Nilson Vellazquez, no blog Verbalize
As
redes sociais, embora tenham seu papel de democratização e velocidade da
informação indiscutíveis e dignas de estudos científicos mais aprimorados do
que os comentários que eu posso fazer, são também espaços em que os
preconceitos e valores distorcidos da sociedade capitalista podem se exacerbar
ainda mais. Como no caso das ideias sobre o valor da linguagem, a escolaridade
e os ditos "erros" de Português. Exemplo maior disso são os
"memes" e coisas parecidas que fazem referência ao Português
"mal colocado" de determinadas camadas sociais. Imagens com frases do
tipo "Por trás de cada 'menas' existe um ensino fundamental
incompleto", além da ironia e preconceito inclusos na frase, uma total
falta de conhecimento sobre os fatores que levam a isso passa pelos que
publicam coisas semelhantes, inclusive pessoas ditas de esquerda.
Findo
meu primeiro parágrafo citando os de esquerda para lembrar que a linguagem,
embora não tenha sido objeto de estudo prioritário para os marxistas, sempre
compôs o corpo do que compõe um todo complexo filosófico, político e ideológico
sobre o qual poderíamos nos debruçar. Marx e Engels, em A Ideologia Alemã já
nos diziam que "(...) O 'espírito' tem consigo de antemão a maldição de
estar 'preso' à matéria, a qual nos surge aqui na forma de camadas de ar em
movimento, de sons, numa palavra, da linguagem. A linguagem é tão velha como a
consciência - a linguagem é a consciência real prática que existe
também para outros homens e que, portanto, só assim existe também para mim, e a
linguagem só nasce, como a consciência, da necessidade, da carência física do
intercâmbio com outros homens". Essa constatação - a de que a
linguagem nasce da necessidade do intercâmbio entre os homens - é ponto de
partida para o entendimento e também para a polêmica em torno do debate. Foi na
União Soviética que o debate sobre a linguagem teve seu período mais eufórico.
Bakhtin, por exemplo, atesta-nos que "A comunicação verbal, inseparável
das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de
resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, utilização da língua pela
classe dominante para reforçar seu poder etc." O autor, em sua obra
"Marxismo e Filosofia da Linguagem", ainda reforça: "É preciso
fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para
compreender seu funcionamento como instrumento da consciência." Foi ainda
no seio da Revolução de 17 que surgiu o que seria uma boa polêmica: seria a
linguagem uma super-estrutura? Essa polêmica passou a ser exercitada entre o
romeno N.J Marr e Stálin; dessa forma, Stálin pareceu ter dado uma boa resposta
a essa polêmica, quando diz que a super-estrutura política e ideológica muda de
acordo com a mudança da infra-estrutura, embora aquela possa exercer semelhante
influência e contribuir para o processo de perpetuação de determinado sistema
econômico, o que não seria o caso da linguagem especificamente, já que esta não
muda de acordo com a mudança da infra-estrutura e sim da super-estrutura,
portanto não seria uma super-estrutura. Mesmo tendo acertado nessa questão,
Stálin pareceu não entender o caráter de classe que a linguagem poderia exercer
e por isso criticou duramente Marr e seus discípulos. A isso, a resposta de
Bakhtin parece apropriada: "Todo signo é ideológico; a ideologia é um
reflexo das estruturas sociais; assim, toda modificação da ideologia encadeia
uma modificação da língua." Portanto, nem a linguagem, nem a análise que
fazemos dela são neutras.
Sendo
assim, o juízo que se faz dos chamados "erros" de português cometidos
nas redes sociais pode sim ser uma questão de classe. Essa observação parte do
pressuposto, principalmente após as teorias sociolinguísticas - cuja
contribuição é imensa - de que as línguas mudam com o passar do tempo. O
preconceito parte, em grande parte, pelo desconhecimento de que essas mudanças
atingem sempre partes da língua e não seu todo. Essas mudanças, com certeza,
atingem a fala de maneira mais intensa que a escrita, fator que gera
determinadas "distorções" de alguns grupos sociais na escrita,
principalmente nas redes sociais, pois a "implementação das inovações é
feita principalmente pelas gerações mais jovens e grupos socieconômicos ditos
intermediários", segundo Faracco. É dessa forma que a escrita utilizada
por determinada camada social no Facebook, por exemplo, causa choque e ironias
por parte de uma parcela populacional que teve acesso ao estudo da chamada
"norma padrão", pois o que chamamos de certo nada mais é do que a
variante linguística hegemonizada politica e culturalmente, num país cujas
dimensões continentais abriga diversos "falares" e reproduções na
escrita. Obviamente, a não aceitação dessas variantes menos prestigiadas
socialmente parte do fato de que a escrita está ligada a contextos sociais de
formalidade e que a escrita é mais conservadora que a fala. Ninguém escreve
como fala. Mas num baixo nível educacional, é mais frágil a relação que se faz
entre fala e escrita. A reprodução do que se fala para a escrita é feita de
maneira menos "criteriosa". Por isso, os grupos implementadores de
mudanças têm geralmente baixo prestígio social - e sua fala/escrita é marcada
negativamente.
Falo
tudo isso para apresentar dois fatores que, para mim, são essenciais: 1) Assim,
como tudo na vida, a língua vive em eterno movimento e que, como o método
materialista dialético nos ensina, a transição é feita de maneira não-linear,
portanto, também na língua, existe um conflito entre o novo que surge e o velho
que pretende se perpetuar. É, então, salutar que mantenha-se uma postura
minimamente respeitosa no que tange essas mudanças. 2) Não podemos fazer
comentários sobre a linguagem de qualquer um que seja sem se correlacionar com
a questão social. Num país como o Brasil, cujos tamanho, desigualdade social e
diversidade cultural costumam marcar nossa identidade, é inaceitável que
mantenhamos preconceitos com os falares dos mais pobres, dos que não tiveram
acesso a educação de qualidade e, obviamente, esse preconceito passa à escrita.
Dessa forma, encerro meu texto dizendo que, sim, por trás de cada "menas"
publicado no Facebook existe um ensino fundamental incompleto, assim como a
falta de oportunidades, de saúde e de educação de qualidade. Não é o
"menas" de tantos que está errado, é o "mais" de poucos que
perpetuam seu poder político, econômico e ideológico, inclusive entre nós.
Mudemos, então!
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