Por que o capitalismo vive de
bolhas?
Cláudio Carraly*
Você já
ouviu falar da febre das tulipas? Em pleno século XVII, na Holanda, o preço de
certos bulbos de tulipa chegou a valer mais do que uma casa, sim, uma futura
flor valia mais do que um imóvel. Isso durou pouco, um dia, os compradores
sumiram, os preços despencaram e muita gente perdeu tudo.
Esse
episódio, conhecido como a primeira bolha especulativa documentada, ajuda a
entender uma lógica que se repetiria inúmeras vezes ao longo dos séculos. Da
tulipomania às criptomoedas, passando por bolhas como a da internet nos anos
2000 ou a do mercado imobiliário em 2008, o que se vê é um padrão: a economia
entra em euforia, os preços disparam, o medo desaparece, até que tudo desaba.
Mas por que isso acontece com tanta frequência? Seria só ganância? Falta de
regulação? Ou será que, no fundo, o capitalismo precisa dessas bolhas para
continuar existindo? Vamos entender melhor:
1.
Tulipas, luxo e ruína (1630–1637)
Na
Holanda do século XVII, tulipas exóticas, especialmente as com padrões raros e
cores incomuns, eram tão valorizadas que passaram a ser negociadas como ações.
As pessoas não compravam para plantar, mas para revender a um preço maior, um
mercado de contratos foi criado, permitindo a compra e venda futura de bulbos
que ainda nem existiam.
Os preços
subiam porque todo mundo acreditava que alguém pagaria mais depois. Mas, quando
o primeiro grupo decidiu não comprar, o sistema colapsou. Confiança virou
pânico e o pânico virou uma quebradeira econômica generalizada. Esse episódio
deixou claro um mecanismo que se repetiria, valores subindo sem conexão com a
utilidade real ou valor intrínseco, ou seja, sem um motivo lastreado no mundo
real para estar se elevando, hoje chamamos isso de bolhas.
2. A
bolha do Mar do Sul (1720)
Na
Inglaterra, a South Sea Company foi criada com o privilégio de
explorar o comércio com a América do Sul, o que atraiu os investidores não
foram os lucros reais, mas as expectativas vendidas pela elite política e
econômica da época, que incluía parlamentares e o próprio rei. A promessa da
empresa era de que a nova fronteira do comércio global estava em terras
sul-americanas.
Assim, as
ações da empresa dispararam, alimentadas por uma crescente propaganda, sem
lastro em fatos, apenas em especulação e corrupção. Quando os lucros não
apareceram, o mercado entrou em pânico, a elite inglesa perdeu fortunas, o
Parlamento interveio e a confiança no sistema financeiro foi abalada. Mais uma
vez, promessas infladas, fundamentos frágeis e um colapso previsível.
3. A
bolha da internet ou empresas .com (1995–2000)
Nos anos
1990, empresas de tecnologia começaram a atrair investidores com ideias
revolucionárias. Sites sem lucro, sem produto e às vezes sem funcionários
receberam bilhões. A lógica era: “invista agora e venda depois com muito
lucro”.
A imprensa
e os mercados celebravam cada nova startup como a próxima revolução digital.
Muitos investidores nem sabiam o que as empresas faziam, quando a realidade
bateu à porta, centenas de empresas quebraram, milhões de pessoas perderam
dinheiro, e o índice Nasdaq despencou. A bolha da “nova economia” estourou,
mostrando o risco de confiar mais na expectativa do que no valor real do
produto ou serviço.
4. A
bolha imobiliária dos EUA – Crise do Subprime (2001–2008)
Nos anos
2000, o crédito imobiliário foi facilitado ao extremo. Nos Estados Unidos,
qualquer pessoa conseguia comprar uma casa com prestações aparentemente
acessíveis, bancos repassavam esses empréstimos para fundos, que criaram papéis
financeiros (os famosos subprimes), vendidos no mundo inteiro.
Logicamente,
havia um problema, muitos dos compradores não tinham condições reais de pagar
os empréstimos tomados. Mas isso era ignorado, enquanto os preços subiam, o
sistema parecia lucrativo e se retroalimentava. Quando os calotes começaram, o
castelo de cartas ruiu como um verdadeiro esquema de pirâmide. O pânico se
espalhou e grandes bancos quebraram.
O impacto
não atingiu apenas os EUA, foi global, já que os papéis eram negociados em todo
o mundo e as empresas e bancos atingidos operavam em muitos países, o que veio
a seguir, foi, muito desemprego, despejos e recessão. A solução do mercado?
Correr atrás do governo para resgates bilionários dos bancos. O lucro era todo
deles, mas a dívida ficou para a população pagar.
5.
Criptomoedas, NFTs e os ativos digitais (2017–2022)
Mais
recentemente, vimos um frenesi em torno de bitcoins, altcoins e NFTs.
Milhões acreditaram que essas tecnologias substituiriam o dinheiro tradicional
e revolucionariam a economia. De fato, há inovações reais, mas também houve
exagero, marketing agressivo e muita especulação.
Pessoas
compravam imagens digitais de “macacos estilosos”, sim, pagavam fortunas por
uma imagem intangível qualquer que se supunha valer algo, ou criptomoedas
criadas em garagens, esperando lucros rápidos. Quando a confiança caiu, os
preços despencaram. Empresas quebraram, carteiras digitais sumiram e os bilhões
evaporaram, também em uma velocidade digital. Essa era a mais nova bolha, mas
agora em tempo real, promovida por um novo operador do capital, os influenciadores.
6. O
papel da regulação e o capitalismo financeiro
Uma das
grandes questões negligenciadas em muitas discussões sobre bolhas é a falta de
regulamentação eficaz, se o mercado é deixado sem controles rígidos,
especuladores podem manipular valores e inflar ativos sem nenhum lastro real.
Porém, o capitalismo precisa disso, aliás, se alimenta desse mecanismo, assim o
sistema financeiro permite e até incentiva esse comportamento. Os governos
muitas vezes falham na regulação porque enfrentam dois grandes obstáculos:
1.
Pressão de grandes investidores e corporações, que lucram com as bolhas e
influenciam as decisões políticas.
2. O medo
de desacelerar a economia, já que impor limites pode frear investimentos e
retirar liquidez do mercado, refreando picos econômicos, mesmo que esses sejam
evidentes farsas.
· Alternativas poderiam incluir:
-
Tributação sobre transações especulativas, para reduzir incentivos ao
investimento de curto prazo sem fundamento sólido.
- Maior
transparência e fiscalização, exigindo que empresas e mercados publiquem
informações realistas sobre riscos e projeções.
-
Educação financeira, para evitar que investidores leigos caiam em esquemas
altamente voláteis sem compreender os perigos.
Então
voltamos à questão principal, o capitalismo precisa das bolhas? Tranquilamente
podemos afirmar que sim, e que não só surfa nessas ondas como ajuda a
produzi-las e mantê-las o maior tempo possível vivas. O capitalismo financeiro,
precisa constantemente reinventar mercados e “produtos” onde o capital possa se
multiplicar rapidamente. Esses ativos muitas vezes crescem em valor não por
serem úteis, mas porque existe a expectativa de que alguém pague mais depois.
A
economia produtiva é complexa e por vezes desacelera, fato normal no comércio
mundial. Porém, para o capital financeiro, não são aceitáveis esses momentos de
refração, então ele migra para ativos intangíveis ou promessas futuras de
lucro, e joga em bilhões de pessoas mundo afora a ilusão de riqueza fácil e
lucro imediato, assim como em um cassino, e como em todo jogo de azar, no
final, só quem ganha é a banca.
As bolhas
são, assim, válvulas de escape que mantêm o sistema aquecido, elas movimentam
trilhões de dólares, criam ilusões temporárias de crescimento e permitem que os
grandes acumuladores lucrem enquanto o otimismo ou miopia durem, antes de
transferirem o prejuízo para o conjunto da sociedade, levando milhares à
bancarrota.
A cada
novo “produto milagroso” vendido como revolução, seja uma flor, um token,
uma nova hipoteca da casa ou uma startup, surge uma nova onda de
euforia. Isso é incentivado por plataformas digitais, influenciadores
financeiros, mídia tradicional cada dia mais financista, além de uma cultura
que transforma a especulação em virtude. Enquanto o lucro rápido for o motor da
economia, e a valorização artificial for mais premiada que o trabalho
produtivo, as bolhas continuarão surgindo, mais bilionários enriquecerão e
maior será o abismo social do planeta. No fim, o problema não são só as bolhas
— é um sistema que só existe para soprá-las.
Cláudio
Carraly - Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
[Iustração: imagem produzida em IA]
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