18 junho 2025

Palavra de poeta

A LUZ
Marcelo Mário de Melo  

Entre dores e ardores
sentimentos comprimidos
plantações no cemitério
esperanças entubadas
caminhando no escuro.
 
Da borboleta à lagarta
engatinhando de muletas
tomando cachaça na mamadeira.
 
Vendo o castelo de cartas
ir aos ares
e o renascer das fábricas
do mesmo baralho
com os contumazes viciados
organizando as mesas do jogo.
 
Todos de costas
para a plateia
e o vento inverso
trazendo a alcateia
com os lobos vestidos
em Cordeiros de Deus.
 
Firmando os pés
no chão no pântano
entre plantas carnívoras
sem poder de poda
erguendo a foice sem cabo
e batebdo o martelo sem prego.
 
Entre dores e ardores
viciado em luz
na caverna escura
procurando um fio de luz.

[Ilustração: David Alfaro Siqueiros]

Leia também 'Ninguém me habita', poema de Thiago de Mello https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-thiago-de-mello_25.html 

China x EUA

Os EUA devem parar imediatamente de alimentar a máquina de guerra no Oriente Médio
Global Times  


A situação no Oriente Médio está se tornando cada vez mais tensa. "Os EUA estão se preparando para a guerra?" - uma manchete da Al Jazeera captura as profundas preocupações da região e da comunidade internacional em geral sobre uma possível intervenção militar dos EUA no conflito Irã-Israel, o que poderia levar a situação a uma espiral fora de controle. Em resposta às ameaças de guerra dos EUA, o Líder Supremo do Irã, Aiatolá Ali Khamenei, disse em um discurso televisionado na quarta-feira que o Irã "não se renderá" e alertou que qualquer intervenção militar americana causaria "danos irreparáveis". O mundo agora observa com a respiração suspensa: os EUA estão conduzindo um teste de linha dura antes das negociações ou mobilizando a opinião pública para uma guerra? De qualquer forma, o simples fato de os EUA estarem cogitando o envolvimento é, em si, um sinal muito perigoso.

Os meios diplomáticos em relação à questão nuclear iraniana não foram esgotados e uma resolução pacífica ainda é possível. O consenso geral na comunidade internacional é que a força militar não pode trazer paz à região - somente defendendo a visão de segurança comum as preocupações legítimas de todas as partes podem ser completamente abordadas. Antes do atual conflito Irã-Israel, os EUA e o Irã já haviam realizado cinco rodadas de negociações sobre a questão nuclear. Embora diferenças significativas permanecessem e nenhum avanço substancial tivesse sido alcançado, as negociações estavam em andamento. Não fosse o repentino ataque militar de Israel ao Irã, a sexta rodada de negociações teria ocorrido conforme programado em Mascate, Omã. É claro que o que desencadeou o conflito não foi o colapso da diplomacia, mas uma aventura militar.

A questão nuclear iraniana se arrasta há mais de 20 anos. A lição mais importante aprendida é que esforços políticos e diplomáticos são a única maneira correta de resolvê-la adequadamente. A lição histórica mais profunda é que o confronto implacável, a pressão e o enfraquecimento de acordos internacionais só servem para complicar ainda mais a situação. Os EUA são responsáveis ​​pela questão nuclear iraniana. Se Washington não tivesse se retirado unilateralmente do Plano de Ação Global Conjunto (JCPOA), e se o acordo tivesse sido implementado de forma tranquila e eficaz, a questão muito provavelmente não teria se deteriorado ao seu estado atual.

Como membro da comunidade internacional, a soberania nacional, a segurança e a integridade territorial do Irã não devem ser violadas, e o povo iraniano e seus bens devem ser protegidos. Especialmente porque a comunidade internacional ainda busca uma solução política para a questão, qualquer uso imprudente da força contra o Irã é inaceitável e constitui uma flagrante violação do direito internacional.

Do Afeganistão ao Iraque, a história há muito prova que as intervenções militares dos EUA nunca trouxeram paz. Em vez disso, deixaram devastação e semearam as sementes do ódio, prejudicando profundamente a sociedade americana. De acordo com o projeto Costs of War, da Universidade Brown, desde 2001, a chamada "guerra ao terror" dos EUA já ceifou mais de 800.000 vidas, deslocou mais de 38 milhões de pessoas e custou mais de US$ 8 trilhões. Essas lições dolorosas estão longe de serem esquecidas. A CNN alertou que "os EUA podem estar caminhando para outra guerra no Oriente Médio", descrevendo Washington como "à beira de uma grande aposta", enfatizando que "o Irã não é a Líbia, o Iraque ou o Afeganistão" e que "a história não precisa se repetir". Uma pesquisa recente da revista Economist mostra que 60% dos americanos se opõem ao envolvimento militar dos EUA no conflito, com apenas 16% apoiando a ação militar. Isso indica que um envolvimento mais profundo no conflito Irã-Israel não reflete a verdadeira vontade do povo americano.

A presença militar dos EUA no Oriente Médio já é substancial e as tensões na região são suficientemente altas. Mesmo que Washington esteja apenas se posicionando para "assustar" o Irã, tais táticas de "pressão máxima" estão minando os esforços para alcançar a paz regional e são contrárias à equidade e justiça internacionais. A prioridade urgente atual não é continuar realocando tropas ou mobilizando mais porta-aviões e caças, mas sim promover a paz e interromper a guerra. Medidas eficazes devem ser tomadas para impedir a escalada de conflitos e evitar maiores turbulências na região. Retornar a uma solução política de diálogo e negociações é uma expectativa comum da comunidade internacional. A escalada da situação no Oriente Médio não atende aos interesses de nenhuma das partes.

Como um país com influência especial sobre Israel, os EUA devem, em particular, adotar uma postura objetiva e imparcial, assumir a devida responsabilidade e desempenhar um papel positivo e construtivo na redução das tensões e na prevenção da expansão do conflito. Sangue ainda corre em Gaza, refugiados sírios continuam a vagar e o Oriente Médio não pode resistir a outra "guerra imposta". Se os EUA realmente buscam "resolver conflitos pacificamente", precisam enviar sinais mais claros e proativos em relação às questões do Oriente Médio, parar de alimentar a máquina de guerra e assumir a responsabilidade de promover a paz e interromper a guerra, em vez de complicar ainda mais as questões ou se tornar parte do problema.

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Leia também: Israel-Irã: uma grande guerra a caminho? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/israel-x-ira.html

Arte é vida

 

João Câmara 

"Vivos, lúcidos e ativos" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/minha-opiniao_18.html 

Maioria parlamentar contra o povo

Congresso ataca governo e prejudica o povo com medida que aumenta conta de luz
Em sessão conjunta, parlamentares derrubaram uma série de vetos do governo, entre os quais um que poderá elevar a tarifa de energia, prejudicando especialmente os mais pobres
Priscila Lobregatte/Vermelho 

Dominado pela direita, cuja prioridade tem sido inviabilizar o governo Lula, o Congresso Nacional derrubou, nesta terça-feira (17), uma série de vetos presidenciais, dentre os quais um que poderá prejudicar diretamente a população e beneficiar empresários do setor elétrico. Os parlamentares restabeleceram “jabutis” colocados por eles mesmos na lei que trata de investimentos em usinas eólicas em alto-mar.

Com a retomada desses jabutis — elementos estranhos à pauta original, em geral colocadas para satisfazer interesses de parlamentares e lobbies — fica estabelecida a contratação compulsórias de energia de pequenas centrais hidrelétricas mesmo que não haja demanda para isso. Atualmente, isso só ocorre se houver necessidade de abastecimento.

Além disso, a matéria determina a contratação de hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste e de eólicas na Região Sul e a prorrogação contratual, por 20 anos, de contratos de compra de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

Com esse conjunto de medidas, as contas de luz podem ter um aumento de pelo menos 3,5% para os consumidores, segundo estimativas divulgadas pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) e pela Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace Energia).

Considerando esse percentual, as entidades argumentam que a retomada desses pontos pode gerar um impacto de R$ 197 bilhões (ou R$ 7,8 bilhões) até 2050.

Ainda falta votar outros trechos que, somados, podem gerar custos adicionais de R$ 348 bilhões: a extensão do prazo para contratação de usinas a carvão; a obrigação de pagar por energia de térmicas a gás e a manutenção dos subsídios à energia solar.

Após a aprovação final do projeto pelo Senado no final do ano, o governo federal sinalizou que vetaria esses pontos no início de 2025.

Na ocasião, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a recomendação pelo veto foi geral entre os ministérios envolvidos no projeto — Fazenda, Minas e Energia, Desenvolvimento e Meio Ambiente.

“Todos os ministérios que se manifestaram foram unânimes em relação a isso [ao veto dos jabutis], inclusive porque há um grave prejuízo à economia popular. Há um problema efetivo de que a conta de luz das pessoas mais pobres seja afetada por essa decisão”, declarou Haddad.

Na votação do marco regulatório para a energia eólica, em dezembro, o Senado manteve três artigos inseridos pela Câmara dos Deputados que beneficiam termelétricas a carvão e a gás natural, que são mais caras. As medidas acabaram sendo incluídas no texto, mesmo sob protesto de entidades ambientais, das próprias empresas de energia e dos alertas do governo.

Outras derrubadas

Ainda nesta terça-feira, outros vetos foram derrubados. Dois deles, beneficiaram a bancada ruralista. Um diz respeito à dispensa de registro prévio para insumos agrícolas produzidos por agricultores para uso próprio.

Outro trata do autocontrole agropecuário, agrotóxicos e licitações, com dispositivos ligados à “desburocratização” e flexibilização de normas que acabaram sendo retomados, em vitória da bancada do agro e do setor produtivo.

O Congresso também decidiu pela rejeição do veto que permitiria a cobrança dos novos impostos sobre consumo em fundos de investimento. Com isso, foi retomada a isenção de cobrança dos novos Impostos sobre Valor Agregado (IVAs), criados pela reforma tributária, a Fundos de Investimento do Agronegócio e (Fiagros) e Fundos Imobiliários (FIIs), o que também beneficia o setor do agronegócio.

Também foi derrubado o veto ao projeto de lei que prevê pensão vitalícia a pessoas com deficiência causada pelo vírus Zika durante a gestação. Neste caso, houve acordo para essa mudança. Segundo o líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), o veto havia sido estabelecido devido à Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece que matéria sem fonte financeira deve ser vetada, sob o risco de haver crime nesta seara. “O presidente determinou para a gente encontrar a solução e encontramos”, disse, justificando a nova posição. Com isso, essas pessoas passarão a receber pensão vitalícia de R$ 7.786,02.

Outro veto derrubado estabelece a correção do Fundo Partidário anualmente de acordo com a variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Também foi rejeitado veto relativo a pesquisas com seres humanos — os parlamentares retomaram a determinação de o Ministério Público ser comunicado sobre a participação de integrantes de grupo indígena em pesquisas. (Com agências).

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Leia: O busílis da questão https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/minha-opiniao_16.html 

Uma crônica de Abraham Sicsu

Viva São João!
Abraham B Sicsu 

Duas festas populares. Marcam o Nordeste Brasileiro. Carnaval e São João. Carnaval de rua, sempre participativo, explosão de alegria, assumindo as fantasias do imaginário, nos expomos, nos desnudamos.

São João, um dia que se tornou um mês, ou muito mais, de fraternidade e simbolismos, nele nos encontramos, voltamos a nossas origens. Minha festa favorita.

Cheguei a Recife em 1979. Vinha fazer Mestrado. Uma colega, amiga Rosa, nos convida. Venham para o Palhoção da minha família. Não sabíamos o que era, mas fomos.

Em Afogados, dois quarteirões de uma transversal de avenida movimentada. A rua fechada. Um toldo enorme, muito bem ornamentado. Zabumba, triângulo e sanfona. O ritmo se faz presente. Os compositores bem conhecidos, Gonzagão, Dominguinhos e os locais como Maciel Melo e Santana, música a noite toda.

Uma camisa quadriculada e a saia de chita. Moças com blusas de flores. Homens têm que ter chapéu de palha. Abraços nos recebem, bebida como combustível, tem que aguentar até o alvorecer.

Na época havia balão. Politicamente incorreto, mas um céu lindíssimo. Multicor, com tochas parecendo estrelas bem próximas. A lua era bem cheia. O céu bem estrelado. O mágico se manifesta. Dançando a não poder mais, sentindo nos pés o pulsar dos convidados.

Comidas que nos fascinam. Tudo de bom e do melhor. Canjica, pamonha, milho cozido e assado. O cereal místico é o grande mote da comilança.

Os bolos, uma loucura. Pé de moleque, de macaxeira com coco, Souza Leão, de milho, e muito mais. Tapioca e amendoim acompanham. Fartura de sabores e cores, começamos a entender o porquê das festas juninas serem especiais no nosso querido Nordeste.

Vai ter quadrilha, da tradicional. Sem alegorias e adereços. Não é escola de samba, afinal. O improviso fundamental. Puxador chama, os pares se formam. À francesa medieval começa o desfile. Alavantú, anarrié, olha chuva, passou. Casais se confundem, se atropelam, erram nos passos. Nada muito certinho, isso dá a graça, confraternização a palavra mágica. Noite descontraída, jamais sairá da memória.

Saudade dos Palhoções, se espalhavam pela cidade. Famílias organizavam, meses de planejamento, enfeitar as ruas, escolher os músicos, idealizar o lugar da dança apinhada de confrades, tudo está acabando, o crescer da cidade dificulta essas intervenções sociais.

1989, trabalhava num instituto tecnológico. Um colega era de Altinho. Fez uma bela provocação. Querem conhecer o verdadeiro São João, venham comigo. Fomos.

Um sítio no meio do mato. Não havia luz elétrica. Lampiões são espalhados. O chão de terra batida. O trio tocador animado. Lapadas de cana como combustível. É dança a noite toda. Festa de amigos, todos se conhecem, menos nós. Mas, somos muito bem acolhidos.

Nada de se isolar, tem que participar. Céu de estrelas, muita comida, um grupo bem animado.

O bodinho guisado, o coxão de porco assado. Muito caldinho e cerveja. O baile continua. Casais se escondem. Todos sabem aonde. Beijos, abraços, num juntar de corpos ao ritmo da música. Com algum respeito, claro, para não ofender os donos da casa.

Vão chegando os primeiros raios. O sol vai despontar. Nova mesa é posta e os lampiões apagados. O caldeirão de mungunzá para revigorar, trazer energias para o forró continuar. Uma noite inolvidável, uma festa para não por nenhum defeito.

Gerson veio da Mata Sul. Festeiro e animado. Sabe organizar a alegria, tornar vivos os momentos de convivência. Somos um grupo de professores amigos. Sempre nos reunimos para confraternizar. Um ano, se não me engano 1995, resolve que passaremos juntos as festas juninas.

Alugamos um bar, providenciamos as comidas, chamamos todos os queridos. O importante era estarmos presentes e unidos. O lugar tem bandeirolas e a música vai começar. No princípio, não sei se era trio ou radiola de ficha.

Uma surpresa emociona. Convidam Josildo Sá, cantador de primeira. Ele topa e vem.  Com seu jeito eletrizante, com sua música falante, aprendemos o que é samba de latada.

Uma noite esfuziante, um litro de rum por mesa, pelo menos na minha, e quem não bebe consegue até garapa de cana, aparece uma engenhoca artesanal.

Recife tem grandes festas. Quartel General do São João, o Sítio da Trindade.

Festa popular com grandes shows, com concurso de quadrilhas, aquelas toda enfeitadas parecendo escolas de samba. Tem, também, muito forró, a noite toda, numa sala de reboco. Gostamos muito, sem preconceito contra o apertado dos salões de baile, todo ano vamos.

2010, vou morar ao lado do Sítio. Na véspera de São João, todo ano, recebo os amigos. Lá pelas 18 h. Uma mesa com todas as guloseimas da época. O cachorro quente, uma maravilha. De carne moída com linguiça triturada. Dona Teresa faz o melhor pé de moleque que existe, os bolos vêm da padaria do Rosarinho.

Acendemos uma mini fogueira para reverenciar o Santo. Na verdade é uma vela daquelas grandes aromatizadas. Serve também para alimentar os fogos. Chuvinha e estrelinhas os preferidos. As crianças e o traque de massa. Um barulho aguentável, principalmente pela felicidade dos pequeninos.

São cerca de 20 horas. Hora de ir para o vuco-vuco do Sítio. Ver os shows, encontrar amigos.

No apertado nunca há mesas. Salsichão e acarajé completam o bucho já cheio. Uma caipirinha de frutas da época, uma cerveja gelada. Crianças alugam pôneis e se sentem heróis de faroeste. Só alegria, só divertimento.

Este ano, 2025, um programa diferente. Queridos amigos nos convidam para ir a Floresta. Cidade do Sertão onde se sabe fazer festas. Nas fazendas, no centro urbano. Temos certeza que será muito divertido. Quando voltar conto.

Ilustração Anita Malfatti

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Leia também: Alegria e drama no São João digital https://lucianosiqueira.blogspot.com/2021/06/cronica-junina-em-reprise.html 

Fotografia

Robson Ventura

Uma velha ideia na moda https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaocronica_26.html 

 

Humor de resistência

 

Aroeira

Leia também: O lugar do PCdoB na frente ampla https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/03/minha-opiniao_16.html

16º Congresso do PCdoB

Precisamos lutar pelo protagonismo da esquerda e mobilizar o povo, diz Luciana Santos
Para presidenta do PCdoB, bandeiras são centrais para que o Brasil derrote a extrema direita e avance para um novo projeto de desenvolvimento com soberania e justiça social
Priscila Lobregatte/Vermelho
 

O PCdoB lançou oficialmente nesta terça-feira (17), em live com mais de mil de militantes, o processo de mobilização para seu 16º Congresso, cuja plenária nacional acontece de 16 a 19 de outubro, em Brasília. Até lá, uma série de atividades discutirá, desde a base até o Comitê Central, os rumos e as lutas centrais do partido nos próximos quatro anos.

Com um formato leve e descontraído, a live de lançamento contou com a presença de dirigentes nacionais — entre eles, a presidenta do partido e ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos —, além da participação militante na sala virtual. O evento também foi transmitido pelo canal oficial do partido no YouTube.

Durante a live, foi anunciado que pela primeira vez, o próximo Comitê Central, a ser eleito durante o processo congressual, terá paridade de gênero, com metade de mulheres e metade de homens.

Também foi ressaltada a importância de as instâncias partidárias, em todo o Brasil, aproveitarem os debates congressuais para estimular a votação do Plebiscito Popular, iniciativa voltada à mobilização pela redução da jornada de trabalho sem redução salarial e fim da escala 6×1 e pela taxação dos ricos para isentar do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil.

Por uma nova vitória da nação 

Ao falar sobre o contexto nacional, a presidenta do PCdoB, Luciana Santos, salientou: “Os desafios políticos no Brasil são imensos porque embora a gente tenha ganhado as eleições de 2022, continuamos com o país polarizado, a institucionalidade fragilizada e, portanto, com muitos obstáculos a serem superados para que a gente possa consolidar a democracia e a soberania nacional”.

Por isso, acrescentou, “penso que a principal síntese do nosso Projeto de Resolução, no plano da política, é conquistar uma nova vitória da nação e da classe trabalhadora em 2026 e realizar mudanças estruturais para impulsionar o desenvolvimento soberano”.

Ela ressaltou que a vitória no ano que vem só será possível “com uma unidade ampla, liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é essencial para derrotar a extrema direita no Brasil” e defendeu “a necessidade de o país avançar na construção de um projeto nacional e no isolamento da extrema direita. “Precisamos lutar pelo protagonismo da esquerda, impulsionar a unidade e a mobilização do nosso povo”, enfatizou.

Luciana argumentou, ainda, que a frente ampla conquistada em 2022 “teve caráter democrático, de retomada das políticas públicas, mas não era uma frente ampla do ponto de vista da agenda econômica — e temos de superar isso. Precisamos ter mais forças políticas que enfrentem a centralidade do que é necessário hoje para retomar o crescimento, que é lutar contra a política de juros praticada pelo Banco Central e contra aspectos da política macroeconômica que hoje são impeditivos do crescimento nacional”. 

A dirigente enfatizou que “esse é o nosso papel de vanguarda: apontar o que precisa ser superado para podermos garantir mais bem-estar social para o povo”.

A comunista destacou, ainda, que o Brasil de Lula teve conquistas incontestes que precisam ser ressaltadas, entre as quais estão o crescimento econômico maior do que o mercado financeiro anunciava; geração de emprego; aumento da renda; lei do salário igual entre homens e mulheres; programas sociais como o Desenrola e o Pé-de-Meia; a retomada de outros como o Minha Casa, Minha Vida e do Bolsa Família sobre novas bases e o processo de reindustrialização.

Na avaliação de Luciana, a Nova Indústria Brasil (NIB), o PAC e a sinergia com os chineses “são as três grandes ações estruturantes que vão ao encontro de um novo projeto nacional de desenvolvimento”. Neste sentido, destacou o papel do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. “É claro que esse desenvolvimento só terá consistência se ele se der sobre novas bases tecnológicas e esse é o conceito que move a agenda da reindustrialização. Estamos investindo seis vezes mais em CT&I em dois anos e meio do que nos dois governos anteriores”.

Crise do capitalismo

Davidson Magalhães, dirigente do PCdoB da Bahia, fez um apanhado geral do projeto de resolução que pauta os debates do Congresso, focando, essencialmente, o cenário internacional.

“O 16º Congresso do PCdoB acontece num cenário marcado por uma grave crise do capitalismo, especialmente pela perda de dinamismo das economias dos EUA, Japão e União Europeia. Esta crise tem como principais consequências as baixas taxas de crescimento econômico, a ampliação da desigualdade de renda com alto grau de pobreza e miséria e, ao mesmo tempo, o surgimento de trilionários”, afirmou. 

Do ponto de vista do trabalho, acrescentou, “temos o aumento do desemprego e da precarização, de um lado, e a ampliação da riqueza financeira e do rentismo do outro. A esse quadro, soma-se o agravamento da crise ambiental”.

Em contraste com esse cenário de crise e decadência do capitalismo, pontuou, “vemos o dinamismo da economia asiática, notadamente a China, Vietnã e Índia. Portanto, vivemos o fim de uma ordem global em que os EUA passam por um período de declínio da sua hegemonia e transitamos para uma nova ordem com novos centros de poder, especialmente China e Rússia”.

Além dessas mudanças geopolíticas, Magalhães salientou que o capitalismo passa por mudanças estruturais significativas. “Os avanços da quarta revolução industrial, a inteligência artificial, a robótica, a internet das coisas, entre outros aspectos, criaram uma era digital, com processos disruptivos que impulsionaram a reorganização da produção e a circulação das mercadorias e das relações de trabalho em torno da economia de dados”. 

Ele pontuou que todos esses avanços tecnológicos, sob o controle do capital monopolista, ampliam a exploração e precarizam a vida do trabalhador. Ao mesmo tempo, as chamadas big techs “concentram grande poder econômico e capacidade de manipulação ideológica, através do controle dos algoritmos, proliferando conteúdos misóginos e racistas e fomentando a fragmentação e os valores da extrema direita”.

A live teve ainda a participação da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e contou com os comentários dos secretários de Organização, Nádia Campeão, e Sindical, Nivaldo Santana, além de Pedro Campos e Renata Rosa, dirigentes do PCdoB de São Paulo, como apresentadores.

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Por que só vencer eleições não basta para mudar o Brasil https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/walter-sorrentino-opina_17.html 

17 junho 2025

Palavra de poeta

TREM DE FERRO
Manuel Bandeira 

Café com pão
Café com pão
Café com pão
 
Virge Maria que foi isso maquinista?
 
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
 
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
 
Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
 
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
 
[Ilustração: Rachel Baran]
 
Leia uma crônica de Luis Fernando Verissimo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/uma-cronica-de-luis-fernando-verissimo.html  

História viva

Os intelectuais e a ditadura no Brasil
Como o regime se relacionava com a intelectualidade – e a utilizava no governo? De que forma aconteceu a “limpeza ideológica” nas universidades? De tecnocráticos anticomunistas aos que sonhavam ser a nova elite do Brasil, como agiam as duas principais alas alinhadas aos militares?
Michel Goulart da Silva/Outras Palavras  

Em texto publicado na década de 1970, discutindo a questão dos intelectuais na ditadura, Florestan Fernandes procurava chamar a atenção para a situação concreta em que esses setores viviam naquele contexto. O sociólogo via uma postura equivocada por parte da maioria desses setores. Para Florestan Fernandes, “o intelectual, ainda que universitário e profissional liberal, não surge como uma variante do homem comum. É sua réplica, frequentemente piorada, porque se representa como parte e imune à contaminação do atraso geral”.1

Durante a ditadura iniciada com o golpe de 1964, como em outros momentos da história do Brasil, é possível perceber a atividade de intelectuais que não apenas defendem regimes repressivos ou ataques a liberdades democráticas, como utilizam suas pesquisas e produções teóricas para construir justificativas às ações desses regimes. São exemplos disso intelectuais que colaboram com órgãos como ESG ou que assumiram cargos como interventores em universidades ou mesmo aqueles que ocuparam funções em governos da ditadura, como Flávio Suplicy de Lacerda, Raymundo Moniz de Aragão, Mário Henrique Simonsen, entre outros. Na UFSC, esse debate foi recentemente reacendido por conta da proposta de mudança de nome do campus, que homenageia David José Ferreira, reitor que n&a tilde;o apenas apoiou a ditadura como auxiliou o regime na perseguição contra colegas de universidade. Florestan Fernandes afirmava que a ditadura encontrou “um apoio cada vez mais amplo, ao invés de oposição, por parte dos intelectuais”.2

Os golpistas de 1964 encontraram uma estrutura técnica consolidada por governos anteriores, ampliando as funções estatais de organização e controle social, na qual os intelectuais poderiam explorar uma esfera administrativa baseada na ideia de eficiência técnica. Esses segmentos enfatizavam o gerenciamento científico, a administração pública normativa e a formalização e rotinização de tarefas. O processo de desenvolvimento dessa burocracia se consolidou no governo de Juscelino Kubitschek. Nesse período,

“[…] a rede tecno-burocrática de influência dentro do aparelho estatal era formada pelas camadas mais altas da administração pública e pelos técnicos pertencentes a agências e empresas estatais, os quais tinham ligações operacionais e interesses dentro do bloco de poder multinacional e associado. Esses executivos estatais asseguravam os canais de formulação de diretrizes políticas e de tomadas de decisão necessários aos interesses multinacionais e associados, organizando a opinião pública. Eles aplicaram a racionalidade capitalista da empresa privada às soluções dos problemas socioeconômicos nacionais, proporcionando a contrapartida pública do macro-marketing empresarial sob a forma de um planejamento limitado e recomendações técnicas”.3

Observa-se nesse processo a integração de uma parcela de intelectuais ao Estado, sob a retórica de que sua atuação se daria a partir do conhecimento científico, de forma neutra e com vistas a uma melhoria das condições da sociedade. Essa estrutura foi fundamental para a ditadura, na medida em que imbricava o desenvolvimento econômico, a estruturação da gestão estatal e a formulação ideológica. Segundo Octávio Ianni,

“[…] economistas, administradores, engenheiros, estatísticos, educadores, sociólogos, jornalistas e outros, muitos foram os especialistas civis e militares convocados para operar e ‘modernizar’ a organização e o funcionamento do aparelho estatal. Tratava-se de substituir o ‘político’ pelo ‘técnico’, a ‘demagogia’ pela ‘ciência’, o ‘carisma’ pela “eficácia”. Ao mesmo tempo que constituía o seu intelectual orgânico, ela [a ditadura] desenvolvia também as bases da ideologia desse intelectual”.4

O desenvolvimento dessa ideologia estava marcado pelo conservadorismo e pelo anticomunismo. O anticomunismo, que impregnou setores da sociedade durante a ditadura, se baseava na mistura de símbolos religiosos que se remetiam a demônios e pecados com uma retórica nacionalista e de defesa da propriedade. O conservadorismo difundido pelos ditadores pretendia transformar o Brasil em uma “potência média” integrada ao bloco econômico e político liderado pelos Estados Unidos, desenvolvendo o capitalismo de forma integrada ao imperialismo e, ao mesmo tempo, defendendo a “moral” e os “bons costumes” cristãos. Sabe-se que

“[…] o propósito modernizador se concentrava na perspectiva econômica e administrativa, com vistas ao crescimento, à aceleração da industrialização e à melhoria da máquina estatal. Já o projeto autoritário-conservador se pautava em manter os segmentos subalternos excluídos, especialmente como atores políticos, bem como em combater as ideias e os agentes da esquerda – por vezes, qualquer tipo de vanguarda – nos campos da política e da cultura, defendendo valores tradicionais como pátria, família e religião, incluindo a moral cristã”.5

Essa faceta de modernização econômica não parecia se mostrar contraditória com as ideias desenvolvidas por setores que defendiam os valores “tradicionais”. Observa-se que

“[…] esses setores, geralmente representados por religiosos, intelectuais conservadores e militares, não se contentavam tão somente com o expurgo da esquerda revolucionária e da corrupção. Eles desejavam aproveitar o momento para impor uma agenda conservadora mais ampla, que contemplasse a luta contra comportamentos morais desviantes, a imposição de censura e a adoção de medidas para fortalecer os valores caros à tradição, sobretudo pátria e religião”.6 

Essa complexa articulação de ideias exigiu da intelectualidade que apoiava o regime a tentativa de construção de justificativas e explicações. Diante do golpe e da ameaça ditatorial, esses intelectuais se mostravam identificados com o pânico e o medo propagado pelos setores que realizaram ou apoiaram a ação dos militares em 1964. O sociólogo aponta para “conexões estruturais e dinâmicas existentes”, as quais mostram que

“[…] as posições e papéis intelectuais acham-se ramificadas através do status privilegiados das classes alta e média. Em consequência, os intelectuais ficam permanentemente expostos a interesses, a ideologias e a valores que, por sua própria natureza, são intrinsecamente conservadores, no sentido de que fazem parte do horizonte cultural conservantista dos setores dominantes das classes alta e média”.7

Essa convergência entre intelectuais e ideias conservadoras não se manifestou apenas em espaços dos próprios militares, como a Escola Superior de Guerra (ESG), mas também nas universidades, onde, além da perseguição a uma parcela de intelectuais, muitos de seus trabalhadores auxiliaram na manutenção da ditadura, seja por meio do silêncio, seja pela colaboração direta com o regime. Nessa relação dos intelectuais com a ditadura percebe-se uma conivência moldada por diferentes fatores. Os intelectuais “careciam de meios de absorção de suas frustrações”, sendo “sobrecarregados com expectativas de controle e de ação conflitantes, impostas pela ditadura militar ou pelos grupos radicais e por si próprios”.8 Para os intelectuais, essa situação criava “uma tempestade de fricções, desilusões e desorientação moral”.9

Um dos acontecimentos mais destacados da ditadura em relação aos intelectuais passa por uma lista de demissões decretadas pelo governo ditatorial, por força do AI-5, em abril de 1969. Essa lista incluía intelectuais como Bolivar Lamonier, Caio Prado, Emília Viotti, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Jean Claude Bernadet, Maria Yedda Linhares, Octávio Ianni e dezenas de outros nomes, associados a posições políticas e ideológicas variadas, entre liberais, comunistas e socialistas. Essa “limpeza ideológica” realizada pela ditadura “levou ao bloqueio da livre circulação de ideias e de textos, e à instalação de mecanismos para vigiar a comunidade universitária”.10

Muitos dos intelectuais perseguidos pelo regime se exilaram, encontrando novas colocações profissionais em importantes universidades em outros países, e, em muitos casos, se engajando em lutas organizadas em âmbito internacional contra a ditadura no Brasil. Contudo, outra parcela da intelectualidade optou ou pelo silêncio ou pela colaboração com o regime repressivo, sendo possível apontar que, “dentro dos muros universitários, alguns docentes conservadores apoiaram a pauta repressiva na íntegra a fim de se livrar de adversários e concorrentes internos”.11 O governo ditatorial

“[…] lançou mão de estratégias de cooptação, e vários agentes demonstraram flexibilidade em relação a normas e valores dominantes, com tendência a tangenciar os preceitos legais e confiar mais na autoridade pessoal, nos laços sociais e em arranjos informais. Essas práticas permitiram ao Estado contar com o talento de profissionais provenientes de campo ideológico adversário, mas também propiciaram o amortecimento da repressão, com base na mobilização de fidelidades pessoais e compromissos informais”.12

Essa situação política impactou no trabalho realizado pelos intelectuais, na medida em que instituições onde atuavam “foram usadas em proveito dos interesses escusos predominantes, para apoiar tanto os golpes de Estado militares, quanto a militarização do poder político”.13 Para muitos intelectuais, a produção acadêmica foi “considerada como um meio honorífico de se obter bons salários e prestígio, em contraposição à pesquisa empenhada no avanço do conhecimento original”.14 Esses intelectuais que mantiveram espaç ;os institucionais aprofundaram sua atuação como técnicos de Estado. Com isso,

“[…] o fluxo da cooperação intelectual, leal e entusiasta ou fria e calculada, ultrapassou todas as expectativas (e mesmo as probabilidades existentes de absorção útil). Alguns atritos surgiram, destruindo a ilusão de que a restauração da ordem envolveria rápido restabelecimento do controle civil do poder político, e provocando o retraimento dos intelectuais que fizeram o papel de inocentes úteis ou de aliados perigosos. Mas, a massa dos intelectuais conservadores (liberais e neutros) mostrou uma grande tolerância, proclamando sua fé na ordem revolucionária”.15 

Os eventuais atritos entre essa intelectualidade e a ditadura podem ter relação, entre outros fatores, com a postura dos militares de atuarem, eles próprios, como intelectuais, por meio da atuação junto a suas próprias escolas de formação. Civis fizeram parte dessa rede de formação, por meio, entre outras formas, da Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), mostrando uma postura de aproximação de gestores públicos e intelectuais com os militares.

Embora houvesse esses atritos, na ditadura se abria oportunidades para os intelectuais ditos de “mentalidade aberta” e “tolerantes”.16 Embora perdessem “o sentido de dignidade, inerente à posição do intelectual na sociedade”, ganhavam “poder vivo”, enquanto “lacaios do poder político-militar institucionalizado”.17

Entre esses intelectuais é possível identificar dois setores, um dos quais eram os que se diziam “revolucionários”, ou seja, aqueles “identificados com os golpes de Estado e com a militarização do poder político”.18 O outro grupo eram os técnicos e cientistas “envolvidos na tecnocratização do poder político-militar”, que se viam como uma “elite cultural” que estaria “emergindo com e através do regime autoritário militar”.19 Este segundo grupo procurava construir “mais do que as estruturas políticas da ditadura militar”, mas sim “o tipo de economia, de sociedade e de Estado” dentro dos quais pudessem se constituir, “sob o capitalismo industrial dependente, uma poderosa elite cultural”.20

A relação com o regime ditatorial por parte desses dois grupos de intelectuais aponta para a postura de “adesão” e de “acomodação”. Esses termos mostram um quadro em que “muitos agentes não resistiram nem aderiram, mas buscaram formas de acomodação e convivência com o sistema autoritário”.21 Esses intelectuais estavam permanentemente expostos a interesses, a ideologias e a valores que, por sua própria natureza, eram intrinsecamente conservadores, compartilhando do horizonte cultural das classes dominantes. Naquele contexto,

“[…] o desejo modernizador implicava desenvolvimento econômico e tecnológico, além de expansão industrial e mecanização agrícola, o que levava ao crescimento da urbanização e do operariado fabril, gerando potenciais tensões e instabilidade nas relações sociais e de trabalho. Já o impulso conservador estava ligado à vontade de preservar a ordem social e os valores tradicionais, e por isso combater as utopias revolucionárias e todas as formas de subversão e “desvio”, incluindo questionamentos à moral e aos comportamentos convencionais”.22

O engajamento desses intelectuais tinha como limites a preservação do status quo, com vistas à manutenção da estabilidade política e social. O processo de integração dessa intelectualidade se explica, por um lado, pelas condições materiais, na medida em que se observa a integração de quadros técnicos à burocracia estatal, e, por outro, por fatores políticos e ideológicos. Esses elementos fizeram com que uma parcela da intelectualidade constituísse afinidades com o regime ditatorial.

Essa intelectualidade cumpriu papel central na sustentação política e ideológica do regime e na defesa dos interesses econômicos defendidos pelos ditadores. No presente, como parte dos embates pela memória e pela história, o legado deixado por esses intelectuais conservadores é utilizado para justificar tanto a modernização baseada no aprofundamento da exploração dos trabalhadores como as ações políticas e econômicas que levaram à opressão e a à perseguição dos trabalhadores no período.


Notas:

1 FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Expressão Popular, 2020, p. 51.

2 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 172.

3 DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 73.

4 IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital. São Paulo: Expressão Popular, 2019, p. 63.

5 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 15.

6 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 16.

7 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 174.

8 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 189.

9 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 189.

10 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 8.

11 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 394.

12 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 17.

13 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 177.

14 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 177.

15 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 179.

16 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 180.

17 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 180.

18 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 180.

19 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 180.

20 FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o poder institucional. São Paulo: Globo, 2010, p. 181.

21 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 301.

22 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014, p. 289.

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Veja: Estratégias e narrativas de comunicação na luta de ideias https://www.youtube.com/watch?v=-D1bQLShVk0 

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Essa campanha antecipada por um hipotético idulto a Bolsonaro é, ao mesmo tempo, confissão de culpa e convicção de que a condenação é inevitável. 

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Walter Sorrentino opina

Por que só vencer eleições não basta para mudar o Brasil
Mesmo após vitórias eleitorais, a esquerda não conseguiu romper os bloqueios estruturais do país. É hora de disputar reformas profundas e mobilizar a sociedade. 
Walter Sorrentino/Portal Grabois 

Reformas Estruturais para um Projeto Nacional: o Desafio Estratégico – O PCdoB acaba de lançar os documentos preparatórios para seu 16º Congresso, que ocorrerá em outubro. As teses apresentadas vão além da conjuntura imediata e representam uma contribuição relevante ao debate estratégico das forças progressistas e de esquerda no Brasil. Também o PT, o PSB, o PSOL e outras organizações se debruçam sobre o desafio de formulações à altura dos desafios presentes. 

A Fundação Maurício Grabois se soma a esse esforço, impulsionando a reflexão sobre os rumos do país, seus vetores estruturantes e os bloqueios históricos a superar.

Um ponto central das teses é a compreensão de que os desafios brasileiros exigem abrir novo ciclo de desenvolvimento no país e não se resolvem apenas com vitórias eleitorais, mas com reformas estruturantes no ordenamento do Estado Nacional. Desde 2002, vencemos cinco das seis eleições presidenciais, mas não fomos capazes de remover os entraves estruturais, como mostra, aliás, o cerco institucional e político ao atual governo Lula.

Não é a primeira vez que o PCdoB traz essa preocupação. Já no 13º Congresso, em 2013, o partido apontava as reformas estruturais como eixo estratégico para inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento. Reconhecia-se, então, que o país havia atingido um novo patamar, com desafios inéditos que exigiam romper com as raízes da desigualdade e transformar a correlação de forças na sociedade.

Retrocesso político e a crise do ciclo progressista

A reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, foi rapidamente seguida por um cenário adverso: os impactos da crise internacional de 2008 chegaram com força ao Brasil, encerrou-se a janela do boom das commodities, e a extrema-direita começou a ganhar base social. A recessão de 2015, o impeachment da presidenta Dilma e o ciclo posterior de retrocessos aprofundaram a condição periférica e dependente do país, com fortes ataques à democracia e aos direitos sociais.

Nenhum dos governos progressistas desde 2002 contou com maioria parlamentar. Hoje, além disso, as forças progressistas tampouco detêm maioria social consolidada. Por isso, ao retomar o debate sobre reformas estruturais, é essencial refletir: o que mudou e por que agora seria diferente?

Uma lição central é que a ausência das reformas — e mesmo da disposição de travar essa disputa na sociedade — bloqueou o avanço do projeto progressista. A estratégia híbrida, especialmente no campo macroeconômico, impôs um teto às transformações, com limites que ainda hoje condicionam o governo Lula.

Paralelamente, a ordem neoliberal se cristalizou como política de Estado. Reformas regressivas, especialmente no plano econômico e institucional, foram inscritas na Constituição. Este é um dado estrutural da correlação de forças atual que não pode ser ignorado.

Nesse percurso, a esquerda perdeu, em parte, a conexão com o novo arco de aspirações da sociedade e não acompanhou as transformações sociológicas que marcaram os estratos mais amplos da classe trabalhadora.

Contudo, o mundo mudou. Apesar do avanço da extrema-direita, em especial no Ocidente em crise, e da agressividade reacionária das forças imperialistas, o cenário geopolítico abre novas possibilidades para países que buscam superar sua condição dependente. Nesse contexto, o Brasil precisa fazer escolhas estratégicas. 

Por que retomar o debate sobre reformas estruturais

Recolocar a soberania nacional no centro da agenda é condição para um desenvolvimento autônomo. Isso exige uma estratégia clara, lideranças políticas coesas e força mobilizadora — sem as quais as mudanças estruturais seguirão bloqueadas.

É com essa reflexão estratégica que está em débito a esquerda brasileira. Daí a necessidade de lutar por reformas estruturais — políticas, institucionais, financeiras, tributárias, democráticas, sociais e civis — articuladas à construção de um polo unitário das forças progressistas, de caráter patriótico e popular. Esse polo deve ser núcleo de amplas concertações sociais, que só se concretizam com forte mobilização popular, imprescindíveis ao desenvolvimento.

Eleições de 2026: vitória como ponto de partida, não de chegada

Vencer as eleições presidenciais de 2026 é condição essencial. Mas não basta vencer: é preciso que essa vitória represente mais do que a preservação da democracia — ela deve apontar para uma disputa real em torno de reformas estruturais.

O Brasil precisa de uma nova “corrente elétrica” capaz de galvanizar esperanças, renovar a narrativa progressista e articular forças sociais para superar o sistema de dependência. Isso requer um pólo unitário com um programa comum para disputar a sociedade, não apenas para pressionar o governo.

A história mostra que as grandes transformações nacionais resultaram de mobilizações vigorosas e plurais. Reconstruí-las, no espírito do nosso tempo, é o desafio estratégico colocado para a esquerda progressista. Independentemente do tempo necessário, essa jornada precisa começar agora — enfrentando as lutas do presente e a eleição de 2026 com um novo horizonte e renovada disposição de luta.

Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.

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Leia também: Forças políticas ativas na frente ampla https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/minha-opiniao_27.html

Humor de resistência

 

Nando Motta

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"Estados Unidos podem se tornar reféns de Netanyahu ou marionetes do Irã?", questionam articulistas americanófilos. Nem uma coisa nem outra. Mas Trump é capaz de qualquer loucura, acrescento.

Sem agulha no palheiro https://bit.ly/3Ye45TD