01 maio 2017

A falta que ele faz

Belchior
Renildo Calheiros*

A MPB perdeu um de seus expoentes. Sem avisar a ninguém, Belchior partiu e deixou nossa arte mais pobre.

Me tornei amigo de Belchior nos anos 80. Ainda era o auge de sua carreira (décadas de 70 e 80). Na época eu era presidente da UNE e fizemos um circuito universitário. Ele encantou grandes platéias em vários lugares, "Pelas Ruas do País".

Compositor, músico e cantor de estilo único, inigualável. Um presente do Ceará para o mundo.

Certa vez fizemos um evento político-cultural para comemorar a legalização da UNE. Foi em Goiânia – GO. Depois do show fui ao camarim para abraçá-lo. Chegando lá ele estava descalço, sem camisa, todo suado, e me disse: - Espera um pouco aí. Abriu uma bolsa, tirou uma toalha pequena e uma colônia. Molhou completamente a toalha com aproximadamente a metade da colônia e começou esfregar a toalha no rosto, nos braços, no corpo da cintura para cima, na cabeça tentando alcançar o couro cabeludo, e nas axilas. Depois começou se abanar com a própria toalha. Em seguida pegou uma camisa colorida bem fina e muito folgada vestiu e me deu um abraço.

Ele era um dos meus artistas preferidos.

Assisti anos depois, em Brasília, um show extraordinário. Onde ele deu nova versão a três músicas antigas. Com o brilho de sempre. Muito aplaudido.

Algum tempo atrás fui surpreendido com uma matéria do "Fantástico" que falava do seu desaparecimento por vários meses. Não era bem assim, eu o havia encontrado duas ou três semanas antes no aeroporto de Brasília. Ele indo pro Ceará e eu para Recife. Conversamos, lembramos dos shows, trocamos telefones e nos despedimos. Foi nosso último encontro.

Agora me pergunto: quem vai abrir os braços no Corcovado? Diz a geometria que as "Paralelas" só se encontram no infinito. Será? Quem vai saudar a saída das "Velas do Mucuripe" que "vão sair para pescar”? Quem vai dizer que "Aquela estrela é dela”? Como ficarão “Galos, noites e quintais? Como será a vida sem "Alucinação”? Como irei pedir que alguém "Saia do meu caminho”? Quem irá fazer os "Comentários a respeito de John”? Quem irá falar da "Divina Comédia Humana”? Ele era "Apenas um rapaz latino-americano" e "Foi por medo de avião”, "Como nossos pais”, mas "Tudo é divino, tudo é maravilhoso".

Mas quer saber de uma coisa, "Vou mandar as minhas mágoas pras águas fundas do mar"...

"Eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês".

Neste momento triste gostaria de lhes dizer que "Há tempo muito tempo que estou longe de casa, e nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro se estragou"...

"E um cara que transava à noite no Danúbio Azul, me disse que faz sol na América do Sul... Minha rede branca, meu cachorro ligeiro... Gente de minha rua, como eu andei distante... Até parece que foi ontem minha mocidade... E vou viver as coisas novas, que também são boas... Agora eu quero tudo, tudo outra vez...

Sempre me emociono ao ouvir essa música. É como se ela tivesse diretamente ligada a minha vida. Várias cenas e muitos rostos visitam minha imaginação.

Como dizia o próprio Belchior: "Na parede da memória esta lembrança é o quadro que dói mais".

Olha Belchior, quero te fazer um pedido: quando você chegar ao lugar onde os artistas que partiram se encontram, dê um abraço no Emílio Santiago, ele também foi embora sem avisar. Emilio sempre nos visitava e passou vários carnavais com a gente aqui em Olinda. Diz pra ele que os amigos e os amantes da boa música estão com muita saudade e que estamos enviando "um pedaço de Saigon.
*Ex-prefeito de Olinda, ex-deputado federal pelo PCdoB
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