21 dezembro 2020

Amplitude ou sectarismo infantil?

Derrotar Bolsonaro ou marcar posição na sucessão na Câmara?

Edilson Silva, portal Vermelho

 

Um certo frenesi toma conta de parte do campo da esquerda política no Brasil neste momento. É a sucessão na Câmara Federal. Parece que a questão colocada é: marcar posição de esquerda ou derrotar Bolsonaro no parlamento?

Por detrás desta pergunta há muitas questões, que respeito, como a opinião que uma gestão de centro direita na Câmara, como a de Rodrigo Maia (DEM), não interessa estrategicamente aos interesses da maioria da população. Há bons e justos argumentos para esta posição, como o fato de que esta gestão de centro direita tem acordos com a pauta neoliberal que coincide com parte do governo (Guedes), como na questão da manutenção do teto de gastos, uma irracionalidade completa.

Há também a questão do impeachment que não é colocado em pauta, mas aqui estamos falando da centro direita que detém cerca de 60% do parlamento e de um governo que surpreendentemente segue com seus 30% de aprovação. Vida dura.

Então, de onde vejo, estes bons argumentos só se sustentam no vácuo político, ou seja, abstraindo que estamos sob um governo de extrema direita no país. O campo de esquerda e progressista no Brasil está jogando no campo defensivo, levando goleada ainda. As eleições recentes não nos colocaram no campo ofensivo. A pandemia e o distanciamento social não permitem que imprimamos o nosso ritmo de jogo, que é ir às ruas mudar a correlação de forças no calor da luta política mais direta. Essa é a realidade concreta. A gente tem que estancar primeiro a hemorragia de direitos e de democracia a que estamos submetidos.

Nesta situação, é temerário numa eleição da Câmara se pensar em marcar posição supostamente pela esquerda. A meta central deve ser isolar e derrotar a extrema direita, não permitir que o “centrão” emplaque sob o comando de articulações do Palácio do Planalto. Pode ser que haja margem de manobra pra alguns jogarem para a torcida num primeiro turno, e deixar a seriedade toda para um voto útil num eventual segundo turno, mas isso seria como brincar com fogo em meio a barris de pólvora.

Aos que não acham importante isolar a extrema direita no Congresso, lembro aqui de momentos mais simbólicos para o povo brasileiro em que pudemos sentir as diferenças práticas em se ter na Câmara uma gestão se enfrentando com o governo Bolsonaro e suas medidas: Auxílio  Emergencial da Cultura, Lei Aldir Blanc, aprovação do Fundeb e defesa do SUS. Há muitos outros, em que os sindicatos podem falar sobre como foram protegidos da sanha ultraliberal do governo, ou o movimento estudantil que também foi protegido de uma política de desmonte e perseguição, os ambientalistas, enfim.

Mas eu vou dar aqui um testemunho a partir do meu lugar mais específico de fala: a luta do povo negro. Logo no início do governo Bolsonaro, o então ministro Sérgio Moro apresentou ao Congresso um pacote anticrime. Um pacote com viés nitidamente fascista, miliciano, rebaixando direitos e permitindo um salve-se quem puder nas ruas do país. Dentro dele estava a ampliação do excludente de ilicitude, que liberaria ainda mais as porteiras para os homicídios praticados por forças policiais no Brasil contra os pobres e negros.

O presidente Rodrigo Maia recebeu a Coalizão Negra Por Direitos – movimento que reúne dezenas de entidades – e construiu um percurso no processo legislativo para tratar o tema, definindo uma comissão especial que pode debater exaustivamente a questão, comissão para a qual indicou ninguém menos que os deputados Orlando Silva (PCdoB-SP) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ), dentre outros defensores de direitos humanos, como integrantes, o que qualificou enormemente a discussão e ao final conseguimos derrotar o pacote naquilo que ele tinha de mais cruel.

Juntando todos os votos do PT, PDT, PSB, PSOL, PCdoB e Rede, que são um bloco mais estável do campo progressista na Câmara, temos aí 133 deputados/as. É insuficiente, mesmo coeso, para fazer uma disputa pra valer, mas é robusto o suficiente para pender questões urgentes para o campo mais civilizado da política. Que questões são essas? Há muitas, desde questões ambientais até chegar na extensão do auxílio emergencial para os próximos meses. Este é um importante debate prático a ser feito. Não sou especialista no assunto, mas derrotar Bolsonaro nesta disputa me parece ser a antessala de qualquer discussão que pretenda defender os reais interesses das maiorias do nosso povo.

Veja: Obstáculos à existência de partidos de base popular https://bit.ly/34vKu7c

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