Bolsonaro pode ser o autor do maior esquema de corrupção da
história do Brasil
Em 5 de outubro de 2022,
o presidente Bolsonaro desviou mais R$ 10,5 bilhões de verbas que seriam destinadas à saúde,
ciência e educação para agregar metade do valor ao “orçamento secreto”
Gabriel Dantas Romano, Le Monde Diplomatic
O
argumento de combate à corrupção tem sido a justificativa central dos votos de
milhares de brasileiros. Historicamente, a corrupção sempre foi um tópico
sensível para o eleitor, capaz de reativar um suposto sentimento cívico e de
dever moral da nação que batalha para viver em um país melhor.
Nas
campanhas de 1960, Jânio Quadros se valeu da emblemática “vassourinha” como
elemento simbólico de combate à corrupção e foi eleito sob o pretexto de
solucionar a questão. Mas será que os eleitores da época tiveram a oportunidade
de pensar se esse combate vinha acompanhado de propostas e projetos políticos
econômicos que realmente iriam beneficiar o Brasil? O que vem dentro do pacote
do “combate à corrupção”? Ao longo da história, esse discurso atrativo, sedutor
e vazio vem acompanhado ou desacompanhado de medidas realmente eficientes? No
final das contas, sabemos que o discurso difere da prática. No caso de Jânio,
ele foi exposto como corrupto pela própria filha, apesar de ter se valido dessa
antiquíssima batalha moral para construir uma imagem positiva.
Assim,
o combate à corrupção vem sendo mobilizado como uma solução para as mazelas
sociais e políticas do Brasil. Nos discursos eleitorais, a corrupção aparece
como a causa da decadência e fracasso do país; as mazelas sociais, a desolação
do povo e o atraso são responsabilidades dela, e não do funcionamento de uma
estrutura socioeconômica mais profunda. Ou seja, anunciam a corrupção como uma
causa e não como uma consequência. Pela natureza dessa lógica, não são a
configuração do sistema e a estrutura das relações sociais e econômicas que
reproduzem desigualdades, problemas sociais e afins, mas sim o desvio de
dinheiro público. Nesse âmbito, o problema da corrupção, um tópico tão necessário
e importante, é sequestrado por um combate falso e desvencilhado de projetos
políticos reais e coerentes.
Leia
também: As raízes e os males do tal orçamento secreto https://bit.ly/3S2fFwA
Por
isso, a indignação contra esse grave problema deve ser estimulada junto de um
entendimento mais amplo e profundo sobre a política. Nos últimos anos,
testemunhamos um combate hipócrita e parcial. Numa sociedade de
telecomunicações para massas, até a indignação contra o desvio de dinheiro é
algo fabricado para beneficiar interesses pré-determinados e se torna algo
completamente seletivo. Ao invés de um repúdio generalizado da corrupção e
compra de voto como forma de governo, presenciamos no Brasil contemporâneo um
ataque seletivo que visa desmoralizar um partido em específico. Do mesmo modo
que, na época de Jânio, o projeto desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek
teve sua reputação prejudica pelo mesmo pretexto.
Não é segredo que Bolsonaro está envolvido em escândalos de corrupção. Porém, a indignação
contra os esquemas criminosos que ele arquiteta não se populariza. Desde o
orçamento secreto, em que o repasse de recursos para o Congresso opera sem
transparência de como, onde e por quem o dinheiro será gasto e utilizado, os
esquemas de corrupção vêm sendo institucionalizados. Em relação aos crimes
imorais e gananciosos dos “homens de bem”, a nação continua deitada em berço
esplêndido, pois nenhuma revolta é manifestada.
Para quem acompanha com rigor o mundo da
política, já está claro que o orçamento secreto é um mecanismo de desvio
dinheiro público e compra de voto, uma forma de corrupção institucionalizada.
Esse assalto aos cofres públicos está sendo responsável por um rombo de bilhões
de reais, o desvio de verbas desse esquema já envolve inúmeras denúncias de corrupção. Foi através
do orçamento secreto que tratores, equipamentos agrícolas, caminhões de lixo,
ônibus escolares, ambulâncias, puderam ser comprados acima dos valores, num
caso evidente de superfaturamento. Com a verba desviada pelo
orçamento, prefeituras estão contratando empresas suspeitas de
desvio de dinheiro da saúde e educação e bancando fraudes no SUS, e os políticos estão podendo
negociar compra de votos bilionárias. Nesses três anos,
esse esquema subtraiu R$ 65 bilhões de dinheiro público.
Além disso, no dia 5 de outubro de 2022, o presidente Bolsonaro desviou mais R$ 10,5 bilhões de verbas
que seriam destinadas à saúde, ciência e educação para agregar metade do valor
ao “orçamento secreto”.
Parece que os “homens de bens” possuem
certa permissibilidade para perpetrar seus crimes sem impedimentos. A imagem de
corrupto, ladrão, não se populariza quando diz respeito a um homem “cristão,
conservador, defensor da família e cidadão de bem”. Talvez se Bolsonaro fosse
um político trabalhista que luta por melhorias e avanços sociais, os adjetivos
negativos pegassem nele. A mídia não repete à exaustão cada passo em falsos de
um político pró-sistema. Não é isso que acontece, não há nenhuma cobertura
exaustiva da mídia sobre o assunto, não é atribuído ao ato nenhum escândalo
moral e os brasileiros não são imbuídos de pânico pelo esquema. Há omissão.
Quem defende o sistema sempre terá
imunidade, não importa o que faça, pois simplesmente há uma estrutura de poder
apoiando tal indivíduo. Há uma permissibilidade social subentendida. Por isso,
Bolsonaro pode falar vários absurdos e nunca ser responsabilizado (por exemplo,
dizer que vacinas causam Aids), ou até mesmo ser um corrupto descarado sem ter
a sua reputação prejudicada.
Já quem possui consciência social e de
alguma forma ameaça interesses dos poderosos, mesmo que de forma tímida e
limitada, sempre terá suas falas e atitudes escrutinadas e analisadas nos
mínimos detalhes a fim de ser recriminado, criminalizado e demonizado à
exaustão. Qualquer passo em falso é hiperbolizado, ampliado, a fim de destruir
a sua reputação. Dilma furou o teto de gastos para financiar programas sociais
e sofreu um impeachment, Bolsonaro estourou o teto em R$ 213 bilhões visando
medidas eleitoreiras e continua intacto, com 51 milhões de votos no primeiro
turno. [Ilustração: Nando Mota]
Gabriel Dantas Romano é
ativista ambiental e estudante da USP.
Leia também: Governo federal antecipa pagamentos e anuncia uma
benesse por dia para tentar virar a disputa eleitoral https://bit.ly/3yRt6ZU
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