15 novembro 2006

Bom dia, Marcelo Mário de Melo


Apresentação da gorda fome

A fome sorri com dentes de ouro.
A fome se veste com roupas de seda.
A fome possui brilhantes nos dedos.

A fome já fez reengenharia.
A fome possui qualidade total.
A fome já vive a globalização.

A fome alimenta trezentas tribunas.
A fome fomenta seiscentos projetos.
A fome tem manhas e ri das campanhas.

A fome dá lucros & faz Companhias.
A fome é porteira de currais e votos.
A fome e parteira de cortiço e culto.

A fome é letrada: tem biblioteca.
A fome é avançada: não tem preconceitos.
A fome não tem pudor nem remorso.

A fome possui sede de vampiro.
A fome é gulosa e mastiga ossos.
A fome devora esperança e carne.

A fome é antiga e é pós-moderna.
A fome não tem ferida na perna.
A fome é robusta e diz que é eterna.

A fome apresenta um projeto histórico coerente e conseqüente.
A fome não se aproxima da classe dominante.
A fome é rigorosamente classista e se apóia na aliança operário-camponesa.
A fome é democrática e popular e inclui os excluídos.
A fome fez opção preferencial pelos pobres.
A fome faz trabalho de base na periferia.
A fome não tem nenhuma simpatia pela classe média, sempre apertando o cinto e nunca morrendo de fome.
A fome detesta nutricionistas e necrófilos.
A fome é contrária às vendas a crédito de produtos alimentícios.
A fome possui intelectuais orgânicos e agônicos pára-quedistas e surfistas.
A fome compromete sua agenda com penitenciárias e prostíbulos.
A fome adora crianças e mendigos.
A fome se alimenta mais de três vezes por dia com sucos sobremesas e muitos lanches.
A fome é gorda.
O faminto é magro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande, belo poema, uma dor...