08 abril 2025

Palavra de poeta

Ela é dançarina
Chico Buarque 

O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina

Ou quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina

Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não pago
Ela, sim, propina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando esquento a sopa
Ela cantina
Ou quando eu Lexotan
É quando ela Reativina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Viro o calendário
Voa purpurina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não pago
Ela, sim, propina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim


[Ilustração: Gustav Klimt]

Trump x China: jogo pesado

Trump 'dobra aposta' e amplia tarifas contra a China para 104%; entenda o impacto para o mundo
BBC  

O presidente dos EUA, Donald Trump, decidiu aumentar as tarifas impostas à importação de produtos chineses de 34% para 104%.

O anúncio foi feito pela porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, no início da tarde (horário de Brasília) desta terça-feira (08/04). A nova tarifa entrará em vigor à meia-noite da quarta-feira.

Horas antes, o governo chinês já havia reagido após Trump mencionar o possível aumento da barreira tarifária (confirmado posteriormente).

O país asiático prometeu "lutar até o fim" e declarou que "nunca aceitará a natureza de chantagem dos EUA".

As declarações foram feitas pelo Ministério do Comércio chinês na manhã de terça-feira (8/4) na China.

No dia anterior, o governo americano havia ameaçado aumentar as tarifas caso os chineses não retirassem suas taxas retaliatórias de 34% sobre os EUA até esta terça.

Os chineses anunciaram a retaliação dias após o presidente americano anunciar uma série de tarifas para vários parceiros internacionais

Apesar do discurso duro contra Trump nesta terça, o governo chinês pediu que todos os planos de tarifas fossem cancelados e que as diferenças entre EUA e China fossem resolvidas por meio do diálogo.

Ao longo do dia, além das ameaças à China, Trump disse que está em negociação com outros países sobre as tarifas.

Os países que "realmente tiraram vantagem de nós, agora estão dizendo por favor negociem", disse o presidente aos repórteres, sem mencionar quais seriam esses países.

O presidente americano também afirmou que não está considerando uma pausa em novas tarifas para permitir as negociações.

Com a nova tarifa, muitas empresas americanas que importam produtos chineses verão seus custos dobrarem em questão de meses.

Natalie Sherman, repórter de Negócios da BBC News em Nova York, lembra que Trump já respondeu à retaliação com enormes ameaças de escalada semelhantes antes.

O americano ameaçou atingir o álcool da Europa com um imposto de 200%. E de colocar uma tarifa de 50% sobre o aço e o alumínio do Canadá.

Em ambos os casos, os dois lados chegaram a uma espécie de distensão e os aumentos nunca se materializaram.

Mas esses confrontos envolveram aliados de longa data. A China foi alvo de Washington antes de Trump.

E apesar dos sinais claros da Casa Branca de que está interessada em fechar um acordo sobre tarifas e o TikTok, Pequim ainda não demonstrou muito interesse em negociar. 

Análise*: como uma guerra comercial EUA-China afetaria o restante do mundo?

Uma guerra comercial em grande escala entre China e EUA está em vista após o presidente Donald Trump ameaçar impor tarifas de mais de 100% sobre as importações de produtos chineses a partir de quarta-feira, 9 de abril.

O que esse conflito comercial crescente significa para a economia mundial?

Os efeitos colaterais de uma guerra comercial total entre China e EUA seriam sentidos globalmente — e a maioria dos economistas avalia que o impacto seria extremamente negativo.

O comércio de bens entre as duas potências econômicas chegou a cerca de US$ 585 bilhões no ano passado. Os EUA importaram muito mais da China (US$ 440 bilhões) do que a China importou dos americanos (US$ 145 bilhões).

Isso resultou em um déficit comercial dos EUA com a China — a diferença entre o que importa e exporta — de US$ 295 bilhões em 2024. Um déficit considerável, equivalente a cerca de 1% da economia americana.

Mas é bem menor do que o US$ 1 trilhão que Trump repetidamente afirmou nesta semana.

Trump já havia imposto tarifas significativas à China em seu primeiro mandato. Essas tarifas foram mantidas e até ampliadas por seu sucessor, Joe Biden.

Juntas, essas barreiras ajudaram a reduzir a participação das importações chinesas no total de importações dos EUA, de 21% em 2016 para 13% no ano passado.

Portanto, a dependência comercial dos EUA em relação à China diminuiu na última década.

No entanto, analistas apontam que algumas exportações chinesas para os EUA foram redirecionadas por países do sudeste asiático.

Por exemplo, o governo Trump impôs tarifas de 30% sobre painéis solares chineses em 2018.

Mas, em 2023, o Departamento de Comércio dos EUA apresentou evidências de que fabricantes chineses haviam transferido suas operações de montagem para países como Malásia, Tailândia, Camboja e Vietnã, enviando os produtos prontos para os EUA a partir desses locais — na prática, driblando as tarifas.

As novas tarifas "recíprocas" a serem impostas a esses países, portanto, aumentarão o preço nos EUA de uma ampla gama de produtos que, no fim, têm origem na China.

Mas, afinal, o que EUA e China importam um do outro?

Em 2024, a maior categoria de exportações dos EUA para a China foi a soja — usada principalmente para alimentar os cerca de 440 milhões de porcos do país.

Os EUA também exportaram produtos farmacêuticos e petróleo para a China.

No sentido oposto, da China para os EUA, foram grandes volumes de eletrônicos, computadores e brinquedos. Uma quantidade significativa de baterias, essenciais para veículos elétricos, também foi exportada.

A maior categoria de importações dos EUA da China são smartphones, representando 9% do total. Muitos desses aparelhos são fabricados na China para a Apple.

As tarifas dos EUA sobre a China têm sido uma das principais responsáveis pela queda no valor de mercado da Apple nas últimas semanas, com suas ações caindo 20% no último mês.

Todos esses produtos importados da China pelos EUA já estavam prestes a ficar consideravelmente mais caros para os americanos devido à tarifa de 20% já imposta pelo governo Trump.

Com a tarifa subindo para 104% — para todos os produtos — o impacto pode ser cinco vezes maior.

E as importações americanas na China também ficarão mais caras devido às tarifas de retaliação chinesas, prejudicando os consumidores chineses de forma semelhante.

Além das tarifas, há outras formas de os dois países tentarem se prejudicar mutuamente no comércio.

A China tem um papel central no refino de muitos metais vitais para a indústria, desde cobre e lítio até terras raras.

Pequim poderia colocar obstáculos à chegada desses metais aos EUA — algo que já fez com dois materiais chamados germânio e gálio, usados pelas forças armadas em mapeamento térmico de imagens e radar.

Já os EUA poderiam tentar apertar o bloqueio tecnológico à China iniciado por Joe Biden, dificultando a importação de microchips avançados — essenciais para aplicações como inteligência artificial — que a China ainda não consegue produzir sozinha.

Peter Navarro, assessor comercial de Donald Trump, sugeriu esta semana que os EUA poderiam pressionar outros países, como Camboja, México e Vietnã, a não comercializar com a China se quiserem continuar exportando para os EUA.

Os EUA e a China representam uma fatia tão grande da economia global — cerca de 43% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Se entrarem em uma guerra comercial total, desacelerando seu crescimento ou até entrando em recessão, isso provavelmente prejudicaria economias de outros países na forma de um crescimento global mais lento.

O investimento global também sofreria.

A China é a maior nação manufatureira do mundo e produz muito mais do que sua população consome internamente.

Já tem um superávit comercial de quase US$ 1 trilhão — ou seja, exporta mais bens do que importa.

E muitas vezes produz esses bens abaixo do custo real de produção, graças a subsídios domésticos e apoio financeiro estatal, como empréstimos baratos para empresas favorecidas.

O aço é um exemplo disso.

Há o risco de, se esses produtos não puderem entrar nos EUA, empresas chinesas tentarem "dumping" em outros mercados.

Embora isso possa beneficiar alguns consumidores, também pode prejudicar produtores locais em outros países, ameaçando empregos e salários.

O grupo de lobby UK Steel já alertou para o perigo de excesso de aço sendo redirecionado para o mercado britânico.

Ben Chu, da BBC Verify

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Editorial do Vermelho: “Tarifaço” de Trump eleva tensões econômicas e geopolíticas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/editorial-do-vermelho.html

Estado liberal frente ao capitalismo financeirizado

O Modelo de Estado Burguês Liberal Frente ao Capitalismo Financeirizado
Fundação Grabois www.grabois.org.br

O Estado Liberal pode sustentar a democracia frente ao avanço do capitalismo financeirizado?

No Simpósio “Desafios Brasileiros no Atual Contexto Internacional”, a Mesa 7 reuniu especialistas para discutir os limites do modelo de Estado burguês liberal diante do poder crescente do capital financeiro.

Como o Estado pode garantir direitos e justiça social em um cenário de crise? Há caminhos para superar as contradições do sistema?

Com a coordenação de Ronald Freitas e moderação de Julia Maria Santos Roland, o debate contou com a participação de Gisele Cittadino, Felipe Toledo Magani e Pietro Alarcon, que analisaram os desafios da Constituição de 1988 e o papel da mobilização popular na reconstrução da democracia.

Acompanhe: Simpósio da Grabois debate desenvolvimento e desafios do Brasil no cenário global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/fundacao-grabois-debate.html 

Trump: "guerra nuclear econômica"

Antes apoiadores, bilionários se posicionam contra Trump: “Estúpido, errado, arrogantemente extremo”
Para o investidor Bill Ackman, um dos apoiadores de Trump em 2024, a insistência na política tarifária deve criar uma "guerra nuclear econômica"
Camila Bezerra/Jornal GGN  

Na posse do presidente Donald Trump, uma foto chamou atenção: nela estavam presentes os donos das maiores plataformas digitais, todos eles bilionários e apoiadores desde a campanha pela Casa Branca. 

Além dos magnatas como Elon Musk, Jeff Bezos, da Amazon, e Mark Zuckerberg, da Meta, outros bilionários acreditaram que o atual presidente norte-americano impulsionaria a economia dos Estados Unidos, tornando o país grandioso novamente.  

Mas são justamente estes bilionários que, agora, começaram a se voltar contra Trump, tendo em vista os desdobramentos causados pelo tarifaço imposto aos produtos importados, causando uma verdadeira guerra comercial. 

Apenas nesta terça-feira (8), a China afirmou que não vai retroceder na decisão de tarifar produtos dos Estados Unidos em 34%, mesma medida imposta aos produtos chineses. Trump até ameaçou aumentar a tarifa para 50% a partir de hoje. Se a elevação se concretizar, o tigre asiático será recíproco. 

Para o investidor Bill Ackman, um dos apoiadores da candidatura de Trump em 2024, a insistência na política tarifária deve criar uma “guerra nuclear econômica”. “Os investimentos empresariais vão parar, e os consumidores vão fechar as carteiras”, publicou o bilionário no X.

Segundo Ackman, os EUA irão prejudicar seriamente a reputação com o resto do mundo, fato que levará anos para ser recuperado. “Estamos caminhando para um inverno nuclear econômico autoinfligido, e devemos começar a nos preparar.”

A situação, na visão do investidor, é ainda mais grave, tendo em vista que CEOs e conselhos de administração não devem se sentir confortáveis em firmar compromissos expressivos e de longo prazo com os EUA. Assim, Trump está perdendo, ainda, a confiança dos líderes empresariais de todo o mundo. 

Já a preocupação de Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase, é a de que a elevação das tarifas resultem em uma recessão da economia global, além de enfraquecer a posição dos EUA no Mundo. 

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Editorial do Vermelho: “Tarifaço” de Trump eleva tensões econômicas e geopolíticas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/editorial-do-vermelho.html

Humor de resistência

 

Aroeira

Palavra de poeta


"Morangos e Catlleyas", de Genival Poeta, aborda a relação entre a natureza e a emoção humana com muita verve. Instiga, emociona. Funde imagens da natureza com o amor, a vida e a morte. Como em ‘Florminicídeo’: “Quando a rosa percebeu/O seu coração deserto/Só a solidão por certo/Sem pudor lhe acolheu...”

Morangos e Ctlleyas: Genival Poeta, Filos Editora, São Paulo.

Leia: Os muitos reencontros no Encontro do PCdoB https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/minha-opiniao_23.html 

Minha opinião

Ex-presidente encurralado 
Luciano Siqueira 

A última pesquisa Datafolha revela que 52% da população considera que Bolsonaro deva ser preso por tentativa de golpe. 

Isto apesar da imensa e incontrolável guerra midiática que os bolsonaristas realizam, especialmente pela via digital. 

É que os fatos que vieram à tona são contundentes. E se tornarão mais ainda com o andamento do processo no STF, sob grande repercussão na opinião pública. 

Entrementes, o ex-presidente vaga pelo país sustentado em sua barulhenta claque, qual morto-vivo político, numa tentativa desesperada de sobrevivência política. 

No campo oposto, as forças democráticas e populares precisam ir além do bem sucedido esforço de caracterização de Bolsonaro como verdadeiro chefe da trama golpista e debaterem, vis a vis cidadãos comuns, principais problemas que interessam à nação e repercutem na vida do povo.

Avançar é preciso. Agora.

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Leia: Quem ressuscitou o fascismo? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/neofascismo.html

Humor de resistência

 

Céllus

Veja: Trump e a guerra comercial. Quem pagará essa conta? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/trump-e-guerra-comercial-quem-pagara.html

China contra tarifaço de Trump

Chantagem tarifária não pode intimidar a China
Global Times, editorial 

O governo dos EUA, sob o pretexto de "reciprocidade", anunciou aumentos de tarifas em todos os seus parceiros comerciais, incluindo a China, provocando indignação generalizada na comunidade internacional. A posição do governo chinês em se opor ao abuso de tarifas dos EUA enfatiza que os EUA usaram tarifas como uma ferramenta para pressão extrema e para perseguir interesses egoístas. Anteriormente, a China anunciou uma série de contramedidas, e a comunidade internacional viu claramente a firme determinação e vontade da China de defender sua soberania, segurança, desenvolvimento e manter a justiça e a imparcialidade internacionais. A chantagem tarifária não intimidará a China, nem prejudicará a justiça. A China não provoca problemas, nem é intimidada por problemas. Pressionar e ameaçar não é a maneira certa de lidar com a China.

A posição firme da China em aplicar contramedidas decorre do fato de que a razão dos EUA para aumentos de tarifas é totalmente infundada. Sob o pretexto de abordar "práticas desleais de comércio exterior", os EUA aplicaram altas tarifas a seus parceiros comerciais globais. Na realidade, isso não passa de protecionismo e intimidação unilateral — chantagem política envolta no manto de meios econômicos. Tais ações violam descaradamente as regras básicas da Organização Mundial do Comércio e atropelam os direitos legítimos da China no comércio global, bem como seus esforços de longa data para se abrir. As chamadas "tarifas recíprocas" causaram enormes danos ao sistema de comércio mundial e às cadeias de suprimentos globais, e representarão um sério obstáculo ao crescimento econômico global. 

A China é uma civilização antiga conhecida por suas tradições de etiqueta e respeito. O povo chinês valoriza a sinceridade e a confiança como a base de seus relacionamentos. No entanto, permanecer firme diante de pressões e ameaças é igualmente uma característica definidora do espírito chinês. Olhando para a história, a China se manteve firme mesmo em tempos de pobreza e fraqueza — muito menos cederá à hegemonia hoje. Comparado ao início de uma guerra comercial com a China pelo governo dos EUA em 2017, hoje temos uma capacidade muito mais forte de suportar a pressão, experiência mais rica em lidar com lutas e preparações abrangentes para enfrentar desafios. O sistema industrial e a autonomia tecnológica da China melhoraram significativamente, seu mercado interno e estrutura econômica continuam a otimizar, e sua cooperação multilateral e parcerias comerciais se tornaram mais diversas. Esses fatores dão à China maior confiança diante dos riscos. Como Bloomberg colocou, "a China já tornou sua economia à prova de guerra comercial". 

Mais importante, a China está do lado da moralidade e da retidão histórica. A última rodada de aumentos de tarifas dos EUA tem como alvo mais de 180 países e regiões ao redor do mundo, incluindo até mesmo os "países menos desenvolvidos" designados pelas Nações Unidas. Alguns comentaristas notaram que essas tarifas altas darão um golpe devastador em nações vulneráveis ​​com estruturas econômicas estreitas e forte dependência de exportações. As contramedidas decisivas da China contra as práticas errôneas dos EUA não apenas defendem seus próprios interesses, mas também defendem ativamente um sistema de comércio mundial justo e livre.

As contramedidas da China não são um chamado ao confronto, mas uma declaração para defender a justiça. Em meio aos EUA repetidamente brandindo o bastão tarifário, a China tem consistentemente respondido com razão, força e contenção. Por trás dessa abordagem calma e composta está o firme entendimento da China de que a chave é se concentrar em fazer bem suas próprias coisas. Não importa como os EUA reprimam ou pressionem, a China permanece firme em seu desenvolvimento e progresso. Mais importante, a China está comprometida com o caminho da justiça e equidade internacional, e está disposta a contribuir com certeza para o progresso global por meio de seu próprio desenvolvimento. Isso reflete a grande visão da nação chinesa, incorporando a busca de valor de promover a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade.

O volume de comércio entre a China e os EUA é enorme. As altas tarifas impostas pelos EUA inevitavelmente impactarão a economia chinesa no curto prazo. A China finalmente tomou uma decisão "difícil, mas correta". Essa confiança decorre não apenas da força econômica da China, mas também do fato de que os países globalmente estão participando da globalização econômica e se beneficiando dela, bem como da profundidade e amplitude da cooperação econômica e comercial entre a China e os EUA. 

Depois que os EUA anunciaram "tarifas recíprocas", Gavin Newsom, o governador da Califórnia, a maior base de manufatura dos EUA, imediatamente declarou: "A Califórnia não é Washington", e que sua administração buscará suas próprias "relações comerciais estratégicas" com parceiros comerciais internacionais. Isso demonstra que o sistema de comércio global, baseado na divisão do trabalho em cadeia industrial e no benefício mútuo entre os países, possui uma vitalidade robusta que não pode ser abalada por nenhuma decisão política que não tenha lógica realista.

Ninguém pode impedir o desenvolvimento da China, e a cooperação econômica e comercial China-EUA se alinha com a vontade do povo. A tendência para a globalização econômica é uma direção inevitável. O tempo acabará provando que a maré da história é imparável, avançando implacavelmente, e o povo chinês possui sabedoria e força suficientes para enfrentar os desafios, tanto hoje quanto no futuro. A China continuará firmemente do lado certo da história e do lado do progresso da civilização humana, trabalhando junto com a comunidade internacional para contribuir com maior força para a paz e o desenvolvimento da humanidade. Ao mesmo tempo, também pedimos que Washington pare imediatamente as medidas tarifárias unilaterais e resolva as diferenças comerciais de maneira igualitária, respeitosa e recíproca.

Leia: Trump ataca direitos e países com mentiras e protecionismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/os-arroubos-de-trump.html

Editorial do 'Vermelho'

“Tarifaço” de Trump eleva tensões econômicas e geopolíticas
Medida mescla força e desespero, arrogância e aventura, com objetivo de tentar reverter o declínio dos EUA, mas tende ao fracasso.
Editorial do Vermelho www.vermelho.org.br


As manifestações de protesto e apreensão em escala mundial mostram a dimensão dos efeitos do chamado “tarifaço” anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para o comércio internacional e agravam tensões e conflitos geopolíticos. O “Dia da Libertação”, conforme garganteou, “tornará a América rica novamente”.

Todavia, a ampla maioria das análises e avaliações de governos, organismos internacionais e economistas pelo mundo afora aponta, para o horizonte próximo, recessão e inflação nos Estados Unidos, desaceleração do crescimento da economia mundial, que já vinha raquítico. Em termos geopolíticos, embora o alvo central seja a China, a imagem que domina é a dos Estados Unidos se chocando e apunhalando a quase totalidade do mundo, inclusive antigos e leais aliados

A ofensiva protecionista atinge principalmente países da Ásia e da União Europeia. As tarifas incluem 34% para a China, 20% para a União Europeia, 46% para o Vietnã, 24% para o Japão e várias taxas para outros países como Coreia do Sul (25%), Índia (26%) e Tailândia (36%). O Brasil, assim como a maioria dos países da América Latina, ficou entre os países atingidos por tarifas de 10%.

A China, o alvo estratégico do “tarifaço”, reagiu, por meio do Ministério do Comércio, dizendo que as tarifas são “baseadas em avaliações subjetivas”, um “bullying unilateral”. Há poucos dias, Washington classificou a China como principal ameaça militar e cibernética e proibiu a exportação de tecnologia para mais de cinquenta empresas chinesas.

O “tarifaço” tem alto potencial de fratura na unidade do “bloco ocidental”, enquanto a China se aproxima de atores importantes na cena mundial, como o diálogo econômico trilateral com Japão e Coreia do Sul, além das visitas a Pequim do ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noel Barrot, e do comissário do Comércio da União Europeia, Maros Sefcovic.

O ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, disse que se o governo dos Estados Unidos “continuar pressionando, e até mesmo chantageando, a China certamente será resoluta em suas contramedidas”. Segundo ele, as relações entre China e Estados Unidos se encontrarem “numa fase crítica da sua evolução”.

O anúncio do “tarifaço” veio acompanhado de mais ameaças aos países que “tratam mal” os Estados Unidos ou que praticam “fraudes”, alvos das tarifas mais elevadas. Seria uma punição ao “comércio triangular”. Ou seja: as exportações de produtos concluídos na China para outros países, onde componentes ou acabamentos são acrescentados, alterando a origem da produção.

O recurso foi adotado após as taxas de 20% sobre as importações chinesas no primeiro mandato de Trump, de 2017 a 2021 (com os 34% de agora, chegam a 54%). O Vietnã, que envia para os Estados Unidos quase 30% de suas exportações, o Camboja e a Tailândia – taxados em 46%, 49% e 36%, respectivamente – foram os países mais punidos.

Na época das taxas de 20% no primeiro governo Trump, a China respondeu com tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos, como produtos agrícolas, e agora anuncia que pode incluir restrições ao investimento norte-americano no país e controle de exportação de minerais de terras raras.

O secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, disse que os países atingidos vão querer negociar, mas “essas são as mesmas pessoas que nos roubaram por todos esses anos”. Ele citou, além da China, a Índia, o Japão, a Coreia do Sul e os países da União Europeia como exemplos dos que trataram os Estados Unidos “injustamente”.

Na Europa, há manifestações de retaliações no setor de serviços, incluindo grupos como Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse que o “tarifaço” representa um “duro golpe” para a economia mundial e que a União Europeia está pronta para responder. Segundo ela, o sistema de comércio global precisa de adequação, mas recorrer a tarifas como primeira e última ferramenta não é a solução.

Esse cenário revela que a radicalização de Trump representa o acirramento das contradições decorrentes do declínio acentuado dos Estados Unidos, com uma economia dominada pelo parasitismo finaceiro. O país é o maior devedor líquido do mundo e a dívida cresce de forma descontrolada. Mas o maior problema é a dificuldade crescente de financiar os déficits interno e externo, reflexo de uma economia que perdeu dinamismo, marcada por dificuldades estruturais e sistêmicas.

Como resposta, seus monopólios se lançaram, tempos atrás, na busca de matérias-primas e de força de trabalho com custo menor, sobretudo na Ásia. Agora, com o “tarifaço” protecionista, Trump promete levar essa dinâmica de volta para os Estados Unidos. Ele traduz o pensamento de um setor do establisment estadunidense que se identifica com a política da extrema-direita, uma nova estratégia que, mesmo gerando atritos com aliados históricos no mundo, tenta se impor à base de ameaças típicas do ideário fascista.

O Brasil está  reagindo de modo cauteloso, mas assertivo . O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca unir o mais amplo campo político e econômico para defender as empresas e o postos de emprego. Exemplo disso é a provação, por unanimidade, nas duas casas do Congresso Nacional, da Lei da Reciprocidade Comercial, autorizando o governo brasileiro a adotar medidas comerciais contra países e blocos que imponham barreiras aos produtos do Brasil. A extrema-direita, subserviente a Trump, chegou a obstruir a votação, mas, isolada, teve de ceder.

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Leia: Brasil-China, 50 anos depois, com olhos nas fronteiras da ciência https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/palavra-de-luciana.html


Arte é vida

 

Maurício Arraes

Postei no X

Natural que cada país, sobretudo os de médio e grande porte, reaja à sua maneira ao tarifaço de Trump em meio à subversão das regras de comércio internacional vigentes e a uma tendência recessiva global. Em certa medida, o Brasil pode tirar proveito do caos. Veremos. 

Leia: Thomas Piketty e os pés de barro de Trump https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/os-pes-de-barro-de-trump.html

Enio Lins opina

Estrebucha o bolsonarismo, mas resiste em ir para a cova
Enio Lins 

RUGIU COMO UM RATO, novamente, o bolsonarismo, em manifestação no domingo, 06. Convocado para reunir “um milhão”, o ato em torno de Jair Messias, na Avenida Paulista, segundo o publicado pelo insuspeito Estadão, teria ajuntado um pouco menos de 45 mil extremistas. Novamente o pastor Malafaia serviu como biombo para justificar os gastos com a convocação, que desta vez teve o reforço de sete governadores de Estado. Novamente, flopou.

EMBORA O ATO NA PAULISTA tenha arrastado mais gente que o evento semelhante realizado na praia de Copacabana, em 16 de março, cujos cálculos oscilaram entre 18 mil e 30 mil presentes, há de se considerar a diferença de população entre as duas cidades – como bem lembrou o jornalista Reinaldo Azevedo, fundamentando que a manifestação paulistana foi menor que a carioca, em termos proporcionais. A cidade do Rio de Janeiro tem 6,7 milhões de viventes e a pauliceia desvairada conta com 11,5 milhões de moradores. E considerando os sete governadores engajados, aí é que flopou mesmo.

MOBILIZANDO O GROSSO DAS FORÇAS de direita, o convescote bolsonarista serviu para testar a resiliência dos extremistas do golpismo no Brasil. Apesar de fracassado do ponto de vista dos objetivos centrais de seus líderes (reunir perto de um milhão de participantes e causar impacto capaz de intimidar à Justiça e ampliar a adesão à tese da anistia no Congresso Nacional), comprovou a competitividade dessas facções delinquentes para as próximas eleições. Continuam sendo um risco à Democracia.

AINDA NO QUESITO “presença dos governadores”, é importante perceber que vários destes luminares estavam no palanque para aparecer na fita ao lado do futuro condenado, torcendo pela condenação do dito cujo mito e lutando para herdar seus votos em 2026, como bem destacou o analista Ricardo Correia (no Estadão): “Depois de chamarem ataques de 8 de janeiro de ‘terrorismo’, ‘barbárie’ e ‘cerceamento de direitos’, Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho agora defendem anistia de olho em dividendos na direita em 2026”. Para Correia, editor da coluna Traduzindo a Política, esses governadores, de olho em suas próprias candidaturas fazem o cálculo político que “estar no palanque é negativo e até incoerente com o que já disseram, mas serem cancelados pela máquina bolsonarista que controla a direita seria fatal para seus destinos políticos”.

ROTULADA COMO “Manifestação do batom”, a pândega bolsonarista na Paulista teve cenas hilárias, como um senador capixaba, trôpego, sendo arrastado por dois auxiliares, e várias brigas entre bolsonaristas. Mas o pícaro do patético daquele domingo foi o ex-capitão jair falando num idioma que ele apresentou como sendo “inglês”, em palavras mais ou menos assim: “Popecorne. Aicecrem. Centenced cup détate Bréziu”, e que para a revista Fórum, seus tradutores só teriam conseguido identificar – além do “Brazil” – três palavras: "ice cream" (sorvete), "pop corn" (pipoca) e "cup" (golpe), o que remeteria a uma dúvida: “O que será que o ex-presidente tentou dizer: que adoraria ficar em casa comendo pipoca e sorvete após aplicar um golpe de Estado? Nunca saberemos”.

JAIR, O FALSO MESSIAS, segue apostando no grotesco, no bizarro, no cinismo, no escalafobético como cortina de fumaça para o cometimento de crimes ordinários (como a vinculação a milicianos, o enriquecimento inexplicável...), de atentados contra o Estado Democrático de Direito, e na defesa da impunidade absoluta para si próprio. Bufão de circo dos horrores. Mas, não é nada risível constatar tão bisonho meliante manter cativa, sob sua mitologia vagabunda, parcela significativa do eleitorado brasileiro.

Leia: O dia da mentira que durou duas décadas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/enio-lins-opina_2.html 

Vietnã cresce

Apesar de pressões dos EUA, Vietnã cresce 6,93% no primeiro trimestre
Setor de serviços lidera retomada com alta de 7,7%. Modelo socialista planejado sustenta ritmo de crescimento acima da média global
Lucas Toth/Vermelho 

O Produto Interno Bruto (PIB) do Vietnã cresceu 6,93% no primeiro trimestre de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior. O dado, divulgado pelo Escritório Nacional de Estatísticas (NSO), representa o melhor resultado para o período desde 2020. 

A marca impressiona não apenas pelo ritmo elevado, mas também pelo contexto em que foi alcançada: o país já enfrentava tensões comerciais globais e a expectativa das novas tarifas impostas pelos Estados Unidos, seu maior parceiro comercial.

Segundo a diretora do NSO, Nguyễn Thị Hương, o desempenho é reflexo do modelo de desenvolvimento baseado em planejamento estatal, coordenação centralizada e mobilização das estruturas do Partido e do governo para manter o dinamismo econômico. Ela destacou o papel da “ação eficaz de todo o sistema político” diante das rápidas mudanças no cenário regional e global.

Ainda que tenha superado a meta do governo estabelecida na Resolução nº 01/NQ-CP, o resultado ficou abaixo do cenário mais otimista projetado na Resolução nº 25/NQ-CP, de fevereiro deste ano. O próprio NSO reconhece que os efeitos das incertezas externas, como a volatilidade cambial e os riscos geopolíticos, podem pressionar as engrenagens da economia vietnamita.

Modelo estatal impulsiona serviços e indústria

A composição do crescimento reforça o papel estratégico do Estado como organizador da atividade econômica. Os setores de serviços, indústria-construção e agrofloresta-pesca cresceram 7,7%, 7,42% e 3,74%, respectivamente, respondendo por 93% da expansão total do PIB. A indústria de transformação, considerada o principal motor da economia, cresceu 9,28% e contribuiu com 2,33 pontos percentuais para o crescimento geral.

No setor de construção, a alta foi de 7,99%, impulsionada pelo investimento público e por financiamentos para grandes projetos de infraestrutura, em especial rodovias, ferrovias e saneamento. O setor agrícola também apresentou desempenho sólido, com destaque para a silvicultura, que cresceu 6,67%.

A área de serviços foi favorecida pela retomada da demanda interna e pela volta de turistas internacionais, especialmente durante o feriado do Ano Novo Lunar. O transporte e armazenagem cresceram 9,9%; hospedagem e alimentação, 9,31%; comércio atacadista e varejista, 7,47%; e o setor de finanças e seguros, 6,83%.

Essa diversidade de setores em expansão evidencia que, embora o Vietnã ainda dependa de exportações, o país construiu ao longo das últimas décadas uma base produtiva relativamente diversificada, apoiada por forte investimento estatal, controle estratégico de setores-chave e cooperação entre o setor público e a iniciativa privada nacional.

Crescimento sob ameaça: tarifas e desaceleração

Apesar do desempenho robusto, os próximos meses serão de teste para o modelo vietnamita. O crescimento de 6,93% representa desaceleração frente ao último trimestre de 2024 (7,55%). A razão mais visível é a imposição de uma tarifa de 46% sobre os produtos vietnamitas pelo governo dos Estados Unidos, anunciada por Donald Trump como parte de sua nova ofensiva tarifária global.

As novas tarifas ameaçam setores estratégicos como têxteis, calçados, eletrônicos e smartphones, que concentram milhões de empregos e grande parte da receita cambial do país. Segundo a agência Reuters, caso a medida provoque uma queda de 10% nas exportações para os EUA, o crescimento do PIB pode ser reduzido em até 0,84 ponto percentual.

Além disso, há o risco de retração dos investimentos estrangeiros diretos (IED), sobretudo de parceiros como Coreia do Sul, Japão, China e os próprios Estados Unidos. Relatórios do setor apontam que muitas multinacionais estão reavaliando planos de expansão produtiva no Vietnã, diante da instabilidade nas relações comerciais com Washington.

Em nota, a consultoria BMI afirmou que “as tarifas aplicadas ao Vietnã são mais duras do que o esperado e podem provocar uma mudança estrutural no modelo econômico baseado em exportações e atração de capital estrangeiro”.

Governo mantém meta e aposta na diversificação

Mesmo diante das dificuldades, o governo vietnamita mantém a meta de crescimento de pelo menos 8% para 2025. Em pronunciamento após reunião com líderes locais e ministros, o primeiro-ministro Pham Minh Chính classificou as tarifas como “um desafio que deve ser convertido em oportunidade”.

“Não mudaremos nossos objetivos. Vamos reagir com serenidade, criatividade, flexibilidade e ação eficaz. Nosso modelo é sólido, e o povo vietnamita tem a sabedoria, a cultura e a resiliência necessárias para enfrentar esse momento”, afirmou.

Chính destacou que os EUA são um mercado relevante, mas não exclusivo. O Vietnã já assinou 17 acordos de livre comércio com parceiros de diversas regiões e pretende acelerar a diversificação das cadeias produtivas e dos destinos das exportações. O premiê determinou ainda a aceleração dos investimentos públicos, a ampliação do crédito em setores estratégicos e o reforço na diplomacia econômica, inclusive com os próprios EUA.

Segundo ele, é hora de “renovar os motores tradicionais do crescimento e desenvolver novos pilares”, como a industrialização verde, a transição energética, o digital e os mercados Halal, africanos e latino-americanos.

Integração com o Brasil reforça alternativas

Nesse cenário, ganha ainda mais relevância a recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Hanói. O encontro resultou na assinatura de um plano de ação conjunta Brasil–Vietnã 2025–2030, com foco em comércio, ciência, defesa, meio ambiente e intercâmbio cultural. Lula também propôs a aproximação do Vietnã com o Mercosul, passo considerado estratégico para ampliar as relações com a América Latina.

“Essas medidas vão nos permitir ampliar os fluxos de comércio e investimento entre nossos países”, afirmou Lula durante encontro com o presidente Luong Cuong e lideranças do Partido Comunista do Vietnã.

A relação entre Brasil e Vietnã é vista com atenção pela esquerda brasileira como exemplo de integração entre economias do Sul Global comprometidas com o desenvolvimento soberano, o papel do Estado e a construção de uma ordem mundial multipolar.

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Leia também: De campo de batalha a modelo de desenvolvimento https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/vietna-hoje.html

07 abril 2025

Palavra de poeta

PERSEIDAS

Marcia Tigani 


  I

Sou estrangeira
em minha própria terra
estrelas cadentes
sobre meus cabelos.

Poeira cósmica
a luzir em minhas órbitas
sou a estranha deitada
sobre pedra gris.

Contemplo o reverso
da ideia do existir.

  II

Um sonho acordado
é um dejá-vù
crivado de imagens
ígneas e obscuras

Meu corpo sobre a pedra
fósseis sob minha pele
existo como islamita:
sou rocha bruta
e paleta de cromo

 III

Se por mero acaso
Ou telepatia pura
Quisesses entender
A ionosfera

Ou a Constelação de Aquário
verias um opérculo
luzidio na vereda
do meu decote.

O calcáreo
a tintura de ópio
ou lêmure voador:
são partes do meu eu

 IV

Se Mefistófeles
falasse em iídiche
o estridor de sua voz
mataria pomos.

Flores, luzes
Buscaria a mim
 a islamita)
arrancaria meus rizomas
sem anestesia:

Na olaria do ódio
não há estrelas cadentes

[Ilustração: Dante Gabriele Rossetti]

Leia também um poema de Vinícius de Moraes https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/palavra-de-poeta-vinicius-de-moraes.html 

Cida Pedrosa opina

Preconceito linguístico: Palavra é bicho solto e combate as estruturas de opressão
Acusada por um vereador de inventar palavras, Cida Pedrosa reflete sobre como a tentativa da extrema direita de censurar expressões populares escancara não só ignorância histórica, mas também o preconceito linguístico que silencia vozes e apaga culturas.
Cida Pedrosa/Portal Grabois www.grabois.org.br

Não é só ignorância, é preconceito – Certa feita, fui acusada por um vereador da extrema direita, na Câmara Municipal do Recife, de utilizar no meu discurso expressões que “não constavam no dicionário”. O contexto era o seguinte: votei contra um requerimento que solicitava o desligamento de lombadas eletrônicas de fiscalização para aumentar a velocidade dos carros nas vias públicas. Ao justificar meu voto contrário, disse que não concordava com a “carrocracia”, me referindo ao fato de que o automóvel enquanto transporte individual não pode ser pensado como prioridade entre os pedestres e modais coletivos. 

Facilmente achada quando se dá um mero google, a expressão desagradou ao parlamentar que me acusou de “inventar” palavras. Segundo ele, ao falar na tribuna, deveríamos nos ater apenas ao que está no dicionário da língua portuguesa, ipsi litteris. Longe de me sentir ofendida – uma vez que meu ofício de ser poeta está intimamente ligado ao desafio de fazer palavra rodopiar, entendi que precisaria explicar o óbvio: linguagem é construção de ideias, de sentimentos que se baseiam em signos que podem ser convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc. O que se fala aqui não necessariamente se fala acolá porque neste meio do caminho existem diversos contextos sociopolíticos e econômicos que definem em qual prateleira cabem essas ou aquelas palavras, se entram ou não no tal “dicionário”. Palavra é do unive rso da Cultura e Cultura é movimento. Cultura é um rito de circularidade, dinâmico, gregário. O surgimento de novas expressões linguísticas é da sua natureza.

Ao tentar me constranger publicamente no plenário da Casa, o vereador além de escancarar o desprezo pela segurança física das pessoas, também deixou claro seu  enorme preconceito linguístico. Estreitar nossa forma de falar é negar a pluralidade e o conhecimento da nossa gente. Aliás, é uma falácia afirmar que no Brasil falamos apenas o português brasileiro. A própria – e genial – Lélia González já tratou de renomear essa tal língua para o “pretuguês”, devido à influência dos povos africanos na nossa cultura. Ao escavar as palavras, é possível identificar a mistura e resistência das tantas etnias que habitavam essas terras e das que vieram escravizadas. “Dengo” talvez seja uma das nossas melhores heranças. Tenho certeza que este rapaz nunca ouviu falar no pernambucano linguista Marcos Bagno , empenhado e dedicado trabalhador na luta contra os preconceitos, que terminam descambando para o racismo e para a segregação das classes sociais menos privilegiadas.  

O Inventário Nacional da Diversidade Linguística, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), estima que mais de 250 línguas sejam faladas no Brasil, entre indígenas, de imigração, de sinais, crioulas e afro-brasileiras. Isso se não considerarmos as muitas e várias linguagens praticadas pelas artes e pelas especialidades das inúmeras profissões existentes. Todo dia, a toda hora, expressões novas são criadas no panorama da diversidade brasileira. A qual dicionário o vereador se referia? Tudo o que dizemos e como dizemos está repleto de camadas de colonização, resistência, conflitos e lutas. Linguagem é poder. 

Um exemplo claro é que a palavra “feminicídio” só entrou no dicionário brasileiro em 2015, mesmo sendo histórica a luta do movimento feminista ao alertar que nós mulheres morremos por questões de gênero. Assim como “gordofobia” só apareceu nos últimos anos nos Aurélios, mesmo já sendo política pública do Recife, a primeira capital do Brasil a contar com tais leis, fruto do trabalho do meu mandato. Expressões populares ou advindas de grupos minoritários só conseguem alçar as finas páginas do dicionário quando furam as muitas bolhas do capitalismo, do patriarcado, das universidades, das elites brasileiras. Que dicionário queremos celebrar?

Ao subir na tribuna da Câmara, não levo apenas meu conhecimento técnico sobre determinado tema, mas também tudo que aprendi em Bodocó, com minha mãe que nunca foi à escola mas me ensinou a ler. As memórias que criei com Zé Pedro, um carpinteiro que fazia porteiras e cochos para os animais e que, à noite, ao redor da fogueira, contava histórias para as crianças. Trago na minha voz e no meu coração o som terral de Seu Bindô, um gênio da cantoria e do aboio da Serra do Araripe, nas cercanias da Pedra do Claranã. Ao falar no microfone do Plenário, carrego comigo os e as trabalhadoras do campo que ajudaram a me formar como gente, carrego a potência dos meus ancestrais. Eles são maiores que qualquer dicionário. 

Que a extrema direita não gosta de cultura, já sabemos. O que precisamos lembrar, sempre, é que eles passarão e nós, inventores de palavras e burladores de dicionários, seguiremos construindo mundos e memórias mais plurais e coletivas. Afinal, palavra é bicho solto, vereador. Para ter intimidade com elas, tem que ser afeita aos encantamentos e, talvez, eles não tenham espaço no teu dicionário.  

Cida Pedrosa é advogada, poeta, escritora premiada e vereadora reeleita do Recife. É membro do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois.

[Ilustração: Professora indígena registra expressões linguísticas do povo Karipuna. Foto: Iphan/Divulgação]

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Leia: Redes sociais onde as regras de moderação são definidas por comunidades autônomas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/redes-federadas-x-big-techs.html

Crônica de carnaval: Lima Barreto

O meu carnaval
Lima Barreto  

Como você mesmo foi recrutado?

– Fui; e comi fogo que não foi graça.

– Como foi a história?

– Aproximava-se o carnaval. Como era minha fantasia, vim para a oficina, onde trabalhava. Eu morava em Santa Alexandrina, pelas bandas do Largo do Rio Comprido.

– Ao chegar ao escritório, na Rua dos Inválidos, o mestre me disse: “Valentim, você hoje tem um serviço externo. Você vai até Caxambi, no Méier, para assentar as caixas d'água de um prédio novo.” Deu-me o dinheiro das passagens e parti. Conhecia aquela zona e, a fim de poupar níqueis, desprezei o bonde e fui a pé. Passava eu ​​por uma rua transversal à Imperial, quando fui abordado por três ou quatro tipos fardados, do aspecto mais curioso. Eram de diversos núcleos, formando uma escolta, cujo comandante, um cabo, era um preto. E que preto engraçado! Desengonçado, pernas compridas e arqueadas, pés espalhados — era mesmo um macaco. A farda, blusa e calça, estava toda pingada; o cinturão subira-lhe até quase ao peito… Enfim, era um verdadeiro jagodes, um “Judas”.

– O que é que eles te disseram?

– O cabo veio direito a mim e me perguntou com toda a empáfia: “Onde é que você vai?” Disse-lhe; mas a autoridade feroz parecia ter implicado comigo, tanto que me intimou: “Você vai à presença do senhor capitão Lulu.” “Mas não fiz nada”, objetei. Ele foi inabalável e não quis atender os meus rogos. Chorei, roguei, mas nada! Num dado momento, um dos soldados disse: “Seu cabo está com muitos luxos. Se fosse comigo, esse paisano ia já.” E fez menção de desembainhar um enorme sabre de cavalaria que tinha à cinta.

– Mas que soldados eram estes?

– Não está vendendo logo? Eram guardas nacionais.

– Percebo. Foste?

– Fui. Que remédio?

– O que te fez?

– Vou contar-te tintim por tintim. Levaram-me a presença do oficial. Era um mulato forte, simpático, e o sério intensamente se não fosse a sua presunção e pernosticidade. Era assim o capitão Lulu. Muito apurado no seu uniforme, disse-me num tom imperativo: “Você é um reles desertor. É um brasileiro ignóbil que recusa servir a sua pátria.” Objetei-lhe cheio de susto: “Mas, senhor capitão, nunca fui soldado, como posso ser desertor?” O capitão Lulu não respondeu diretamente à minha interrogativa, mas me perguntou: “Como é que você se chama?” Disse-lhe. Indagou ainda: “Onde é que você mora.” Indiquei: “Rua tal, em Santa Alexandrina.” Isto pareceu-lhe contrário; mas nada disse. Pôs-se a escrever num livro e, por fim, falou-me: “Encontrei os seus assentamentos. Você está há muito tempo atualizado neste batalhão — 01.723.436. regimento de cavalaria da Guarda Nacional. Apesar das sugestões reiteradas, você não foi apresentado. Está preso disciplinarmente por oito dias.” Fiquei tonto, atordoado: “Mas senhor”, fiz eu, um tremor. “Cabo”, especificamente o Lulu, “cumpra as ordens. Já sabe!

– Puseram-te na cadeia?

– Não. Revistaram-me, tiraram-me as ferramentas e o dinheiro que levava. Isto tudo, na presença do marcial Lulu. Quando este viu os cobres, esclareceu: “Dá cá! Esses cobres vão para a caixa do regimento.” Após o que, levou-me para um outro compartimento, onde me fez despir a roupa e vestir uma calça e blusa do uniforme. Das peças que lá havia, a única blusa que me chegava, tinha as divisas de cabo. Não quiseram arrancá-las e fui feito cabo de esquadra. Isso não impediu, porém, que me pusessem em serviço árduo.

– O que foi?

– Meteram-me uma enxada na mão e fizeram-me capinar a chácara durante quase oito dias, passando fome.

– Como?

– A comida era café ralo e pão duro, pela manhã; e, às duas horas, um ensopado de mamão verde, muito mal feito, não qual encontrar uma pastilha de carne seca era uma raridade de fazer alegria até chorar. Na sexta-feira que antecede o sábado, véspera do carnaval, descansei. Ordenaram-me que lavasse a farda e a roupa branca, ou que fiz usar em cima do corpo a fatiota com que fora preso. Mandaram passar a roupa lavada a ferro; e, no sábado, ordenaram-me que a envergasse e fosse à presença do comandante. Apresentei-me, fiz a continência que me foi ensinado e esperei as ordens. O Lulu disse para o superior: “Está aí coronel, o desertor que capturei.” O comandante recostado na cadeira, acariciou o ventre proeminente com as duas mãos e disse com sotaque italiano: “Que vai ele fare?” A capitã Lulu respondeu: “Vai ser minha ordenança, no patrulhamento do carnaval.” O coronel ítalo-brasileiro só se limitou a dizer: “Bene!” À tarde, no sábado, Lulu, antes de sairmos, mandou-me chamar e me aconselhar: “Você me parece boa pessoa, disciplinada. Proceda muito bem. 'A submissão é a base do aperfeiçoamento', disse Victor Hugo. Se sou oficial, cheguei à posição em que estou, devo, não só ao meu esforço, como também a ser obediente aos meus superiores. Você veio, me acompanhou; porte-se bem que não terá de se arrepender.”

– O que era esse tipo, além da guarda nacional?

– Era servente do Senado.

– Que magnata!

– Não te rias. À hora marcada, saímos, eu e Lulu, para a ronda. Deu-me cinco mil réis, para despesas; mas não posso gastar em uma feijoada, porque o aguerrido Lulu não me dava tempo. Andamos pelas ruas e, à noite, fomos aos clubes, onde pude beber e comer à vontade. No domingo foi a mesma coisa e já tinha ganhado a intimidade de Lulu, a ponto de bebermos os nossos calistos juntos. Na segunda-feira, deu-me licença de ir até em casa; e eu que já estava ensoberbado de ser guarda nacional, fui de farda, facão e tudo! Quando cheguei ao Largo do Rio Comprido, saltei para levar alguma coisa. Topei logo com um conhecido que, surpreendido e cheio de espanto, me disse: “Valentim! O que é isso? Você pode ser 'pegado'!” “Porque?” “Ninguém se pode fantasiar com os trajes militares do país.” Mal tinha dito isto, quando fui preso imediatamente por um policial que me levou à delegacia onde não me quis ouvir e me meteram no xadrez até quarta-feira de cinzas. Está em que deu a Guarda Nacional e como foi o meu carnaval, naquele ano.

[Ilustração: O multi-instrumentista Índio da Cuíca Foto: Alfredo Alves]

Leia também: "Carnaval: rebeldia e prazer" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/meu-artigo-para-o-portal-grabois-4.html