O PIB cresceu. E daí?
Antonio Corrêa de Lacerda, Jornal GGN
A crise
sanitária-social-econômica e política brasileira se agrava. A despeito da
“melhora” dos prognósticos apontando para o crescimento da economia brasileira,
o quadro é dramático. Apesar de os resultados da atividade no primeiro
trimestre terem apontado um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,2%,
comparativamente ao trimestre imediatamente anterior, ainda estamos longe do
caminho do desenvolvimento. Além do mais, há restrições para a dimensão,
robustez e sustentabilidade do processo. como apontaremos a seguir.
Estatisticamente, no entanto, como houve expressiva retração de
4,1% no PIB do ano passado, a retomada gradual das atividades em curso gera um
efeito “arrasto”, que praticamente garantirá um resultado positivo para 2021.
Seria tergiversar sobre o problema apontar para uma possível melhora
automática, como defende o discurso oficial e dos seus aliados. Pelo contrário,
sob este ponto de vista, 2020 é mais um “ano que não terminou!” Muitas dos
efeitos do ano passado permanecem, apesar da mudança do calendário gregoriano.
O primeiro fator-chave, determinante para uma efetiva
recuperação econômica é a Pandemia Covid-19. Não apenas as novas variantes do
vírus, o que, por si só, já representa uma questão fundamental, há o efeito do
atraso e descaminhos do planejamento, execução e realização do programa de
vacinação da população, inexistência de medidas preventivas como testagem em
grande escala, correta comunicação e orientação quanto aos protocolos
sanitários. A insuficiência dos programas compensatórios, como o auxílio
emergencial é outra questão relevante.
Mas, para além disso, há aspectos econômicos, que limitam o
processo de retomada. Às debilidades estruturais brasileiras, como a extrema
desigualdade, baixa renda e insuficiência de moradia e saneamento básico para
parcela expressiva da população, se somam outros aspectos conjunturais. O
enfraquecimento do mercado de trabalho é evidenciado pelo número de pessoas
subutilizadas que atingiu o recorde de 33,2 milhões de pessoas. O dado
contempla a soma dos desocupados. 14,8 milhões, desalentados, 6 milhões e subocupados,
12,4 milhões, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao trimestre acumulado
até fevereiro último.
Destaque-se que, mesmo aqueles que permanecem ocupados. têm tido
o seu poder de compra corroído pela elevação da carestia, com maior impacto nos
estratos de menor rendimento. A inflação tem sido maior em itens básicos, de
grande peso na cesta de consumo, como alimentação, combustíveis, gás de
cozinha, energia e outras tarifas.. A melhora do desempenho de crescimento de
grandes países tem impulsionado a demanda e, consequentemente, os preços das commodities.
Isso tem duplo e contraditório impacto no do Brasil, favorecido por ser
importante exportador de minério de ferro, soja e outros grãos, carnes e
petróleo bruto, mas afetado negativamente nos preços domésticos, também diante
de inexistência de políticas para amenizar a “importação” dessa inflação.
Especialmente nas
grandes cidades, mas não apenas, a degradação é evidente. Há um claro aumento
da população em situação de rua, assim como o fechamento de lojas, prestadores
de serviços, bares e restaurantes e muitas outras atividades que não estão conseguindo
fazer frente ao desafio da longa retração provocada pelas restrições da
pandemia e pela crise econômica.
Adicionalmente, o crédito, importante item para o financiamento
dos consumidores e das empresas, especialmente as de menor porte, continua caro
e restritivo, apesar do nível historicamente baixo, para padrões brasileiros,
da taxa básica de juros (Selic).
Todos os fatores apontados representam limitações para a
expansão do consumo, que é decisivo para a retomada econômica e para estimular
os investimentos. O elevado nível de ociosidade, presente em vários setores.
como segmentos da indústria e serviços desestimula novas inversões.A crise
hídrica e seus impactos para o desempenho do setor agrícola e para a geração
energética é outra variável fundamental para monitorar o comportamento futuro
da economia.
O atendimento da população vulnerável é fundamental no
enfrentamento dos efeitos da Pandemia. No ano que passou o pagamento do Auxílio
Emergencial foi determinante para amenizar a situação. É crucial retomá-lo,
pelo menos nos mesmos termos, apesar das dificuldades de ordem orçamentária. O
agravamento da crise tornou-o absolutamente imprescindível para apoiar as
pessoas que estão impedidas de exercer sua atividade e é preciso oferecer-lhes
outras formas de sustento
Para além da medida de amparo social, tendo em vista o
aprofundamento e extensão da crise, outras medidas se tornam cruciais para o
seu enfrentamento. Note que muitos países têm adotado programas de fomento às
atividades e à infraestrutura como forma de estimular a retomada da demanda
efetiva, portanto, da renda, do emprego e da arrecadação tributária.
Trata-se, por exemplo
do caso dos EUA. Depois de ter aprovado um pacote social da ordem de US$ 1,9
trilhão, foi anunciado, mais recentemente, pelo presidente Biden o “Plano de
Emprego Americano”. O programa prevê investimentos em infraestrutura de US$
2,25 trilhões, contemplando a economia verde, em áreas como residencial,
transportes e mobilidade urbana em geral, dentre outras.
A Europa, também anunciou plano de incentivo à economia no valor
de 750 bilhões de Euros, acompanhada de uma proposta de orçamento de longo
prazo para o período 2021-2027, que abrange a oferta de crédito a custos
competitivos para empresas e pessoas físicas. A China tem longa tradição de
adoção de medias anticíclicas mediante perspectiva de diminuição da demanda
efetiva.
Essa ação de coordenação de políticas e medidas adotadas
por vários países denotam o esforço concentrado de tanto combater a crise
decorrente da Pandemia, como também empreender uma clara estratégia de
desenvolvimento. Eles estão corretamente conduzindo um diagnóstico de
debilidades e lacunas nos vários campos social e de infraestrutura. para
fomentar e induzir o crescimento em bases sustentáveis, envolvendo dentre
outras questões, a energia renovável. Subsidiaria e complementarmente também se
denota o foco na ampliação da competitividade sistêmica, a melhora do
“ambiente” de negócios.
Outro traço comum das ações em curso é a combinação da
coordenação e atuação do Estado com o setor privado. Seria um equívoco atribuir
essa responsabilidade somente a um deles. Ambos exercem papel relevante para
superar a crise. Mas a iniciativa deve ser necessariamente do Estado, uma vez
que os investimentos públicos são determinantes no processo.
O primeiro é o seu efeito multiplicador. Na medida em que se
realiza desembolsos estatais em infraestrutura ou ações sociais, são geradas
outras atividades decorrentes. O segundo efeito é o “demonstração”. A ação do
Estado induz o setor privado a também fazê-lo, pois, além de iniciar o ciclo
virtuoso, dá clara sinalização de crescimento futuro da demanda, o que estimula
os projetos- um efeito positivo retroalimentado.
Uma questão sempre
presente é quanto às limitações fiscais, agravadas com a crise. Mas, vale
lembrar, o impulsionamento das atividades tem um efeito positivo sobre a
arrecadação de impostos, o que, no médio prazo, tende a compensar a ampliação
dos desembolsos realizados. De imediato, a maioria dos países tem ampliado seu déficit
e o endividamento público. No âmbito do G-20, por exemplo, o indicador da
relação dívida/PIB retomou o nível máximo atingido em 1946, logo após à Segunda
Grande Guerra. Há ainda medidas de reforma tributária visando dotar os estados
nacionais de mais recursos.
No caso brasileiro, além das medidas já citadas, urge criar
alternativas para romper amarras orçamentárias, algumas autoimpostas, como a
“Lei do Teto de Gastos” (EC95). Além disso há que se rever os incentivos e
subsídios fiscais que não geram retorno social. As restrições do orçamento,
embora inegáveis, não podem, no entanto, servir de argumento para a inação do
Estado. Além da situação política e socialmente insustentável, haveria o
impacto econômico decorrente, levando, inexoravelmente, a um agravamento ainda
maior da crise, com efeitos diretos sobre a queda da atividade e,
consequentemente, da arrecadação tributária. É o caso típico do “tiro que sai
pela culatra”. Ao contrário do que poderia sugerir o “senso comum”, restringir
gastos sociais compromete o equilíbrio intertemporal das contas públicas!
Antonio Corrêa de Lacerda – presidente
do Conselho Federal de Economia (Cofecon), professor-doutor do Programa de
Estudos Pós-graduados em Economia Política e diretor da FEA-PUC-SP
. Veja: Em
ambiente de instabilidade tudo é possível https://bit.ly/3uEnGxa
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