Dia de começo e fim
Não há vergonha em defender
a democracia. Esse é ato de grandeza, sempre
Janio
de Freitas, Folha de S. Paulo
Há exatos quatro anos, o que se instalou no Brasil, a pretexto
de sucessão presidencial, não era um novo governo. Foi o estado de terrorismo
político. Veio a ser a continuidade lógica da fraude aplicada ao processo
eleitoral a propósito de corrupção
denunciada na Petrobras.
Hoje, a ameaça terrorista de impedir os brasileiros da única
atribuição institucional que lhes deixaram, generosos, consagra um fato
extraordinário: a numerosa união
pela democracia, entre divergentes às vezes extremados, como mais um
dos tão raros momentos de beleza na política.
Não há vergonha em defender
a democracia. Esse é ato de grandeza, sempre. Vai além do
significado eleitoral: atitude talvez insuspeitada, faz conhecer com mais
justiça quem a pratica —e, em contrapartida, quem a recusa.
São gestos de independência e altivez. E é emocionante saber que
pessoas centenárias vão às urnas com sua contribuição à democracia, porque
"é preciso pacificar o país".
Ser
bolsonarista é, também, a incapacidade de ver o que constrói o momento
particular que os brasileiros vivem, de um lado como de outro. Os
anos recentes trouxeram indicações de que essa restrição perceptiva persiste na
maioria dos militares.
Por identificação com a direita extremada ou por outras causas,
sua instabilidade entre bolsonarismo e legalismo foi o amparo para os feitos de
Bolsonaro: aprofundar as históricas fendas econômicas e sociais, devastar a
aparelhagem de condução do país e pôr em suspenso o valor da vida.
Com o ataque ao
Estado de Direito, o próprio estado de terrorismo a ser
perenizado pelo golpe.
É muito importante, pode mesmo ser decisivo, que a etapa
eleitoral se encerre neste domingo (2). O intervalo
até o segundo turno seria ainda mais perigoso, em violência até letal,
do que o temido entre a eleição e a posse do eleito. Mesmo que a de Bolsonaro.
É isso, sim: o bolsonarismo tem um só plano para vindita de
derrotado e para o pretendido poder sem opositores. Bolsonaro disse: "É
preciso matar uns 30 mil".
Nenhuma previsão da conduta de militares em derrota de Bolsonaro
merece maior credibilidade. É imprevisível a força armada presente em uma
aberração como o sentido eleitoreiro dado ao Bicentenário da Independência.
Data nacional única em que o ponto a ecoar para a história,
vindo do próprio presidente, foi gabar-se
de sua fantasiada sexualidade —nem ao menos considerável, vista
a quantidade de Viagra comprado em seu governo.
À nossa custa, o governo americano vive a interessante
experiência de estar, até mais do que ausente, contrário
a um golpe da direita. A defesa da democracia brasileira submete o
bolsonarismo civil e militar a ameaças externas equivalentes, mas contrárias,
às que faz aqui.
Com uma diferença: montadas em tanques ou em motos, as ameaças
bolsonaristas descobriram à sua frente uma consciência democrática de que nem
os democratas tinham certeza.
DOIS TERÇOS
A grande massa dos que vivem de trabalho acorda ainda na
madrugada. Os que moram menos longe do emprego o fazem aí pelas 6h. Debate
que começa às 22h30 não é para ser visto por dois terços do
eleitorado, no mínimo.
O confronto
dos candidatos na TV Globo ficará simbolizado, no seu grotesco,
pelo padre
que não é padre. Um partido que leva tal vigarice a um programa de
eleição presidencial, como fez o PTB de Roberto
Jefferson, deveria ter o registro cassado e seus dirigentes
processados, a bem do serviço de limpeza pública.
NA CAVERNA
O ministro
da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, não comentou o que viu, se
viu, no TSE.
Mas possibilitou o que é, até agora, a foto simbólica deste período sem
precedente, com os ataques às urnas, ao TSE, militares querendo controlar o
processo eleitoral. A foto é de Pedro
Ladeira, da Folha, e
publicada pelo Globo de quinta (29).
Sisudo, rosto fixo para a frente, meio isolado, o general passa
ao lado de uma divisória em vidro transparente. Do outro lado, bem
iluminada, está a sala de apuração eleitoral, descrita por Bolsonaro e tida
pelos bolsonaristas como "secreta e escura".
Uma prova da vulnerabilidade eleitoral. O general fazia parte da
visitação, a convite do ministro Alexandre
de Moraes, ao que seria o laboratório cavernoso das fraudes
inventadas por Bolsonaro e suspeitadas por militares.
Leia também: Fake news sobre urnas,
pesquisas e TSE dominam retórica da mentira https://bit.ly/3BQHoup
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