Mas quem é o terrorista?
“Se existe uma voz de comando para matar, para atirar na cabeça de seres que se movem, essa ordem não será contra cães….”
Urariano Mota*/Vermelho
No novo documentário do Channel 4 britânico “Shoot to Kill”, sobre o assassinato de Jean Charles de Menezes em Londres, um policial chamado de “C12” declara que “por causa das ações dele [Jean Charles], e das informações que nós recebemos, eu só tive como concluir que precisava agir ou nós íamos morrer”. Onze tiros na vítima para tirar a dúvida! Pelas costas. Dos onze, sete tiros somente na cabeça.
Depois da destruição de Jean Charles de Menezes em 22 de julho de 2005, para justificar o crime, a polícia britânica afirmou que Jean Charles havia desobedecido às ordens dos agentes e que tinha atitudes e vestimentas suspeitas. Testemunhas afirmaram ao público que ele havia pulado a catraca do metrô e corrido para o trem.
Todas essas acusações foram desmentidas. Jean Charles estava com apenas uma jaqueta jeans, não carregava mochila, e passou pela matraca normalmente… Na verdade, foi o agente C12 que pulou a catraca para seguir o brasileiro, e os atos foram confundidos por uma testemunha.
Pouco depois da revoltante morte de Jean Charles de Menezes, publiquei o texto “To Die by Mistake” no CounterPunch. Ali, escrevi que:
“Se existe uma voz de comando para matar, para atirar na cabeça de seres que se movem, essa ordem não será contra cães. É para algo muito baixo e nocivo, menos, muito menos que dogs, embora ande (simule andar), fale (simule a fala), pense (simule o pensar) e sorri (simule o sorrir). Um algo que o terror chama de terrorista”.
Agora esse novo documentário “Shoot to Kill” nos leva a perguntar: Quem é mesmo o terrorista? Em todos os governos de direita, o terrorista é aquele que deve ser destruído, eliminado por razões de Estado. Assim têm sido os crimes de guerra do Estado Israel contra palestinos, e nada importa que os terroristas sejam mulheres, crianças, pacientes em hospitais. O imperialismo do governo dos Estados Unidos, na guerra do Vietnã, assim se referia aos heroicos patriotas vietcongs:
“Assassinatos, sequestros, torturas e intimidações eram parte da rotina das operações do Viet Cong (VC) e do Exército Popular do Vietnã (PAVN) durante a Guerra do Vietnã”. Ora, acusavam os inimigos do que os soldados do império faziam contra populações civis.
Assim foi na Guerra da Argélia, quando argelinos se levantaram contra o terror da dominação dos colonialistas franceses. A Frente de Libertação Nacional (FLN) era chamada de organização terrorista pelo Estado francês. O filme A Batalha de Argel, no Pentágono, chegou a ser visto por quarenta oficiais, que foram estimulados a avaliar e a debater os assuntos centrais do filme, como as vantagens e os custos de se recorrer à tortura e execuções para desvendar os planos do inimigo, os “terroristas”.
Assim foi na ditadura brasileira, quando o Estado terrorista assassinou mulheres, jovens, patriotas na guerra contra a subversão. Meu recente romance “A mais longa duração da juventude” fala disso:
“O que a repressão chamava de terrorista, quando punha em cartaz as fotos de militantes que só desejavam abraçar loucos o mundo. A repressão sempre foi simplificadora na sua difamação. Na sua mentira de propaganda, que espalhava o terror do Estado brasileiro, os terroristas eram os jovens como Luiz do Carmo, que me perguntava, surpreso diante do absurdo material em que eu vivia:
– Como vais escutar Ella Fitzgerald sem vitrola?
Talvez nem chegássemos ao fim daquele 1970, porque as quedas de militantes eram crescentes, e a repressão feroz caçava jovens, humanistas, poetas, trabalhadores, porque todos éramos terroristas”.
Quando li o relato de uma testemunha do assassinato de Jean Charles, que compreendeu os olhos do homem imobilizado no chão, depois, pelas fotos…
“Se você olhar as fotos, os olhos dele pareciam ser pequenos, mas, quando vi o rosto dele por apenas um segundo, porque foi tudo muito rápido, os olhos dele estavam bem, bem abertos. Ele parecia muito, muito assustado”.
Quando viu esse relato, meu estômago sentiu um soco. Os olhinhos pequenos que se abriam espantados, com uma pistola apontada contra a sua cabeça, eram os meus, os nossos, dos nossos filhos, irmãos.
Os terroristas são aqueles que o Estado indica que são. Como Jean Charles de Menezes, agora lembrado no documentário “Shoot to Kill”,
Esperamos que o documentário eja uma denúncia sobre quem o Estado chama de terrorista. Jean Charles de Menezes ou qualquer um de nós, escritores, patriotas, socialistas, imigrantes, cidadãos.
*Publicado em inglês no People’s World: https://www.peoplesworld.org/article/new-british-documentary-shoot-to-kill-asks-but-who-is-the-terrorist/
*Jornalista, escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário