21 julho 2025

Abraham Sicsu opina

Caminhos da educação: a volta ao analógico?
Abraham Benzaquen Sicsu  

Um amigo me alerta. Na Suécia, país que adotou o digital como modalidade de ensino, há uma volta ao analógico em certas áreas. Como assim? Isso destoa do que tem sido visto, recentemente.

Em um programa de inovação, no qual fiz parte como membro do comitê de avaliação, uma parcela significativa dos projetos apresentados era na área de digitalização do ensino. Bem formatados, bem estruturados. Só tenho dúvidas dos resultados práticos que se alcançarão.

O Governo de São Paulo, por exemplo, em fins de 2024, resolveu fornecer para os alunos do Fundamental II e do Ensino Médio apenas material didático digital. Verdade que gerou críticas e preocupações. Especialistas se manifestaram alertando para riscos na formação e na compreensão lógica dos discentes. Alegavam não haver experiências internacionais que comprovassem a eficácia de tal encaminhamento.

A posição mais usual entre os especialistas da área é acreditar que a formação das gerações futuras deve passar pela a adoção de sistemas mistos em que o digital se associe ao analógico. Vai além da necessidade de capacitar os professores para os novos processos e de ter infraestrutura adequada nas escolas para as novas propostas pedagógicas. Experiências recentes, como a da Suécia, que tentou a digitalização completa, têm voltado atrás. Outros países nórdicos parecem trilhar o mesmo caminho.

Os resultados parecem trazer problemas. A UNESCO, por exemplo, sugeriu a retirada dos celulares das salas de aula, medida que também foi adotada no Brasil.

Na Suécia, por exemplo, após a digitalização total, desde 2022 começa-se um recuo, retomando livros didáticos impressos. A falta da prática da leitura em papel mostrou uma queda de desempenho significativa e trouxe um desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes menor do que o esperado.

Vejam bem, o sistema educacional sueco é reconhecido mundialmente pela sua qualidade e foco no crescimento das habilidades do alunato. A tecnologia de informação e comunicação é disponível em todas as instituições de ensino, há uma ampla disponibilidade de recursos didáticos. Mesmo assim, voltou atrás e, em 2023, teve um orçamento de quase 50 milhões de euros para a compra e distribuição de livros  didáticos impressos.

Essa mudança de postura em 2022 vem se chocar com a defesa quase cega de alguns técnicos educacionais e governos regionais em nosso país. Esta mudança na Suécia não foi ao acaso, teve razões concretas.

As notas nos exames de avaliação do país, frente aos países da OCDE caíram significativamente. A ministra da Educação chegou a afirmar que “estamos em risco de criar uma geração de analfabetos funcionais”, baseada nas notas auferidas em exame de avanço da leitura, o PIRLS -  Estudo Internacional de Progresso da Leitura. A implantação de maneira acrítica da digitalização total levou a esse desempenho segundo as autoridades suecas. Os alunos perderam o hábito da leitura, os pais não conseguiam acompanhar a evolução dos filhos.

Notava-se, o desempenho das crianças suecas ainda era superior à média européia, sua habilidade de leitura, embora tenha caído, ainda mantinha padrões aceitáveis. No entanto, os analistas confirmavam, quase por unanimidade, que o uso exclusivo de telas nas salas de aula teve forte impacto para essa diminuição.

Pesquisas escolares e redações eram feitas sempre em tablets e de maneira acelerada dificultando o aprendizado. Pesquisas feitas com docentes mostraram que a grande maioria do alunato jamais tinha redigido um texto manualmente.

Além disso, o uso excessivo das telas, se comprova, traz um custo cognitivo significativo, também, prejudicando o sono e mesmo a comunicação em grupos.

Reintroduzir maior quantidade de livros para incentivar a leitura é estratégia importante. A crise da leitura estudantil era facilmente observável. Incentivar um maior tempo para a leitura em papel e diminuição da exposição às telas fazia-se necessário.

A UNESCO, em relatório recente, “Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, chama a atenção para os impactos negativos da introdução de tecnologias na educação sem uma reflexão crítica.

Analisando o caso peruano, por exemplo, alerta para que a distribuição de mais de um milhão de microprocessadores não trouxe vantagens significativas para a aprendizagem. 

Em pesquisa realizada com alunos brasileiros de 15 anos, mostra-se que o aprendizado apresenta fortes limitações no que tange ao desenvolvimento da criatividade como habilidade para a resolução de problemas.

Esse aspecto, que tem sido detectado nas pesquisas da área, como a PISA- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, uma avaliação internacional de estudantes de 15 anos coordenada pela OCDE, mostra que o preparo apenas digital para a vida acadêmica e para a vida fora dos muros da escola, traz fortes restrições para o desenvolvimento pessoal e profissional dos nossos jovens. Limita sua independência e capacidade de iniciativas.

Outro aspecto a resgatar na educação de base analógica é o incentivo ao trabalho em grupos. A interação social aumenta, evita-se o isolamento do relacionamento quase que exclusivo com a tela e prioriza-se uma vida mais comunitária.

Perceber as vantagens da colaboração é fundamental, compartilhar idéias e soluções aumenta a criatividade e a inserção social, o trabalho em equipe faz parte da aprendizagem para a vida.

Por fim, deve-se ressaltar que é um perigo cair no oposto do modelo de digitalização e falar simplesmente de volta ao analógico.

Não se podem negar os avanços que a área também deu. Há vantagens claras nas novas ferramentas computacionais que devem ser incorporadas. O mundo está mudando e não se podem desprezar os caminhos que têm sido observados na área computacional, inclusive facilitando a aprendizagem e o acesso à informação mais ampla e mais estruturada.

O que está sendo ressaltado, neste texto, é a importância, para o sistema educacional, de não menosprezar os avanços da digitalização, sem, contudo, deixar de lado o analógico e a cultura de aprendizagem que se mostrou eficiente em diferentes campos.

Trabalho em equipe, incentivo à leitura de livros, desenvolvimento de habilidades como criatividade, exigem um passo atrás nos obcecados pelas novas ferramentas digitais, entendendo que é necessária uma mescla de metodologias adequada para a formação do futuro cidadão.

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Programa China-América Latina projeta autonomia digital https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/chinaamerica-latina-versus-big-techs.html 

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