O
que acontecerá no Brasil quando a variante delta se espalhar pelo país inteiro?
Olhando para os índices de EUA e
Reino Unido, não é difícil concluir a chegada de uma nova onda entre nós
Drauzio Varella,
Folha de S. Paulo
Assisti
incrédulo ao final da Eurocopa, em Londres. Aquele bando de homens suados,
pulando, gritando e se abraçando não podia acabar bem.
Com
base na redução do número de casos, de hospitalizações e de mortes no Reino
Unido, o governo planejara para 21 de junho o “freedom day”, quando todas as medidas
restritivas seriam suspensas. Como faltou combinar com o
coronavírus, a chegada da
variante delta fez crescer o número de doentes e adiou para 21
de julho a data tão aguardada.
Não
houve consenso entre os países membros. A Inglaterra aboliu o uso de máscaras e
liberou as aglomerações; Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, não.
Entre
os especialistas, as reações contrárias foram veementes. Peter English,
ex-presidente da British Medical Association, afirmou: “Não há absolutamente
nenhuma justificativa para relaxar as restrições agora”. Mais de cem cientistas
britânicos e de outros países encaminharam uma carta para a revista médica The
Lancet, na qual acusaram o governo de “embarcar num experimento perigoso e
antiético”.
Mike
Ryan, diretor do Programa de Emergências da Organização Mundial da Saúde, em
Genebra, advertiu que “a pressa para reabrir as economias, que aceita as novas
infecções como inevitáveis e as encoraja a ocorrer mais cedo, é reflexo de
vazio moral e estupidez epidemiológica”.
Deu
no que deu. O aumento do
número de casos no Reino Unido acontece apesar de cerca de 68%
dos britânicos já terem recebido a primeira dose, e 52%, a segunda, números bem
mais favoráveis do que os nossos.
Fenômeno semelhante aconteceu na Holanda, que levantou a
obrigatoriedade do uso de máscara e promoveu reabertura total do comércio em 26
de junho. Duas semanas mais tarde, o recrudescimento da epidemia obrigou as
autoridades a voltar atrás.
Em plenas
Olimpíadas, Tóquio assiste ao aumento do número de casos.
Nos Estados Unidos a variante delta tem provocado disseminação rápida do vírus.
Responsável por 83% dos casos atuais, ela é pelo menos duas vezes mais
transmissível do que a cepa anterior. E, pior, dá origem a cargas virais nas
vias aéreas mil vezes mais altas.
Aproximadamente
50% dos americanos já receberam a segunda dose, nível que não é atingido em
cerca de dois terços dos municípios. As desigualdades dos índices de vacinação
nas diversas regiões transformaram o mapa do país numa colcha de retalhos.
Os cinco
estados com menores índices de imunização —Alabama (34%), Arkansas (35%),
Louisiana (36%), Mississippi (34%) e Wyoming (36%)— estão vivendo nova onda da
Covid.
Nesses
estados, 80% dos que têm 65 anos ou mais já receberam pelo menos a primeira
dose, mas na faixa etária dos 18 aos 65 anos os índices são bem menores. Entre
os adolescentes, taxas de vacinação que variam de 15% a 25% deixam esse grupo
vulnerável à transmissão da variante mais contagiosa.
Os dados
mostram que os Centers for Disease Control, ou CDC, erraram ao suspender a obrigatoriedade das máscaras e
cancelar a proibição de aglomerações em bares e restaurantes no país inteiro.
De nada adiantou a oposição dos infectologistas e epidemiologistas das
universidades mais importantes do país.
Como
consequência, dois dias atrás, os CDC reconheceram o equívoco e recomendaram que,
nas cidades em que o número de casos aumenta, todos devem usar máscara e evitar
aglomerações em ambientes fechados.
O que
acontecerá no Brasil quando a variante delta se espalhar pelo país inteiro?
Até
agora só conseguimos administrar a primeira dose para
45% da população. Apenas 18% receberam a segunda dose, necessária para completar a imunização.
Adolescentes e crianças ainda não vacinadas formam um reservatório suscetível
de pelo menos 50 milhões de indivíduos.
Quando
olhamos para os índices de imunização nos Estados Unidos e no Reino Unido, não
é difícil concluir que a chegada de uma nova onda entre nós não será surpresa.
Se pensarmos
que o Brasil é governado por um presidente sempre empenhado em dar exemplos de
como se faz para disseminar a epidemia, um Ministério da Saúde em que técnicos
competentes foram substituídos por militares despreparados e subservientes,
vacinas em quantidades insuficientes e um Programa Nacional de Imunizações que
foi desmontado, concluiremos que estamos a caminho de ultrapassar os americanos
para nos tornarmos o país com mais mortes no mundo.
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