Estudo não comprova
eficácia da ivermectina contra Covid
São enganosos posts que dizem que,
segundo pesquisa, droga é capaz de reduzir mortes em até 56%
Folha de S. Paulo
São
enganosas publicações nas redes sociais que afirmam que uma metanálise mostrou
que a ivermectina pode
reduzir em até 56% as mortes por Covid-19. Apesar
do estudo em questão realmente apontar para este número, existem diversos
problemas nas pesquisas que impedem que o resultado seja considerado
conclusivo.
O
levantamento em questão, verificado pelo Projeto
Comprova, é uma metanálise. Nesse tipo de pesquisa, estudos sobre um
mesmo assunto são agrupados e, então, os resultados são comparados.
Os
próprios pesquisadores advertem que cada um dos estudos analisados tinha um
número muito pequeno de participantes, com populações distintas e que não houve
diferenças significativas na sobrevivência em pacientes graves.
Além
disso, a maior parte dos estudos utilizados na análise não foi revisada por
pares, o que é necessário para validar uma pesquisa
científica. Dos 24 estudos, somente oito haviam sido revisados.
A
reportagem procurou os autores dos posts no Twitter e no Instagram. Somente o
empresário Paulo Figueiredo Filho nos respondeu com o link para a pesquisa.
COMO VERIFICAMOS?
O
Comprova pesquisou sobre o estudo citado nas postagens. Em seguida, consultou a
infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal Joana Darc Gonçalves
e o infectologista do Hospital Sírio-Libanês Alexandre Cunha.
Para
a verificação, também foram consultadas outras pesquisas sobre o uso da
ivermectina no tratamento da Covid e agências reguladoras que falam sobre o
medicamento.
Por fim, entramos em contato com o autor do post no Twitter
e com os autores da postagem no Instagram.
VERIFICAÇÃO
Problemas
A metanálise de ensaios clínicos randomizados de ivermectina
para tratar a infecção por Sars-CoV-2 (Meta-analysis of randomized trials of
ivermectin to treat Sars-CoV-2 infection), publicada no Open Forum Infectious
Diseases em julho, é uma análise de 24 estudos sobre o uso da ivermectina para
tratamento da Covid-19. Dessas pesquisas, 11 mostraram um resultado positivo
para o uso do remédio contra a doença, com a redução de 56% da mortalidade.
No entanto, a pesquisa apresenta vários problemas. A maior
parte dos estudos analisados não foi revisada por pares, fator determinante
para a validação de uma pesquisa. Dos 24 estudos incluídos, oito eram artigos
publicados, nove eram pré-prints
(ainda não tinham sido revisados), seis eram resultados que sequer
tinham sido publicados e um era uma publicação independente.
Além disso, uma das limitações apontada pelos próprios
autores é que a quantidade de pacientes avaliada é muito pequena para se chegar
a uma conclusão. Os 24 estudos só somam 3.328 pacientes.
A infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
Joana Darc Gonçalves ainda aponta vários problemas nos estudos analisados na
metanálise. Segundo ela, os resultados não mostram quais pacientes usaram
corticoides e quais não, só dois estudos demonstraram redução de sintomas e
nenhuma das análises demonstrou redução na hospitalização. Ademais, foram
misturados pacientes ambulatoriais e hospitalizados, o que pode ter interferido
nos resultados.
Por isso, ela ressalta que este estudo não pode ser
considerado conclusivo. “Permanece a necessidade complementar de ensaios
clínicos randomizados que testem o tratamento precoce, para delinear os
benefícios clínicos, resolução dos sintomas e redução de hospitalização”,
indica ela.
De acordo com o infectologista do Hospital Sírio-Libanês
Alexandre Cunha, por ser uma metanálise, ou seja, a junção de vários estudos, a
qualidade da pesquisa fica prejudicada. “Quando você faz um apanhado de vários
estudos, vários ou alguns deles têm má qualidade e isso acaba atrapalhando o
resultado. Em toda metanálise, o mais importante não é o número de estudos, mas
a qualidade dos dados. As metanálises bem feitas sobre ivermectina, com estudos
bem controlados, não mostraram bons resultados”, enfatiza.
Além disso, ele lamenta que esse tipo de análise seja
publicada. “Outro problema é que se misturam estudos muito diferentes. O
problema de metanálises que pegam estudos ruins é que acaba amplificando um
resultado que não é verdadeiro”, explica.
A infectologista Joana Darc Gonçalves também ressalta que o
mais importante é focar na vacinação para evitar que as pessoas fiquem doentes.
“Com certeza é importantíssimo avaliarmos os resultados das metanálises, mas
acredito que já temos a solução para o problema. Precisamos buscar os meios
para vacinarmos nossa população. Vacinar continua sendo a melhor solução”,
destaca.
Sem comprovação
Desde março de 2020, quando um estudo mostrou resultados
animadores do antiparasitário contra a Covid-19 in vitro, várias outras
pesquisas com o remédio foram realizadas ao redor do mundo. Nenhuma mostrou
resultados conclusivos para a eficácia do medicamento no tratamento da doença.
Um estudo publicado em junho deste ano na revista científica
EClinical Medicine, publicação que faz parte da The Lancet, mostrou que não
houve diferença na redução da carga viral entre os grupos que utilizaram a
ivermectina e os que não.
Outra metanálise publicada na Clinical Infectious Diseases,
da Oxford University Press, em junho, concluiu, com base em outros estudos, que
a ivermectina não funciona para o tratamento da Covid-19. “Em comparação com
tratamento padrão ou placebo, a ivermectina não reduziu todas as causas de
mortalidade, tempo de internação ou depuração viral em estudos controlados por
placebo em pacientes com Covid-19, principalmente com doença leve. Ivermectina
não é uma opção viável para tratar pacientes com Covid-19”, concluíram os
pesquisadores.
Em março, um estudo publicado na revista científica Jama
Network concluiu que o “uso da ivermectina não melhorou significativamente o
tempo de resolução dos sintomas. Os resultados não apoiam o uso de ivermectina
para o tratamento de Covid-19 leve”.
A OMS (Organização
Mundial da Saúde) só recomenda o uso da ivermectina para
ensaios clínicos. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou
nota em julho de 2020 e atualizada em abril deste ano em que diz não existirem
estudos conclusivos que comprovem a eficácia da ivermectina no tratamento da
Covid-19.
A FDA (agência de alimentos e medicamentos dos Estados
Unidos) também desaconselha o uso do medicamento para tratamento da Covid.
Assim como a EMA (Agência de Medicamentos Europeia), que concluiu que os
estudos disponíveis só suportam o uso do remédio em ensaios clínicos.
O laboratório Merck, fabricante do remédio nos Estados
Unidos, disse em fevereiro de 2021 que analisou os estudos disponíveis sobre o
remédio e que, até o momento, não há base científica que aponte um efeito
terapêutico do uso da ivermectina contra a Covid.
POR
QUE INVESTIGAMOS?
Em sua quarta fase,
o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais
sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.
O post viral foi publicado pelo empresário Paulo Figueiredo
Filho em seu Twitter no dia 6 de julho. Até o dia 12 de julho, o boato teve
alcance de mais de 18 mil curtidas e 5 mil compartilhamentos, além de circular
em páginas no Instagram de simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro (sem
partido), como no @direita.piauiense, onde a publicação teve 1.161 curtidas e
no @politizados, que teve 2.760 curtidas.
A checagem de fatos envolvendo informações sobre supostos
tratamentos para a Covid-19 é necessária, pois falsas esperanças podem levar as
pessoas a colocarem sua saúde em risco. O antiparasitário ivermectina tem sido
alvo de desinformação desde o início da pandemia e o uso indiscriminado do
medicamento pode causar hepatite medicamentosa.
Esse mesmo estudo foi verificado pelo UOL Verifica depois de
citado por Bolsonaro em sua live semanal no Facebook na última quinta-feira
(8).
Postagens sobre a ivermectina já foram verificadas pelo
Comprova, mostrando ser enganoso que a Universidade de
Oxford encontrou ‘fortes indícios’ da eficácia da ivermectina contra a Covid e
outra que ivermectina
em altas doses pode causar até convulsão.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados
imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor;
ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
O
Comprova fez esta verificação baseado em informações disponíveis no dia 14 de
julho de 2021.
A
investigação desse conteúdo foi feita por Correio Braziliense e
Estadão e publicada na quarta-feira (14) pelo Projeto Comprova, coalizão
que reúne 33 veículos na checagem de conteúdos
sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha,
Correio de Carajás, A Gazeta e Correio.
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