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01 novembro 2025
Postei nas redes
Uma crônica de Antônio Maria
A
noite é uma lembrança
Antônio
Maria
BOA VIAGEM, FEVEREIRO. É de
principiante isto de o cronista escrever que está numa janela de hotel, vendo a
noite e fumando um cigarro. Mesmo havendo mar e sendo Boa Viagem um encontro
muito desejado, não gosto da sem-cerimônia com que me faço personagem de mais
uma crônica, como se eu, a noite e o cigarro ainda fôssemos novidade.
Entretanto, alguns acontecimentos
espirituais do homem podem ser contados e explicados, desde que esse homem seja
capaz de transmitir a alguém a beleza de sua solidão. Que ninguém se queixe de
falta de ocorrências para escrever melhor. E sim de incapacidade para gritar o
seu grande mundo interior.
Eu vim à janela porque conheci
uma moça e estou preocupado em como a venho pensando, há um enorme tempo. O
cabelo, os olhos, a boca, as mãos e o silêncio. Também a palavra vagarosa, que
perguntava de vez em quando sobre uma verdade já velha ou sobre uma mentira
mais em moda. Se confiasse em cada um de nós, explicaria à sua maneira o Homem,
o Amor, o rio Capibaribe e o compositor João Sebastião Bach. Mas para isso,
além de ser preciso confiar, teria que pedir a palavra e se imponentizar de tal
maneira que nos assustaria à sua volta, após assustar-se consigo mesma. O que
dizia eram curtas perguntas. O que fazia era pouco e casual. Mesmo assim eu a
adivinhava sábia e corajosa.
Mais das vezes se escreve assim
de uma mulher quando por ela se sente uma dessas súbitas emoções, muito
parecidas com o chamado amor à primeira vista. Mas, em meu caso, essas
impressões já não me confundem. Uma mulher me empolga assim que a sinto gente;
e nela me perco, de descoberta em descoberta, sem me consentir
a mínima desconfiança de estar amando-a, em qualquer das maneiras
antigas ou atuais de amar alguém. Uma mulher-gente nos atrai aos seus mistérios
e, no tempo em que procuramos desvendá-los, só acrescentamos dúvidas à nossa
ignorância inicial.
Apesar disso, é dever do
homem-gente deixar que o seu pensamento se demore nas lembranças de sua
conhecida recente. Amor é outra coisa. Amor a gente espera, como o pescador espera
o seu peixe, ou o devoto espera o seu milagre: em silêncio, sem se impacientar
com a demora. E o amor a gente não conta pelo jornal a não ser quando quando o
sentimento trai a frase, juntando palavras que deviam estar sempre separadas.
Cá estou, porém, nesta janela que
não me deixa mentir, em frente à noite de que sou uma espécie de filho de
criação, a repassar lembranças de uma moça que, de mim, se muito recordar,
recordará meu nome. Eu também a esquecerei, mas daqui a duas ou três mulheres
importantes. Agora, faz-me bem, inclusive, sofrê-la um pouco. É tarde. Deveria
ir para a cama. Todavia, não seria direito. Numa moça, a gente pensa na
janela.
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