Cida Pedrosa, a poeta vencedora
'Solo para Vialejo', livro que
rendeu a ela o troféu literário, surgiu durante um tratamento de câncer de
tireoide
Marcella Franco, Folha de S.
Paulo
Ela
conta que faz terapia há 20 anos. No consultório, trata a autoestima. Não sabe se sofre da famosa
síndrome da impostora, mas acha que tem angústias. “A sociedade nos
futuca para baixo. É uma construção para que a gente se boicote”, diz.
Ser mulher, segundo Pedrosa, é estar em vigília
permanente. “Porque o machismo é estrutural, entende? E eu tenho isso claro
desde a mais tenra idade. Sinto na pele desde jovenzinha.”
“Quando
você é selecionada em um prêmio, é como se o status quo dissesse que você tem
estatura literária. E isso nesse mundo machista lhe põe em um outro patamar”,
contextualiza, ao dizer que está “felicíssima” com o Jabuti.
“Não
deixa de ser um coroamento da carreira, até porque escrever em um país onde a
leitura não é levada a sério, onde o presidente quer taxar o livro, é uma luta
insana.”
O
prêmio, diz, não é só seu. “Minha inquietude nunca me permitiu escrever minha
obra sozinha. Então são os negros, os índios, é a minha busca por mim mesma, é
uma mulher nordestina comunista e militante, todos eles ganhando o prêmio
juntos.”
Enquanto
narra sua história, ela se interrompe. “Não sei se estou me fazendo entender ou
se sou muito lírica.” O discurso bem encadeado e plenamente inteligível ganha
de fato contornos de ficção literária em alguns trechos.
Como, por exemplo, quando conta que é a 15ª filha dos agricultores
Francisco e Isabel, e que o sítio onde viveu até seus 14 anos, em Bodocó, no
sertão pernambucano, não tinha energia elétrica nem banheiro. “A gente tomava
banho de cuia.”
“Meu pai era muito danado e teve mais seis filhos. Somos 21. Já tem
cinco no céu, das duas famílias. Minha mãe e meu pai brigaram muito, ele era
machista e se dava ao desfrute de ter duas mulheres. Mas ela nunca deixou a
gente brigar com os meninos.”
A poeta se mudou para a capital e foi estudar no colégio que um dos
irmãos mantinha. No corpo docente, além de alguns ex-presos políticos, havia
também Flor, irmã de Pedrosa, que deu a ela suas primeiras aulas de literatura.
Em 1981, com colegas de classe, criou o Movimento de Escritores Independentes
de Pernambuco.
Nos primeiros anos do curso de direito, conta que vivia infeliz. “O que
me salvava era a escrita. No fim, me apaixonei porque percebi que podia ser uma
advogada de direitos humanos porreta.”
O trabalho a levou a Palmares, na região da mata, onde se casou. Ela e o
marido eram ameaçados, conta, por causa do confronto direto com o patronato.
“Eu engravidei, houve uma perseguição muito forte de carros atrás da gente e
perdi meu bebê de sete meses. Quatro meses depois, mataram ele.”
Pedrosa se casou outras duas vezes. Primeiro com um advogado, com quem
teve dois filhos –Francisco, de 26 anos, e Vladimir, de 23. “Um é meu lado
sacro, quando saí da maternidade lavei o pé dele nas águas do rio São
Francisco.”
“O outro é meu lado revolucionário, em homenagem a Maiakovski.” Dois
anos depois de o marido morrer de câncer, Pedrosa conheceu o editor Sennor
Ramos. “Ele é 14 anos mais novo e entende tudo de literatura popular.”
“Solo para Vialejo” surgiu enquanto ela tratava um câncer de tireoide.
Fala de negros e índios, das dores da mãe, dos olhos azuis do pai, das memórias
individuais e coletivas. “Faço a repetição de três versos porque são os acordes
do blues e cinco porque é a escala pentatônica.”
Segundo Pedrosa, poesia e política se tornaram coisas indissociáveis.
“Tem gente que acha isso péssimo. Que a poesia não se presta a isso. Mas, para
mim, minha poesia tem função social. A diferença é que não sou panfletária.
Panfleto é panfleto, poesia é poesia.”
Veja uma dica de leitura: Raimundo
Carrero https://bit.ly/3pCHkXY
Nenhum comentário:
Postar um comentário