28 fevereiro 2025

Palavra de poeta: Miguel Torga

SANTO E SENHA
Miguel Torga 

Deixem passar quem vai na sua estrada.
Deixem passar
Quem vai cheio de noite e de luar.
Deixem passar a não lhe digam nada.

Deixem, que vai apenas
Beber água de sonho a qualquer fonte;
Ou colher açucenas
A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.

Vem da térrea de todos, onde mora
E onde volta depois de amanhecer.
Deixem-no pois passar, agora

Que vai cheio de noite e solidão.
Que vai ser
Uma estrela no chão.

[Ilustração: Marc Chagall]

Leia também: 'A menina', poema de Cida Pedrosa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-cida-pedrosa_24.html


Minha opinião

Um caso entre inúmeros 
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65 


Concluintes do curso de Direito de uma faculdade em Chapecó (SC) denunciam uma colega de turma por supostamente desviar R$ 76,9 mil do fundo de formatura desperdiçados em jogo digital. 

Um caso entre muitos. 

Pesquisa do Instituto DataSenado estima que 42% dos brasileiros que apostam em "bets" estão endividados.

Já o Instituto Locomotiva aponta desastre maior: estão com orçamento pessoal no vermelho em torno de 86% da população que arrisca seus parcos recursos nessa modalidade de jogo. 

Uma epidemia! 

Entretanto, as bets investem pesado em envolvente propaganda na TV, redes e canais digitais, tendo figuras destacadas no futebol e de outros esportes como protagonistas. 

Deviam ser interditadas. Em defesa da população iludida.

Leia: Leitura instantânea e imperfeita https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/china-russia-no-contexto-global.html

Postei no Threads

Botafogo contrata o português Renato Paiva, novo técnico. Sem nenhum preconceito, no futebol, pouco a pouco o Brasil retorna à condição de colônia de Portugal.

Leia: Futebol hoje é ciência e arte https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/futebol-ciencia-arte.html 

Postei no X

Trump e Zelenski batem boca diante da imprensa em show tragicômico, expressão da decadência dos Estados Unidos. 

Leia: Thomas Piketty e os pés de barro de Trump https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/os-pes-de-barro-de-trump.html

Crônica de carnaval: Rubem Braga

Os carnavais de atigamente

Rubem Braga 

Para responder, há tempos, a uma enquete de jornal, fiz um esforço para apurar minhas primeiras lembranças carnavalescas. Vi-me a mim mesmo e a meu irmão muito pequenos mas de calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintados a rolha queimada… De pouco mais me lembro, mas creio que éramos nada menos do que mexicanos. Também tenho uma vaga noção de que cheguei a apache, mas não estou muito seguro.

O que me encantava, e até hoje me seduz no.carnaval, era a transfiguração das pessoas. As pessoas grandes que eu via todo dia em Cachoeiro, sérias, em seus trajes vulgares, de repente viravam piratas, cowboy s, esqueletos, cossacos, índios, sultões, mosqueteiros, palhaços, cozinheiros, almirantes. De um certo ponto de vista parece que eu “acreditava” um pouco nas fantasias, isto é, passava a associar aquelas pessoas às fantasias que tinham usado no carnaval, como sé essas fantasias fossem a sua verdade secreta. O disfarce era uma revelação, eis o que eu sentia inconscientemente.

*

O cheiro dos lança-perfumes, os confetes, as serpentinas, a música, tudo era transfiguração. Para o adolescente tímido, as mocinhas deixavam de ser intocáveis ao mesmo tempo que ficavam muito mais maravilhosas — ciganas, piratas de coxas nuas, odaliscas, bailarinas, pierretes.

Só no carnaval eu tinha coragem de dançar; ele é a grande festa dos tímidos. Moças que passavam por mim na rua apenas murmurando um “bom-dia”, com um rápido olhar — que milagre! — no carnaval sorriam, cantavam para mim, olhos nos olhos, se deliciavam com o jato de meu lança-perfume, deixavam que eu enchesse seus cabelos de confetes, que as prendesse eternamente com voltas de serpentina — e havia momentos de quase êxtase no tumulto das danças.

*

Havia uma instituição espantosa para nossa cidade pudica: era, digamos assim, o carro das mulheres. Naturalmente um grande carro aberto cheio de mulheres fantasiadas, a jogar serpentinas, empunhando bisnagas de cem gramas, pintadíssimas, alegríssimas, passeando escandalosamente no meio da gente e dos carros familiares, entre blocos de mocinhas. E todo ano havia um rapazinho que se embriagava e saía no carro das mulheres. Ia ali abraçado a duas gordas, empunhando uma garrafa de cerveja, enfrentando a censura das famílias, mostrando que já era homem, que era farrista, que era um perdido.

O moço de família que tinha a coragem suprema de fazer essa exibição me parecia um herói do vício. Moças recusavam-se a dançar com ele na noite seguinte, no baile dos Caçadores; era, durante algum tempo, um intocável, um imundo. Mas os homens mais velhos comentavam aquilo sorrindo, com simpatia: rapaziadas…

Leia também: "Carnaval: rebeldia e prazer" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/meu-artigo-para-o-portal-grabois-4.html

Arte é vida: desenho de Alice

 

Alice, 11 anos

Leia também: Entre o hai-kai e a poesia minimalista https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-renato-sq.html

Enio Lins opina

Uma decisão que comprova a sobrevivência do bom senso e do respeito às leis  
Enio Lins


SEM MAIS DELONGAS, a justiça dos Estados Unidos detonou extemporânea ação movida por duas empresas americanas contra Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal. O mimimi foi contra posicionamentos do STF dentro da jurisdição brasileira, seguindo as normas da nossa Constituição. Apesar de óbvia, essa decisão não era ululante, dado o altíssimo nível de pressão movido pelos poderosos grupos autoritários que retornaram à Casa Branca acompanhando o escalafobético Donald Trump.

INFORMOU A AGÊNCIA REUTERS: “Na decisão, a juíza Mary Scriven não analisou o mérito do pedido, apontando que as decisões de Moraes não seriam aplicáveis nos Estados Unidos e que não teria havido até o momento nenhuma movimentação para forçar esse cumprimento em território americano”. Elementar. A ação movida pelas tais empresas ianques não considerou a própria legislação estadunidense, e buscou tão-somente fazer um teste de seu poder de pressão, do tipo “se colar, colou”.

BIZARRA, A AÇÃO contra Alexandre de Moraes foi movida pelas empresas Trump Media e Rumble. Ambas querem fazer e acontecer no Brasil à revelia das leis brasileiras, recusando-se a cumprir decisões da Justiça local. E experimentaram envolver a Justiça americana nessa delinquência. Deram com os burros n’água. Entretando, não devem sentar o facho, pois desrespeitar as leis alheias é um objetivo estratégico no neocolonialismo em seu formato digital e pilotado pelas bigs techs. Voltarão à carga.

É MUITO IMPORTANTE essa decisão da Justiça americana. Ela reafirma a viabilidade das demandas judiciais em território minado por Trump, Musk & gangues associadas. Não devemos esquecer que esse cenário está bichado no patamar da Suprema Corte. Portanto, é alvissareira uma decisão como a da juíza Mary Scriven, reafirmando a independência e a existência de juízo ético num tribunal estadunidense, num tempo em que a saudação nazista volta a ser moda por lá.

NUNCA PASSOU DESPERCEBIDA a questão judicial na estratégia da extrema-direita gringa. De forma cirúrgica, em seu primeiro mandato, Trump nomeou três nomes terrivelmente reacionários (como poderia dizer aquela mitológica cucaracha) para a Suprema Corte, ampliando a maioria conservadora para esmagadores 2/3 na casa, que passou a contar com seis integrantes de um conjunto de nove. Mas, como os processos ordinários não começam na instância superior, isso expõe os desmandos empresariais de Trump, Musk et caterva ao juizado independente nos níveis iniciais.

É CADA DIA MAIS RELEVANTE o papel da Justiça num mundo onde a extrema-direita avança sob a indolência de boa parte da sociedade, nos mais variados países do mundo. Eclodem matizes nazifascistas em nações poderosas como Estados Unidos, Alemanha, França... sem falar de bufões patéticos, como Milei e Jair, em circos direitistas montados no Brasil e na Argentina – isso só para citar países autoidentificados como “ocidentais”. Apesar de algumas manifestações de rua ocorrerem aqui e ali, a apatia popular tem sido a marca mundial frente ao avanço das forças do atraso.

E MAIS: NA OFENSIVA DE ÓDIO da extrema-direita contra o Ministro Alexandre de Moraes, avança no Congresso americano um projeto de lei para impedir sua presença em solo ianque. Puxa, isso pode ser um tremendo prejuízo no caso dele ser fã da Disney, ou surfista frequentador das ondas do Havaí. Apesar de não significar nenhuma perda relevante para qualquer turista que se preze, se confirmada, essa cassação do direito de visitar um país é mais uma afirmação do vezo autoritário, arrogante, de uma nação que se acha dona do mundo, tal qual a Alemanha pensou ser em seus tempos de furor nazista.

Leia: É possível salvar a IA das big techs? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/inteligenia-artificial-monopolizada.html 

Palavra de poeta: Ferreira Gullar

VERÃO
Ferreira Gullar 

Este fevereiro azul
como a chama da paixão
nascido com a morte certa
com prevista duração

deflagra suas manhãs
sobre as montanhas e o mar
com o desatino de tudo
que está para se acabar.

A carne de fevereiro
tem o sabor suicida
de coisa que está vivendo
vivendo mas já perdida.

Mas como tudo que vive
não desiste de viver,
fevereiro não desiste:
vai morrer, não quer morrer.

E a luta de resistência
se trava em todo lugar:
por cima dos edifícios
por sobre as águas do mar

[Ilustração: José Pancetti]

Leia também 'Ninguém me habita', poema de Thiago de Mello https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-thiago-de-mello_25.html 


 


Palavra de Renildo

O principal problema do governo é político, mas será superado”, diz líder do PCdoB
Renildo Calheiros (PE) aposta que o presidente vai se recuperar perante os índices negativos nas pesquisas. “Ele é um político experiente e acho que começou a se dar conta de que algumas alterações são importantes”, observa
Iram Alfaia/Vermelho  

Ao comentar os índices negativos do governo nas últimas pesquisas, o novo líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), diz que o principal problema do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é político, mas que agora ele terá oportunidade de solucionar.

“E ele vai resolver. Porque ele é um político experiente, conhece o Brasil profundamente, conhece o Congresso profundamente e acho que ele começou a se dar conta de que algumas alterações são importantes para ter um funcionamento melhor do governo”, disse o líder em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho.

Conhecido pela sua experiência como articulador político, Renildo afirma que o governo tem condições de formar uma ampla maioria para tocar suas pautas. “São necessários alguns ajustes no governo, no funcionamento do governo e, sobretudo, no comando da agenda”, diz.

Para ele, o governo enfrenta também grande dificuldade diante do “novo sistema de comunicação” no qual prevalece o que se é publicado nas redes sociais.

“O que existe é o que se estabeleceu nas redes, apoiado em outros fatos, em fake news ou em narrativas que são criadas. E aquele programa que foi lançado como uma coisa muito importante para a sociedade, ele não repercute em lugar nenhum. Então, a comunicação de hoje é uma comunicação diferente. É uma comunicação mais complexa e mais difícil. O governo tem se apoiado muito numa comunicação ineficiente”, avalia.

“Mas ouso dizer que o principal problema do governo não é de comunicação. O principal problema do governo é político. E que o presidente tem agora uma oportunidade de resolver”, completa.

O líder do PCdoB lembra que o governo tem muito o que mostrar. “São muitos programas, projetos e com indicadores econômicos extraordinários. Nós temos hoje a menor taxa de desemprego desde quando ela é medida no Brasil. Isso não é pouco”, destaca.

Além disso, o deputado ressalta o crescimento da economia brasileira. “A Europa completamente quebrada e o Brasil foi a segunda economia em crescimento no mundo, atrás apenas da China. Num quadro mundial difícil como o que nós vivemos, o Brasil cresceu 3,8%. Não é pouca coisa. Tem programas sociais importantíssimos. Qual é o grande mistério? É que isso não tem repercutido nas pesquisas de opinião, não tem repercutido no humor da sociedade e no humor do eleitor”, avalia.

Na entrevista, o deputado fala ainda de vários temas como futebol, carnaval, regulamentação das big techs, pautas no Congresso e a proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba com a escala de trabalho 6×1.

Confira a entrevista:

O senhor tem se destacado nas redes sociais com publicações que não possuem um conteúdo exclusivamente político.

Eu não sou uma figura de rede, eu sou meio analógico. É um esforço que estou fazendo por que é preciso reconhecer que a rede é uma [outra] realidade. É preciso estar inserido nesse contexto também. Eu gosto mais de falar de coisas que eu não trato no dia a dia da política. Então gosto muito de falar de poesia e também de falar de futebol. Agora está fácil ser botafoguense, campeão de quase tudo. Você tem clubes que nunca foram campeões ou até que foram poucas vezes. Não é o caso do Botafogo. Eu sou ali do interior de Alagoas, então em vários estados do Nordeste, durante muitos anos, o campeonato local começava mais cedo e às 5 horas a principal rádio local entrava em rede com a Rádio Globo do Rio de Janeiro, e eram transmitidos os jogos do campeonato carioca. Então em vários estados do Nor deste, você torce por um time local, que em geral não participa da competição principal do país, que hoje é a série A. E você tem um time pelo qual você torce no Rio de Janeiro. Então é assim que eu virei botafoguense, desde criança que eu sou Botafogo. Depois, na época da Universidade, eu tive a oportunidade de morar um tempo no Rio de Janeiro e realizar esse sonho de torcedor mais de perto. Era um período em que o time do Botafogo era um elenco muito fraco, não era um time competitivo. Eu sou Náutico em Pernambuco e CSA em Alagoas. Depois também virei para o Murici, porque passou a ter um clube de futebol. Depois eu próprio fundei o Olinda, na cidade de Olinda.

E o Carnaval deputado. O senhor é um bom folião?

Eu sempre fui um folião animado. Sempre brinquei muito o Carnaval, saí em vários blocos. E como todo folião que se preza, não gostava de voltar cedo. Mas chega um tempo em que você começa a selecionar mais as coisas. Você já não vai pra tudo. Por exemplo, vou na abertura do Carnaval do Recife e Galo da Madrugada. Isso é sagrado por que é um local onde você encontra muitos amigos, encontra muitas pessoas. São blocos que eu tenho um carinho muito grande.

Depois do Carnaval, muito trabalho no parlamento. Além de líder do PCdoB, o senhor também é vice-líder do governo.

Não há ideia de acumular. Eu era vice-líder do governo, sou vice-líder do governo, mas recentemente assumi a liderança do PCdoB. Então eu penso em fazer aí essa rotação, ficar na liderança do PCdoB e a gente organizar a vice-liderança do governo com outros camaradas, com outros parlamentares do nosso partido. É preciso ver como organizar isso. Está todo mundo aguardando as definições maiores do governo. A essa altura é certo que vai trocar o ministro das Relações Institucionais. Você vai mexer na liderança do governo aqui na Câmara ou não? Se mexer na liderança do governo, você tem de ver o outro líder do governo, quem será? E a partir daí que os entendimentos e essas construções serão estabelecidas. Tem algumas decisões que está amarrando outras. A expectativa ge ral é que depois do Carnaval as comissões da Câmara sejam formadas. Eu penso que uma, duas semanas depois do Carnaval essa equação estará montada. 

Como se dará o enfrentamento dessa pauta da extrema direita. Há condições de ter uma melhor composição favorável ao governo?

Mesmo elegendo o Lula, o Congresso não tem uma composição majoritariamente progressista. Não é só dessa legislatura, é claro que tem piorado, mas em todas as legislaturas você elege um prefeito progressista, a Câmara não acompanha. Você elege um governador progressista, a Assembleia Legislativa não acompanha. Mesmo com duas eleições de Lula, da Dilma [Rousseff, ex-presidente], o Congresso em geral tem uma posição diferente, porque isso está ligado ao nosso sistema eleitoral e a motivação do eleitor para escolher o seu representante no parlamento. O eleitor faz uma separação entre o candidato a prefeito, o candidato a governador e o candidato a presidente da República. Ele separa isso no voto de deputado e do vereador. Esse voto parlamentar está mais ligado à estrutura política que o país tem. Então quando você confere isso não é só agora, tem muito uma representação local, da cidade, da região. Está ligada a essa estrutura política que o Brasil tem, que é de onde sai a maioria dos votos na eleição parlamentar.

Mesmo assim, há como constituir uma maioria?

Você tem aqui uma maioria mais ao centro. Outra parte mais avançada e progressista, onde você vai encontrar cento e poucos parlamentares. Tem um certo número de parlamentares com a posição de conservadora para a reacionária, aí um pouco acima de 100. E tem uma parte intermediária: quase 300 parlamentares na casa. São esses parlamentares que acabam definindo a posição do Congresso, porque o lado para o qual eles majoritariamente se deslocam é o lado que vence as eleições aqui dentro. O Congresso reflete muito o momento que você está vivendo, o momento político, as circunstâncias. Eu penso que nós temos condição aqui de formar uma ampla maioria em favor do governo e das pautas. São necessários alguns ajustes no funcionamento do governo e, sobretudo, no comando da agenda.

As pesquisas de opinião que estão sendo divulgadas demonstram índices desfavoráveis ao governo. Quais são os problemas?

O principal problema do governo é político, mas o presidente tem agora uma oportunidade de resolver. Ele vai resolver. Porque ele é um político experiente, conhece o Brasil profundamente, conhece o Congresso profundamente e acho que ele começou a se dar conta de que algumas alterações são importantes para ter um funcionamento melhor do governo, ter uma relação melhor com o parlamento e também uma comunicação melhor com a sociedade. O governo do presidente não é um governo ruim. São muitos programas, projetos e com indicadores econômicos extraordinários. Nós temos hoje a menor taxa de desemprego desde quando ela é medida no Brasil. Isso não é pouco. A Europa completamente quebrada e o Brasil foi a segunda economia em crescimento no mundo, atrás apenas da China. Num quadro mundial difícil como o que nós vivemos, o Brasil cresceu 3,8%. Não é pouca coisa. Tem programas sociais importantíssimos. Qual é o grande mistério? É que isso não tem repercutido nas pesquisas de opinião, não tem repercutido no humor da sociedade e no humor do eleitor. Então esse mistério, esse segredo, precisa ser desvendado. É o que o governo está procurando fazer. Por exemplo, esse crescimento de 3,8% tem sido puxado pela indústria, que é uma notícia extraordinária. Contudo, ela não é devidamente valorizada por praticamente ninguém. O que resta de mídia não valoriza. As redes não valorizam, a sociedade acaba não percebendo esse acontecimento extraordinário. Então, como você pode ver, não é uma realidade simples, mas é uma realidade com muitas coisas importantes acontecendo. Não há uma terra arrasada . Há um governo bom, mas que não tem tido a leitura adequada por parte da sociedade e esse mistério precisa ser resolvido.

Há problema da comunicação também?

Essa é uma grande dificuldade atualmente, porque o sistema de comunicação com a sociedade é muito diferente da maneira como funcionava. Lembro que nos meus primeiros mandatos, para alguma notícia chegar no seu estado, você tinha que conseguir um espaço na coluna de alguns jornais. Se a notícia não saísse na coluna daqueles jornais, ninguém tomaria conhecimento. Então, os parlamentares faziam um grande esforço de fazer panfleto, de fazer boletim, de fazer até mesmo jornal para divulgar um pouco as coisas. Hoje você chega num restaurante estão os casais ou as famílias esperando o almoço sair todos com a cabeça baixa, olhando e postando no celular. É uma sociedade diferente que a gente precisa tentar compreender melhor. O que existe é o que se estabeleceu nas redes, apoiado em outros fatos, em fake news ou em narrativas que são criada s. E aquele programa que foi lançado como uma coisa muito importante para a sociedade, ele não repercute em lugar nenhum. Então, a comunicação de hoje é uma comunicação diferente. É uma comunicação mais complexa e mais difícil. O governo tem se apoiado muito numa comunicação ineficiente. Mas ouso dizer que o principal problema do governo não é de comunicação.

O governo também não vem sendo afetado pelo o aumento dos preços dos alimentos?

Esse aumento nos preços é verdadeiro, é um dado da realidade. Eu faço feira, eu sei que as coisas estão caras. É claro que tem. Tem os produtos que encareceram mais que outros, não só no Brasil, mas toda parte do mundo. Mas é claro, esse problema tem que ser enfrentado e o governo está dedicado a encontrar alternativas de combate ao aumento dos preços, principalmente em alguns produtos, que chegam à mesa das pessoas que ganham menos, que têm um salário menor, porque a inflação atinge muito essas camadas mais sofridas da sociedade, tem uma repercussão muito forte sobre a vida dessas pessoas. E é claro que isso deve preocupar o governo. Eu tenho convicção que o presidente está preocupado e está procurando uma solução.

O governo tem uma pauta no parlamento como a reforma tributária sobre a renda e regulamentação das big techs. Tem como avançar nessas pautas?

Primeiro, o governo fez um grande esforço, juntamente com o Congresso Nacional, pra aprovar a reforma tributária. O Brasil tem um sistema tributário que é tido como um dos mais atrasados, mais arcaicos e mais regressivos do mundo. O grande esforço foi feito no sentido de você sair desse sistema muito atrasado, entrar num sistema mais simples e moderno e tentar ter um imposto mais justo. É claro, a reforma tributária precisa ser completada, precisa ser concluída para dar mais agilidade aos processos, à cobrança de impostos, diminuir a sonegação, porque você precisa ter um sistema de arrecadação que seja mais justo. Essa questão das big techs é um problema que o mundo inteiro enfrenta. Não sei se vocês acompanharam, mas no governo passado do Trump [Donald] ele deu uma forte investida contra o TikTok. Nos Estados Unidos, eles aprovaram uma lei que t irava o TikTok de circulação nos Estados Unidos agora, no mês de janeiro de 2025, a não ser que o TikTok lá fosse vendido para algum americano. Quando o Trump vai tomar posse, o que ele fez? Ele que havia lutado muito contra o TikTok disse não, deixa o TikTok aí. ‘Eu ganhei a eleição por causa do TikTok. Ele foi muito importante para a minha comunicação junto à juventude americana e isso me ajudou a ganhar a eleição’. O Trump não defende liberdade de expressão. Defende a conveniência dele ou que ele julga conveniente para os EUA. Veja agora essa confusão da guerra lá na Ucrânia, não é? O que é que o Trump está fazendo? Ele está aproveitando o momento da guerra e tentando viabilizar na guerra um negócio. Ele quer o minério, as chamadas terras raras lá na Ucrânia. Então é um mundo assim meio que de cabeça para baixo. É claro que isso precisa de alguma regulamentação. A mentira não pode virar verdade a partir do apoio das big techs. Então você tem hoje uma sociedade muito vulnerável na mão de quatro, cinco, seis pessoas mundo afora, mas a reação já começou. Você tem várias legislações aprovadas em países europeus e está todo mundo procurando esse caminho. Não quer dizer que essas legislações aprovadas sejam coisas perfeitas ou acertadas. A vida vai nos mostrar o que foi certo e o que não foi certo. Mas você tem que fazer um esforço de regulamentação. Você tem de fazer um esforço para conter a fake news e não pode assistir passivamente. No Brasil, nós precisamos também dessa resposta. E essa é uma consciência que o próprio Congresso precisa ter, porque se não tomar medidas o Supremo [STF] irá tomar ou já está tomando.

Foi protocolada na Câmara a proposta de emenda Constitucional (PEC) que acaba com o fim da escala de trabalho 6×1. Há chances de avançar com essa proposta?

Essa é uma luta importante de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Você tem no Brasil uma carga horária, uma jornada de trabalho excessiva e é preciso o Brasil enfrentar esse problema. É uma luta simples? Não. Porque as pautas econômicas aqui no Congresso Nacional têm tido um tratamento diferente das pautas políticas. Nós temos mais facilidade de formar maioria aqui para política do que uma maioria para questões econômicas importantes. Então essa é uma batalha muito séria para trabalhadores e trabalhadores. Nós vamos estar aí na linha de frente dessa batalha. Toda nossa bancada do PCdoB está mobilizada, mas não é uma luta simples, porque é uma luta exatamente contra uma maioria estabelecida para o comando da economia brasileira. Há uma forte maioria ligada ao setor financeiro, que é o que tem prevalecido nas decis ões tomadas no próprio Congresso. Há uma narrativa e um discurso que é reproduzido por todas as assessorias econômicas e pelos principais veículos da mídia brasileira. Então os bancos nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil, olha que eles sempre ganharam dinheiro, como ganham atualmente. O balanço do Itaú mostra que ele acaba de sair do maior lucro de toda a sua história. E quando você vai ver os projetos aqui, é sempre os bancos procurando mais garantia para eles, para diminuir o risco. Mas risco de quê? Se eles é que ganham todo o dinheiro.

PCdoB promove Encontros Regionais para debater seu 16º Congresso https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/pcdob-16-congresso.html 

Enio Lins opina

Mortos muito vivos que teimam em sair das suas catacumbas
Enio Lins  

E A ALEMANHA, HEIN, GENTE? Lá a democracia engatou uma marcha-à-ré daquelas barulhentas, embora ainda não tenha retrocedido de forma irreversível (para o bem do mundo). O crescimento da extrema-direita alemã, lança sombras da cruz gamada sobre a nação-epicentro de duas grandes guerras mundiais.

SOBRE AS ELEIÇÕES ALEMÃS 2025, o site NexoJornal.com.br cravou no dia 23: “A maior vitória da extrema direita alemã desde o nazismo”, complementando: “A AfD (Alternativa para Alemanha) fez história ao conquistar 20,8% dos votos nas eleições legislativas (..). A legenda é, agora, a segunda maior força do Bundestag, o Parlamento alemão. Ela ficou atrás apenas da aliança democrata-cristã de centro-direita CDU/CSU, liderada por Friedrich Merz, que obteve 28,5% dos votos. O partido de centro-esquerda SPD, de Olaf Scholz, atual chanceler, ficou em terceiro, com 16,4%”. E faz uma ressalva importante: “Apesar de ter dobrado seu apoio e aumentado sua força no Parlamento, é pouco provável, a princípio, qu e o partido de extrema direita integre a coalizão do novo governo alemão”.

ENSINA A HISTÓRIA GERMÂNICA que, na década de 30, a extrema-direita chegou ao poder aos pulos, em eleições sucessivas a partir de uma posição eleitoral aparentemente insignificante. Em 1928, o Partido Nazista saiu das urnas com míseros 2,6% dos votos, ficando com 12 cadeiras no Reichstag. Dois anos depois, saltou para 18,3%, ocupando 107 vagas. Em 1932, os nazis lamberam 37,3% do eleitorado e se aboletaram em 230 poltronas. Em 1933 Adolf Hitler foi nomeado Chanceler do Reich, e o resto dessa tragédia todo mundo sabe, ou deveria saber.

FRENTE AMPLA SEGUE como tática legítima e eficiente no mundo onde exista a disputa eleitoral aberta, aí inclusa a Alemanha velha de guerra. Até nos Estados Unidos e seu obtuso bipartidarismo (deformação própria dos ianques), uma composição de forças mais ampliada poderia, talvez, ter derrotado a extrema-estupidez representada por Trump nas recentes eleições. Identificar a força mais perigosa, mais deletéria, e unir correntes de pensamento divergentes para eliminar esse perigo é o bê-á-bá da política. Nas eleições germânicas deste ano, além das três siglas mais votadas, os resultados indicaram: Verdes (Aliança 90/Os Verdes), com 14%; FDP (Partido Democrático Liberal), com 11,2%; Esquerda (Die Linke), com 5,6%; outros partidos, 3,5%. É possível, tranquilamente, peitar os neo nazistas do AfD. Basta ter firmeza na formação de frentes, mas...

MAS O PROBLEMA É MAIS PROFUNDO e, no longo prazo, não poderá ser equacionado sem respostas eficientes (dadas pelas forças democráticas e de esquerda na condução do país). Uma composição de partidos que isole a extrema-direita neonazista não é coisa difícil de construir na atual conjuntura, sim. Porém o nó é a formulação de propostas capazes de atender às demandas da maioria do povo (da Alemanha e de qualquer país) quando a crise econômica bate à porta e o perfil social dessa população é de racismo e conflitos explosivos. No atual cenário alemão, o refluxo econômico atordoa com lembranças penosas do desastre pós-Primeira Guerra, enquanto os migrantes voltam a ser vistos como estorvos raciais a serem removidos, assim como foram enxergados os judeus naquele per íodo. Nesse mar revolto, a extrema-direita nada como um cação – e precisa ser retirada da água antes de se transformar num tubarão.

ALICE WEIDEL É A FÜHRERIN da AfD (Alternativa para Alemanha). Destaca a BBC que “Nos seus comícios, a líder é recebida com cartazes que dizem ‘Alice für Deutschland’ — que é muito semelhante ao slogan da Alemanha nazista ‘Alles für Deutschland’ (Todos Pela Alemanha)”. Slogan esclarecedor. Não precisa dizer mais nada sobre essa turma.

Leia: Cantilena neofascista sub judice https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_23.html 

Brasil: o Oscar e o Carnaval

Carnaval: resistência e disputa pelo espaço público

Os pesquisadores Guilherme Varela (UFBA) e Gilvan Paiva (UFC) destacam que o Carnaval vai além da festa, funcionando como um termômetro dos conflitos sociais. Para Varela, ele expõe desigualdades por meio de sátiras e fantasias, enquanto Paiva vê a folia como “desbravadora de costumes”.

A história do Carnaval é marcada por tentativas de controle. Para Paiva, “o poder teme a rua sem vigilância”, e Varela aponta a “domesticação” da festa, com blocos transformados em escolas de samba e o avanço de circuitos privatizados e camarotes. “Quando força policial e capital se unem, temos a combinação perfeita para ameaçar a essência do Carnaval”, alerta Varela.

Embora o evento movimente R$ 12 bilhões em 2025, a apropriação corporativa ameaça sua identidade. Em Salvador, 40% dos circuitos são privatizados via abadás, e a festa se torna um negócio lucrativo para grandes marcas, enquanto artesãos e ambulantes enfrentam condições precárias.

O Carnaval também é alvo de criminalização e judicialização. Projetos de lei tentam restringir blocos em cidades como Florianópolis e Curitiba, enquanto disputas judiciais alegam “poluição sonora”. Varela destaca: “O Carnaval é um direito de protesto e um exercício de democracia”.

Cinema brasileiro no Oscar: impacto e desafios

O filme Ainda Estou Aqui levou quatro milhões de brasileiros aos cinemas e concorre ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Torres). Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, retrata o desaparecimento do deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar. No podcast, o cineasta Caio Plessman analisa o impacto da obra e os desafios do setor audiovisual brasileiro.

Para Plessman, o sucesso do longa reflete o momento político do país e a necessidade de revisitar crimes da ditadura. O STF, por exemplo, reabriu o caso Rubens Paiva como “crime contra a humanidade” após o lançamento do filme.

A presença de Ainda Estou Aqui na principal categoria do Oscar representa um avanço para o cinema do Sul Global. No entanto, a indústria nacional ainda enfrenta desafios, como a baixa ocupação de mercado (14% das bilheteiras, ante 40% na era da Embrafilme), a ausência de salas de cinema em 90% dos municípios e a concorrência desigual com plataformas de streaming.

Plessman defende políticas públicas para fortalecer o setor, como um cine teatro por cidade e ingressos acessíveis. Para ele, Ainda Estou Aqui já deixou seu legado, revitalizando o debate sobre memória e democracia, ampliando o diálogo global sobre ditaduras e fomentando novos investimentos no cinema brasileiro. “O mundo precisa do nosso cinema. Esse filme não é só sobre o Brasil, mas sobre a luta universal entre democracia e autoritarismo”.

Leia: Carnaval: rebeldia e prazer https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/meu-artigo-para-o-portal-grabois-4.html

27 fevereiro 2025

Minha opinião

A política no posto de comando* 
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65  

Governar um país da dimensão e da complexidade do Brasil é missão hercúlea, infinitamente complexa, diuturnamente desafiante sob todos os aspectos.

Lula governa pela terceira vez, agora em circunstâncias muito mais difíceis do que antes.

A ordem mundial em transição para a multipolaridade é marcada por solavancos de toda natureza, alguns que incidem negativamente sobre o nosso país, outros abrem janelas de oportunidades. Todos igualmente desafiantes.

O país carece de recuperação em razão dos muitos atrasos contabilizados desde o segundo governo Dilma, marcado pela crise política e pelo descenso da economia, e sobretudo pelo desastroso período Temer-Bolsonaro. 

Isto sob condições políticas em muitos aspectos adversas, a partir mesmo da real correlação de forças no Senado e na Câmara dos Deputados; uma classe dominante submissa, econômica e financeiramente imbricada com o capital financeiro internacional; e um poderoso complexo midiático unanimemente de oposição.

Demais, a base social com a qual o governo é prioritariamente comprometido — os trabalhadores e segmentos médios da população — vive transformações objetivas, tanto no modo como se organiza para produzir bens e serviços, como para se sustentar através do trabalho informal. 

Uma maioria carente e ao mesmo tempo suscetível à avalanche midiática (convencional e digital) alimentada diuturnamente pelo conservadorismo e pela extrema direita.

Nestas circunstâncias, o debate acerca do nível das entregas ostentadas pelo governo e de uma pretendida melhora na comunicação é insuficiente. 

A última aparição do presidente da República em horário nobre e em cadeia nacional de TV e rádio, amplificada nos meios digitais — para abordar dois programas de atenção às necessidades básicas da população, o Pé de Meia e o Farmácia Popular — pautou-se pelo que historicamente se tem denominado "economicismo".

O povo precisa muito mais, carece de esclarecimento sobre o que ocorre no país e os enormes obstáculos que o governo enfrenta. 

O discurso que não correlaciona fatos e problemas imediatos com a disputa política que se trava em plano nacional não emociona, não esclarece e não mobiliza. 

Ministros que apenas prestam conta das realizações de suas pastas sem conexão com a luta política em curso no mundo e no país tão somente repetem a falha do presidente. 

O governo Lula 3 precisa urgentemente colocar a política no posto de comando.

*Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho www.vermelho.org.br

Leia: Qual reforma ministerial? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_24.html 

Uma crônica de Abraham Sicsú

Memórias revisitadas: frevos que identificam
“Lembro da minha adolescência, na qual, como a maioria dos jovens, não fazia sucesso, não era muito notado. Principalmente pelas moças que eu tanto desejava.”
Abraham. B. Sicsú/Vermelho  

Há autores que, às vezes, marcam nossas vidas. Podemos não conhecer bem suas obras, seus trabalhos, mas, uma frase, um verso, podem significar muito.

Manuel Bandeira, o poeta pré-modernista, tem um significado especial em minha vida de leitor. Gosto muito de seus versos livres, de sua maneira de fazer poesia.

Lembro da minha adolescência, na qual, como a maioria dos jovens, não fazia sucesso, não era muito notado. Principalmente pelas moças que eu tanto desejava. A crise da adolescência foi vivida e, não posso negar, sofrida.

Não tinha problema, na minha cabeça e aos poucos amigos, sempre repetia a estrofe:

“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei…”

Um deslumbramento. Ser amigo do rei, ser importante e notado, ter a mulher que desejo, algo quase impossível à época.

Descobri, até, onde era Pasárgada, uma cidade da antiga Pérsia, e o rei associava ao Xá Reza Pahlevi, do hoje Irã, com toda a suntuosidade de sua corte. Ignorava a opressão que existia por lá.

Muitos anos depois, quando vim para o Recife, minha primeira busca foram as ruas do Centro. Conhecia “Evocação do Recife” e queria saber os locais em que o poeta tinha passado parte de sua infância. Lá me encontrei e redescobri a cidade por muitos anos:

“Rua da União,
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)
Atrás da casa ficava a Rua da Saudade,
Onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora,
Onde se ia pescar escondido”

Degradado centro, hoje, mas ainda se mantém os nomes. E, sempre que posso, vou visitar. Morei lá e tenho carinho especial pela Boa Vista. Sem esquecer o mitológico da Rua das Ninfas ou a tristeza da Rua da Soledade.

Passei bons tempos por lá, no Moscozinho, embaixo do Círcolo Católico, tomando minhas Cuba Libres, esperando Byron para ir ao Dom Pedro na Rua do Imperador. Perto, bem perto, fica também o Parque Treze de Maio, sempre que podia levava meus filhos para verem o mini zoológico.

Andava todos os sábados por lá, revendo lugares que o poeta eternizou.

Dia 21 de fevereiro, um telefonema. Na Rua da União vai ter Bacanal.

Fico preocupado, na minha idade não sei se é politicamente correto. Explicam os amigos à pilheria que fiz, um Bloco de Frevo que sai do Espaço Pasárgada, onde o poeta morou na infância.

Um aparte se faz necessário. O Espaço, que chamam de Museu é uma bela casa, mas, apenas duas salas ocupadas com pôsteres e alguns objetos velhos que poderiam ser muito melhor explicados. Merece muito mais cuidado

Por que chamam o Bloco de Bacanal? A explicação é simples. Chamam porque ele fez uma bela poesia sobre o tema. em 1918:

“Quero beber! Cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras…
Se me perguntarem
Que mais queres,
Além de versos e mulheres?
Vinhos, o vinho que é o meu fraco!
Evoé Baco!!…”

Vamos conferir. Quatro da tarde da sexta feira.

Seis ou sete músicos, muito bons, fazem a orquestra. Um grupo, também pequeno, de passistas, à frente, para mostrar a evolução. Endiabrados e muito bem treinados. Pouco a pouco se aproximam os transeuntes. Lá pelas cinco começa o desfile.

As ruas das minhas caminhadas, bem próximas à tradicional Faculdade de Direito, ganham vida, os poucos se tornam muitos, no incorporar das festas momescas.

O desfile não é longo, mas vai para a Rua da Aurora reverenciando a estatua do poeta e trazendo o clima de nostalgia dos velhos carnavais. Momentos de magia, de alegria e descontração.

Lembro dos tempos que cheguei à cidade. Recife sempre teve nos bloquinhos de rua sua tradição carnavalesca. As famílias, os colegas de trabalho, os amigos de bar, os organizavam.

Sempre com humor e picardia. Sempre com momentos de crítica e irreverência. Ainda hoje se encontram esses blocos, mas, cada vez mais, engolidos pelas grandes agremiações, pelos grupos hiper estruturados.

A resistência faz parte, meu Bloco de familiares e amigos, “Chegou o Carnaval”, não passará dos 48 participantes. Maneira de confraternizarmos mais com alegria com aqueles que temos muito afeto e carinho.

A noite foi chegando. Exaustos e felizes vamos ao OGE, boteco às antigas, perto da Assembléia Legislativa. Cervejas para refrescar e um pastelão japonês dividido em seis pedaço como bota gosto. Nunca tinha visto. Uma novidade que gostei. Só lembra ao longe o pastel de feira das minhas priscas eras em São Paulo.

Meu Carnaval inclui os frevos desses bloquinhos e as recordações que me trazem.  Como diria Bandeira “Recife bom. Recife brasileiro, como a casa de meu avô”, na Rua da União.

[Ilustração: Di Cavalcanti]

Leia: Carnaval: rebeldia e prazer https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/meu-artigo-para-o-portal-grabois-4.html

Uma crônica de Cláudio Carraly

A festa do Galo da Madrugada é minha
(50 Anos de Carraly)
Cláudio Carraly*  

No próximo dia 1º de março, quando Recife e Olinda se embriagarem de cores e sons, além da majestade do Galo da Madrugada, eu — que um dia, ainda menino, sonhei em sair fantasiado de Capitão Marvel — completo meio século de existência. São cinquenta anos de uma história escrita nem sempre nos holofotes, mas nos cantos onde os invisíveis tecem a verdadeira resistência e onde revoluções acontecem.

Como um bom pernambucano, aprendi desde cedo a amar a multidão e seus cheiros e sabores, mas também aprendi a observar os degredados, perdedores, aqueles de quem ninguém se importa. Percebi que ali estavam os heróis sem estandarte, as vozes que ecoam nos becos das nossas ruas históricas na passagem dos blocos de frevos de rua, líricos, maracatus, sambas e afoxés, como bem disse o grande Chico em "Vai Passar":

"Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do Boulevard"

Minha vida até aqui é um mosaico de papéis: advogado, gestor público, ambos por indicação do partido, mas gostei, aprendi e surpreendi muito mais que meus pares, mas a mim mesmo; sabia fazer direitinho as tarefas que me eram propostas. Sou um político meno r, que preferiu escutar as vozes das praças, os discursos de quem pouco sabia estar sendo ouvido.

Também atuo como o que poderíamos chamar de um proto-escritor que transformou decepções em letras, falando dos temas mais diversos possíveis, sabendo de quase tudo um pouco, mas quase tudo mal. Alguns poucos leem o que escrevo; lógico que, em minha vaidade, gosta ria que meus pensamentos tatuados no papel gerassem alguma inquietação e reflexão em algum incauto, porém, me satisfaço em pôr pra fora essas coisas que estavam há muitos anos presas dentro da minha cabeça e gritavam para sair.

Aos 14 anos de idade, escolhi o Partido Comunista Brasileiro – PCB, não por modismo, até porque, naquele distante ano de 1989, o Partidão já sofria das agruras e consequências da queda do Muro de Berlim, mas eu me sabia comunista. Aliás, meu pai afirma que s empre fui. Lembro de um tio conservador que me interpelou um dia: "Acho que você está sendo influenciado por algum amigo", ao que respondi: "Na verdade, tio, sou eu quem influencia meus amigos".

Mas os comunistas me deram um grande presente, e carrego comigo até hoje: um norte para os que navegam mesmo sem bússola, uma preocupação para além do meu torrão natal. Somos responsáveis também pelo mundo, e isso me deu uma perspectiva global e um sentimento profundo de responsabilidade com o conjunto da humanidade.

Formei-me em Direito em 1998, mas meu diploma virou ferramenta, não um troféu. Nunca cobrei de pessoas físicas pela minha advocacia, e só o fiz para empresas, mesmo assim, às quais eu tinha alguma aderência ideológica ou afetiva. Não que meus colegas estejam errados em cobrar — é o trabalho deles, nada mais justo —, mas era só minha singela forma de agradecer ao universo pela oportunidade de um garoto crescido na periferia de Barra de Jangada ter obtido tantas chances, espaços, voz e possibilidade de ocupar espaços importantes.

Como gestor, descobri que administrar é como reger uma orquestra: harmonizar o conjunto, diminuir dissonâncias, valorizar o coletivo e ressaltar os valores individuais de quem compõe a sinfônica, e algumas vezes, logicamente, pôr feito à ordem. Enfrentei enchentes ( não é figura de linguagem) que arrastavam sonhos e matavam esperanças, cuidei da manutenção da vida de adolescentes ameaçados pelo tráfico, auxiliei ações de assistência social à população mais vulnerável. Tudo isso com a teimosia de quem sabe que a sombra teme a persistência da luz. Sempre escolhi a porta estreita. Na hora de optar, minha preferência era pelos mais desprezados, inquietos, os que desafiavam as regras, os que ninguém mais queria. Talvez visse neles um pouco de mim.

Mas minha verdadeira alegria não está nos cargos ocupados ou em uma veloz ascensão partidária. Estavam, na verdade, nos versos que nasceram de madrugadas insones, nos telefones que tocaram quando mais precisava, nos convites feitos de tanta gente boa quando eu mais precisava, no apoio cotidiano de tantos que, nos momentos de dificuldades, se punham à disposição.

Minha felicidade, na verdade, é bem simples, ela mora nas arquibancadas do Estádio dos Aflitos, onde aprendi o que é esperança, compreender o que é fé, mesmo quando o placar insiste em mentir pra a gente. Mas, principalmente, na força do apoio incondiciona l da minha família, onde aprendi que não existe medida para o amor. Meu chão e meu céu estão em perfeita harmonia quando estou ali com eles.

Houve também muitas agruras, noites em que parecia que queriam me apagar, que nada fazia sentido, deixando-me envolver em intrigas, meias-verdades, pelejas palacianas, em um jogo torto cujas regras eu não conhecia e que nunca quis aprender a jogar. Nessas horas sombrias, era amparado pelo p equeno Claudinho, que me lembrava do meu herói favorito da infância, então eu usava uma palavra mágica, gritando-a a plenos pulmões... Shazam! E tudo ficava bem.

Chegar aos 50 num sábado de Carnaval não é coincidência: na verdade é uma bela metáfora. No espelho, o rosto que vejo agora não é o que conhecia; vejo uma cara talhada por batalhas e tempo, mas meus olhos ainda se iluminam com um "e por que n&at ilde;o?". Reconheço em mim várias das pessoas que fui, nas várias etapas da vida: o adolescente que colecionava histórias em quadrinhos e lutava por justiça social, o gestor que enterrou a vaidade pelo serviço às pessoas, o homem que sabe que o jogo mais bonito é aquele que se joga de coração aberto, mesmo sem plateia na arquibancada ou nenhum reconhecimento.

As derrotas momentâneas podem ser ensaios para uma revanche no futuro, e quando não há essa revanche, ou a derrota se repete, é aceitar seu fracasso e seguir, simples assim. Afinal, a existência é complexa, e, na maioria das vezes, vamos cair e cair novamente. Assi m, dedico este texto a várias pessoas que compartilharam esta dança comigo e dividiram tantos êxitos e os fracassos com a mesma altivez. Mas antes que ressoem os clarins, deixo meus profundos agradecimentos:

À minha família, que transformou um sonhador em gente.
Aos mestres, que me ensinaram que poder é efêmero, mas servir é eterno.
Aos alunos rebeldes, que viraram meus professores mesmo sem saber.
Aos companheiros de utopias e copos, irmãos de causas impossíveis.
Aos invisibilizados, que mostraram que heroísmo mesmo é suportar o dia a dia.
E a todos que duvidaram, vocês abasteceram o combustível da minha teimosia e inflaram o dirigível dos meus mais profundos sonhos.

Meu futuro? Não tenho ideia! Mas devo continuar nas trincheiras do improvável, talvez escrevendo, às vezes governando, mas sempre e sempre, torcendo. E quando chegar o dia em que o frevo parar de tocar em mim, saibam que estarei ali, na margem da rua, agora também invisí ;vel, seguindo o “Nem Sempre Lily Toca Flauta” cantando a boa vida que levei. Sabendo-me feliz, amante do Carnaval, mas, principalmente, e por mais simplório que pareça, orgulhoso do cara que não negava seu sorriso pra ninguém. Enquanto existir música, poesia e possibilidade de sonhar, seguirei feliz. E quanto a mim neste momento? Tou me guardando pra quando o carnaval chegar. Sendo assim, EVOÉ, camaradas!
 
*Cláudio Carraly - Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.

Leia: Carnaval: rebeldia e prazer https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/meu-artigo-para-o-portal-grabois-4.html

Humor de resistência: Enio

 

Enio

Leia: Carnaval: rebeldia e prazer https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/meu-artigo-para-o-portal-grabois-4.html

PIB além das previsões

Com Lula, PIB chega a crescer 4 vezes acima das previsões do mercado
Por incompetência ou má-fé, o mercado paga para ver a própria desmoralização
André Cintra/Vermelho 

O Brasil pode não ser para iniciantes, mas as previsões do mercado sobre a nossa economia parecem, sim, exercícios a cargo de novatos. Com um histórico de erros a granel, os “especialistas” da área se assemelham ao personagem da música de Raul Seixas que dizia ser “os olhos do cego e a cegueira da visão”.

Em janeiro, uma reportagem da jornalista Lílian Cunha para o UOL confrontou tais projeções aos dados oficiais no período de 2021 a 2024. O levantamento levou em conta cinco indicadores: Bolsa de Valores (Ibovespa), taxa básica de juros (Selic), crescimento econômico (PIB), dólar e inflação (IPCA).

Para saber o que o mercado agourava ano a ano, Lílian consultou edições do Boletim Focus – o informe do Banco Central (BC) baseado nos prognósticos semanais de mais de cem economistas ligados a instituições financeiras. O resultado: nada menos que 95% dos palpites dos analistas se revelaram equivocados.

O mercado errou ao longo do governo Jair Bolsonaro (PL) e continua a errar durante a gestão Lula (PT). A chuva de enganos foi universal e ilimitada, mas, a fim de contemporizar o vexame, Claudia Moreno, do C6 Bank, disse que o importante não é acertar o número, mas, sim, a “direção”. Ao UOL, a especialista declarou: “Quanto antes você conseguir prever essa direção, mais o investidor tem tempo de se preparar e ganhar dinheiro”.

É como se Claudia aplicasse o conceito de “margem de erro” aos vaticínios do mercado. Mas que margem! A tese faria sentido se o conceito de “direção” fosse mais preciso – e se alguns erros pudessem ser relativizados à luz de tamanha flexibilidade estatística.

Não é o que ocorre, porém, com as adivinhações do mercado em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) sob o governo Lula. A discrepância é tão grande que carece de explicações menos simplórias do que as de Claudia Moreno.

Quando Lula assumiu seu terceiro mandato presidencial, homens e mulheres do mercado eram só pessimismo. No primeiro Boletim Focus após a posse, publicado em 6 de janeiro de 2023, os analistas prenunciavam uma nação estagnada – a projeção média era de um “pibinho” de 0,78%. Alguns agentes citavam até o risco de recessão.

Doze meses depois, a economia não havia estagnado, nem tampouco decrescido. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expansão do PIB em 2023 foi de 3,2% – quatro vezes acima da estimativa do mercado.

Sobreveio o segundo ano de Lula 3 – e o bota-abaixo do mercado persistiu. De acordo com o BC, o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), considerado a “prévia do PIB”, foi de 3,8% em 2024. A taxa oficial será divulgada no próximo dia 7 de março.

Já é certo, porém, que a “bola de cristal” do mercado voltou a quebrar. O Boletim Focus de 5 de janeiro de 2024 antevia um crescimento de apenas 1,52%. A “direção” estava um pouco mais alinhada, mas, desta vez, a realidade ficou 2,5 vezes superior à profecia.

Por incompetência ou má-fé, o mercado paga para ver a própria desmoralização. Não há razoabilidade nenhuma em minimizar o disparate e dizer que analistas ao menos acertaram a “direção”. Ao contrário: uma visão turva dessas proporções prejudica não apenas os investidores – mas toda a população.

É fato que, para azar do Brasil e dos brasileiros, os investimentos externos ficam em xeque se o catastrofismo prevalece no discurso, com ou sem fatos que o sustentem. Mas o alcance das vozes do mercado impacta de várias outras maneiras os rumos de uma economia.

Autoridade monetária do País, o Banco Central se afiança sobretudo na “percepção” do mercado para impor sua política ultraliberal, mantendo o Brasil há anos entre as economias de maior taxa real de juros. Com um BC “independente” e com analistas doentiamente hostis a governos progressistas, a fórmula é explosiva.

Uma instituição pública e um conglomerado privado se unem em torno de interesses nada louváveis. Ainda que erros de projeções tenham virado a regra desse jogo sinistro, as pressões por ajustes fiscais e corte de gastos sociais, reverberadas integralmente pela grande mídia, ganham ares de verdade absoluta. Está dada a senha para todo tipo de chantagem contra Lula e seu governo.

A boa notícia é que, em 2025, a aposta inicial do mercado para o salto do PIB brasileiro está menos conservadora. No Boletim Focus que abriu este ano, em 3 de janeiro, analistas desenhavam um crescimento de 2,02%. A prosseguir o histórico de erros desses experts, dá para cravar que dias melhores virão.

Ouça e veja: Governo Lula, crescimento sem popularidade https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/governo-lula-crescimento-sem.html