11 julho 2025

Uma crônica de Abraham B. Sicsu

Paixão pela terra
Abraham B. Sicsu 

Uma amiga veio nos visitar. Sabendo de minha paixão pela literatura, presenteia-me com um livro. “Para viver o Pão Nosso”, de Pedro Casaldáliga, bispo tão querido, editado pela Peirópolis.

Acredito que ela não sabia, presente que vem ao encontro de minhas reflexões atuais, em que o apego dos do interior por sua gente, por sua terra, me fascina. São, claramente, razões para viver. Vejo nele uma bandeira de luta, de orgulho pelo que são e de onde vem, de sentido para assumir uma causa na vida.

Tenho dois amigos muito especiais. Um do agreste pernambucano, outra do sertão. Realizados em suas profissões, tendo conseguido se impor na cidade grande, aposentados, se dedicam ao divulgar suas terras, os seus encantos, sua história, seus personagens. Também, organizam movimentos para resolver problemas estruturais de quem vive nesses interiores, às vezes, com grandes dificuldades.

Começaram uma nova fase de vida, em que o retorno às origens faz-se necessário, em que a gratidão pelo que lhes deu bases morais e  emocionais se torna a razão principal de suas existências nessa nova fase.

Voltando à Casaldáliga. Assumiu o Araguaia como sua terra. Tendo por base a Teologia da Libertação, se identificou com o povo de São Felix do Araguaia, no Xingú. Fez sua a busca por condições dignas de vida para essas populações.

Segundo um dos prefácios de seus livros que li tinha como orientação, “nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”.  Em suas obras deixava claro seu amor pela natureza, pela convivência harmoniosa com o meio ambiente. 

Poeta, em seus escritos, belos, procurava ressaltar uma visão sociológica que se articulava com uma firme convicção ambientalista.

Terra e natureza o seu principal lema. O rio Araguaia seu caminho de paz, de contemplação, de crença num mundo em que vivência humana e felicidade podem se articular sem grandes ostentações, fora de um capitalismo doentio e competitivo. Seus versos refletem uma visão de paz com a natureza.

No prefácio do livro que ora li, de Paulo Gabriel, uma frase me marca.

“A experiência do divino: a canoa que o vento leva, frágil como um beija-flor; o passarinho morto pela crueldade humana; noite de estrelas e mistério; uma rede para balançar o mundo no sertão vestido de buritis, na solidão da aurora; e o coração cheio de nomes!”.

Isto é a obra do bispo, o ressaltar do simples, do cotidiano de sua gente, de seu rincão, que dá sentido à existência.

Faz-me lembrar Spinoza, filósofo de quem sempre tiro grandes lições. Acredito que Dom Pedro também nele se inspirava. A compreensão do conceito de deidade me é muito forte. A identificação entre Natureza e Deus parece que flui, nos que amam a terra.

Essa concepção foi muito bem descrita pelo cientista maior Albert Einstein.  Disse ele, "acredito no Deus de Spinoza, um Deus que se manifesta na harmonia de tudo o que existe, e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações dos homens".

Ver na beleza da natureza, no cotidiano e na lógica perfeita das estruturas que constituem o ambiente, o Deus que criou isto, parece ser caminho para tentar entender o mundo em que vivemos.

Acreditar num Deus “salvador”, que se preocupa principalmente com a individualidade humana é uma crença cega, que segue os ditames inventados pelos homens para enquadrar a sociedade, nada traz de divino. Apenas atende a interesses de poderosos e a subjugação humana. Faz dependentes da “salvação” os que são vítimas do infortúnio, obriga-os a serem “comportados e submissos”.

Dom Pedro, no livro que recebi e li, divide seu olhar em dois capítulos comoventes. Em que o sertanejo do centro oeste se faz presente com seus  costumes, com seus hábitos.

O autor usa bem as figuras que identificam sua população, seu povo, sua razão de luta.

Por exemplo, para um símbolo que os identifica como hábito, diz, as redes, “berço, cama e mortalha”. Na simplicidade, revela todas as fases de vida.

Na primeira parte do livro, muito bem cognominada, “Nossas vidas são os rios”, poemas que descrevem a natureza e a sociedade do espaço onde sua alma encontrou paz. Onde o ribeirinho se faz gente, onde os animais e os humanos deveriam viver em harmonia. Mas, os retirantes, os indígenas expropriados, os desejos de exploração, os oprimem. Mote fundamental para suas buscas na vida, para o que foram suas lutas.

Na segunda parte, “O coração cheio de nomes”, descreve suas lutas, seus desejos. Suas vontades, inclusive para a pós vida:

“Que me enterrem no rio,
perto de uma garça branca.
Tudo mais será meu.
Aquela correnteza franca”
Uma pessoa que esteve em paz consigo, com a convicção de ter cumprido sua missão. Ou, como ele mesmo disse,
“Ao final do caminho me dirão:
-Você viveu? Você amou?
E eu, sem nada dizer,
abrirei o coração cheio de nomes.”

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