados no governo — do chamado mercado, sobretudo — impôs ao presidente dois meses de jejum de suas costumeiras provocações e diatribes.

Calado e favorecido pela dispersão do campo oposicionista, e ainda de quebra beneficiado pela percepção distorcida de milhões de brasileiros beneficiários do auxílio emergencial (que erroneamente supõem ser uma benesse do presidente), pôde respirar.

Até melhorou seu desempenho em pesquisas.

Acenou com a bandeira branca a ministros do STF e a parcelas do Congresso Nacional, especialmente a parlamentares do chamado centrão. Saiu do Palácio agora não mais para confraternizar com manifestantes fascistas na Praça dos Três Poderes, mas em viagens ao Nordeste para festejar obras que não são originariamente suas e que promete concluir.

Também assumiu uma agenda de anúncios de programas adotados desde Lula, agora com rótulos diferente e restrições financeiras — como o Minha casa, minha vida, agora convertido em Casa verde e amarela.

A um governo auto-aprisionado na fórmula ultraliberal de gerir a economia, em que se sobressai o fiscalismo fundamentalista, cada passo que o presidente tenta dar nessa direção implica em conflitos com ex-superministro Paulo Guedes e a sua agora desfalcada equipe.

E eis que um repórter pergunta ao presidente sobre os estranhos depósitos feitos pelo tal Queiroz na conta bancária da primeira dama. O suficiente para uma agressão grosseira e para em seguida tratar jornalistas com epítetos do tipo “bundões”.

Ou seja, Bolsonaro parece voltar a ser o autêntico Bolsonaro e romper com o jejum que lhe fora imposto.

Coincidentemente, a apuração do caso denominado “rachadinhas”, que envolve seu filho ex-deputado e atual senador Flavio, agora ganha o tempero de “pagamentos” relativamente volumosos, em espécie, na tal loja de chocolates de um shopping, feitos pelo Queiroz, valores em seguida apropriados pelo dono da loja, o mesmo Flavio, sem os devidos registros contábeis.

Tem gente que chama isso de lavagem de dinheiro escuso. Será?

Entrementes, corroendo a sociedade pela base, segue a mazela social puxada pelo desemprego, que tende a se agravar nos próximos meses.

Nas circunstâncias de um governo reacionário e contraditório, de um presidente destrambelhado e de crises sanitária, econômica, social e institucional entrelaçadas, será que o presidente ensaia uma volta ao tal telhado?

Talvez ainda não, pois falta o contraponto de uma oposição coesa e atuante e que, por enquanto, permanece dispersa.
Veja: Um fator de agravamento da crise https://bit.ly/2X75FJ6

Bate boca

Realmente, o governo Bolsonaro é um amontoado de interesses contraditórios. Basta ver o “arranca rabo“ por causa do tal programa Renda Brasil.

Alta pressão

Crise econômica, pandemia do novo coronavírus, conflitos raciais e agora o furacão Laura… E Trump ainda tem que administrar desvantagens nas pesquisas relativas à peleja eleitoral. Um presidente tenso, à beira de um ataque de nervos!

Muita lama

— Pelo que diz a Folha, tem coisa feia... 
— Como assim?
— ‘Elos de Bolsonaro e Flávio com Queiroz e suposta 'rachadinha' acumulam perguntas sem resposta. ‘
— Realmente... 
— ‘Dúvidas sobre o caso vão além da questão sobre depósitos a Michelle que tem irritado o presidente. ‘ https://bit.ly/2YDlpEs

26 agosto 2020

Serve a quem?


Movimento por moradia denuncia: Programa Casa Verde e Amarela praticamente exclui famílias mais pobres

Evaniza Rodrigues, Viomundo

O governo federal lançou, hoje, o programa Casa Verde e Amarelo em substituição ao Minha Casa Minha Vida, criado e mantido pelos governos Lula e Dilma.
Apesar de o texto ainda não ter sido publicado oficialmente, pela fala do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogerio Marinho, o programa exclui praticamente as famílias mais pobres que ganham menos de 1.800 reais e que estão situadas na chamada faixa 1 do MCMV. Nesse segmento encontra-se o maior déficit habitacional do país.
Para acessar o novo programa, as famílias têm que atender a uma série de critérios que elas não têm condições de comprovar para obter o financiamento habitacional , como ter o nome limpo no Serasa, no SPC e não ter dívida com bancos públicos.
E, além disso, há ainda a chamada análise de risco de crédito dos bancos onde as famílias pobres não têm como ser aprovadas. Ou seja, pela lógica do atual governo elas continuarão a ser excluídas.
Era preciso ter dado continuidade aos programas para a Faixa 1 que estavam vigorando e que não estabeleciam exigências para o acesso ao crédito.
No lançamento de hoje, o ministro disse em alto e bom som que não haveria mais produção para as famílias mais pobres, sob o argumento de que seria necessário primeiro finalizar as que estão em construção.
Ora, sabemos que construir casa não é como assar um pãozinho no forno que em alguns minutos está pronto.
Pela nossa experiência, é necessário pelo menos seis meses para aprovação do projeto e mais dois anos para a construção das unidades.
Ou seja, se for pela lógica do ministro as famílias pobres não têm projetos habitacionais e não terão no futuro também.
É muito preocupante, em nossa opinião o programa consolida a exclusão das famílias mais pobres do acesso à moradia.
O ministro afirmou ainda que terão alterações nos sistemas de financiamentos para as faixas 1,5, 2 e 3 mas não especificou oficialmente quais serão as alterações.
Na proposta para a regularização fundiária não foram divulgados quais serão os critérios e nem quais serão os recursos.
Também não houve maior detalhamento sobre como será o tratamento para inadimplência da Faixa 1 para ver se atende as necessidades das famílias afetadas pela pandemia. Estamos aguardando a publicação do texto oficialmente.
Veja: Um fator de agravamento da crise https://bit.ly/2X75FJ6

História viva


A audácia de um líder e a mobilização de um povo
Exemplo de determinação e coragem de Leonel Brizola e do povo gaúcho lembrados nos 59 anos da Legalidade
Raul Carrion*

           
Quando Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, entregou a sua carta-renúncia aos ministros militares e ao presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, não fez nenhum gesto tresloucado. Ao contrário – como confessaria anos mais tarde em sua “História do Povo Brasileiro” – foi um auto-golpe fracassado, feito na expectativa de retornar “nos braços do povo”, com poderes absolutos e apoio militar:
O fato de o Vice-Presidente João Goulart estar na China Socialista e ser uma sexta-feira – quando o Congresso costumava estar vazio – formavam o panorama ideal para o desenlace planejado. Só que a artimanha foi mal calculada e “o tiro saiu pela culatra”, pois sua renúncia foi imediatamente aceita e o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, assumiu a Presidência da República.
Tão logo Jânio tornou-se uma “carta fora do baralho”, os três ministros militares – Odílio Deniz, Sylvio Heck e Grun Moss – comunicaram a Mazzili que não permitiriam que Jango assumisse a presidência da República.
Ao saber da renúncia, o governador Leonel Brizola ligou para Jânio e colocou-se à sua disposição. Esclarecido que ele não fora compelido a renunciar, Brizola assumiu a defesa da Constituição e a posse de Jango.
Diante da atitude golpista dos ministros militares, fez contato com o Comandante do III Exército – Gal. Machado Lopes – para saber a sua posição e este respondeu que “como soldado ficarei com o Exército”. Ficou claro que Machado Lopes se subordinava à postura golpista dos ministros militares.
Apesar do quadro adverso, Brizola não se intimidou. Colocou a Polícia Civil e a Brigada Militar em rigorosa prontidão, concentrou os seus efetivos em Porto Alegre ocupou os pontos chaves da cidade, organizou a defesa do Palácio Piratini e requisitou todo combustível disponível.
A Assembleia Legislativa instalou-se em sessão permanente. Lideres sindicais, populares, estudantis mobilizaram-se e dirigiram-se ao Palácio Piratini, exigindo o respeito à “Legalidade” e a posse de João Goulart. Quando lá chegarem, já eram cinco mil. Falando da sacada do Palácio, Brizola assumiu essa palavra de ordem. Estava iniciado o “Movimento da Legalidade”.
No domingo 27 de agosto, Brizola fez um veemente discurso nas rádios, chamando à resistência ao golpe. Milhares se dirigiram à Praça da Matriz, para proteger o Palácio Piratini.
O Comando Sindical Gaúcho Unificado organizou Comitês de Resistência Democrática. O primeiro deles foi no “Mataborrão”, na Av. Borges de Medeiros com Andrade Neves, e inscreveu milhares de pessoas na defesa da Constituição. Os CRDs se espalharam por todo o Estado e mais de 100 mil gaúchos se alistaram para defender a Legalidade. Foram formados batalhões de metalúrgicos, ferroviários, marítimos, estivadores, bancários, comerciários, enfermeiros, estudantes, artistas, militares reformados, enfim, a cidadania organizada.
A UNE decretou uma greve nacional pela posse de Jango. Seu presidente, Aldo Arantes, veio a Porto Alegre, transferindo para cá a sede da UNE. O governador de Goiás, Mauro Borges, assumiu a luta pela Legalidade. O Mal. Lott exigiu respeito à Constituição, mas foi preso pelos golpistas. Mobilizações começaram a ocorrer em todo o Brasil.
Orientado por Lott, Brizola contatou os generais Oromar Osório e Peri Bevilaqua – que comandavam as tropas mais poderosas do III Exército –, que aderiram à causa da Legalidade e passaram a pressionar Machado Lopes. Outras guarnições também aderiram à Legalidade.
No dia 28, ao saber que os golpistas iriam bombardear o Palácio Piratini para submetê-lo pela força, Brizola requisitou os transmissores da Rádio Guaíba e os instalou nos porões do Palácio, formando a “Rede da Legalidade” – que chegou a englobar 104 emissoras em todo o país –, para defender a Constituição.
Na Base Aérea de Canoas, suboficiais e sargentos impediram que os aviões decolassem para bombardear o Palácio de Governo. Tropas do III Exército se deslocaram até as antenas da Rádio Guaíba – defendidas pela Brigada Militar – para calar a “Rede da Legalidade”, mas no último momento recuaram.
O Gal Machado Lopes solicitou, então, uma reunião com Brizola, que aceitou, mas exigiu que fosse no Palácio Piratini. Brizola fez, então, um pronunciamento dramático, defendendo a Legalidade e afirmando que lutaria até o último alento contra qualquer golpe militar:
O povo respondeu a Brizola afluindo em massa à Praça da Matriz. Em pouco tempo, eram mais de 100 mil. Pressionado pela mobilização popular e por seus principais comandantes, Machado Lopes afirmou a Brizola que não mais acataria os ministros militares e apoiaria uma saída Constitucional para a crise.
A adesão do III Exército, o mais poderoso do país, reforçado pela Brigada Militar e pelo apoio massivo da população, equilibrou as forças no tabuleiro nacional. A resistência ao golpe transformava-se cada vez mais em um levante popular que envolvia as próprias Forças Armadas e punha em risco o regime.
Diante do imponderável, tanto as elites dominantes quanto os altos mandos militares passaram a trabalhar por uma saída negociada que evitasse a guerra civil. Essa saída foi a emenda parlamentarista, votada nos primeiros dias de setembro e aceita a contragosto pelos golpistas.
Finalmente, em 7 de setembro de 1961, João Goulart assumiu a Presidência da República, sob regime parlamentarista. O povo, os trabalhadores, os militares democratas – conduzidos por um grande e destemido líder – haviam vencido! A vitória não havia sido completa, mas, talvez, tenha sido a possível naquelas circunstâncias.
O exemplo de determinação e coragem que Leonel Brizola e o povo gaúcho demonstraram em circunstâncias tão difíceis devem nos servir de modelo e inspiração, em um momento em que os mesmos de sempre voltam a ameaçar a democracia.
*Historiador
Veja: Uma bomba social explosiva à margem de pactos https://bit.ly/2X75FJ6