31 julho 2021

Origem de tudo?

A MÁQUINA PRIMORDIAL

Cristina França*

 

Não sei se o debate se põe nesta perspectiva. Sei, porém, que se faz urgente e pelo princípio. Precisamos separar a vagina do útero (a máquina primordial). O direito ao aborto é intocável. Acesso a anticoncepcionais como séria política pública é fundamental. Toda forma de amor vale amar. E cada útero se constitui uma possibilidade de mudança de rota, não apenas pessoal, mas da raça como um todo.

Já acreditamos, em eras matriarcais, que a gestação nada tinha a ver com o macho. Que forças da natureza engravidavam as fêmeas e a vida se reproduzia de modo soberano na barriga do mundo. A contribuição do espermatozoide ao ser intuída trouxe as nefastas consequências que conhecemos. E desde então a vagina foi subordinada ao útero na perspectiva da esposa e do capital. Quando vejo vidinhas nas calçadas fadadas a serem um problema social, sempre penso se ao menos foram consequências de um orgasmo vaginal múltiplo. 

Cada vez que leio um texto sobre desenvolvimento sustentável penso no útero insustentável. Cada vez que leio um texto sobre criação de riqueza penso no útero pobre. Cada vez que leio um texto sobre inclusão e diversidade penso no útero excluído e personalizado, abandonado antes, durante e depois de produzir a força de trabalho (foco nela, visto que o capital já nasce incluído). Cada útero cria um problema sob qualquer perspectiva.

Imagino um futuro com úteros externos. Máquinas reprodutoras de mão de obra em grandes galpões climatizados comandadas pelo capital. Imagino se chegaremos lá uterinamente empoderadas – mais que o amor pelo produto que mama, a posse incontestável da máquina primordial.  Em um dos percursos formativos do PC do B levantei a questão do útero deste ponto de vista e até fêmeas tiraram onda.

O que entendo dizer é: teorizamos e experimentamos a luta capital/trabalho sem nos debruçarmos realmente sobre de onde vêm os capitalistas, socialistas, comunistas, liberais, conservadores, milionários, miseráveis. E, para completar e atualizar a lista, de onde vêm também ambientalistas e negacionistas do clima. A abordagem feita é empírica. O que posso dizer é que discutir a alienação do útero é um propósito meu. Parafraseando Marx, que ele seja vetor de satisfação de uma necessidade e não um meio para satisfazer necessidades externas às fêmeas.

[Ilustração: "Útero", Victor Galdino]

*Cristina França é jornalista

Veja:  Nas redes sociais, você quer ser cão ou gato? https://bit.ly/3adg1y6

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