Assim
ama o colibri
Rubem
Braga*
Ora, hoje eu vos falarei de amores. Não do amor
terrestre, nem do amor divino, mas de um aéreo amor que, para vos assustar,
direi ser o amor dos troquilídeos. Não, não vos assustei: troquilídeos são
esses lindos passarinhos que o vulgo chama de colibris ou beija-flores.
O naturalista Augusto Ruschi tem em seu viveiro e
no jardim de sua casa, uma bela casa construída pelo avô tirolês, em Santa
Teresa, Espírito Santo, muitos beija-flores de várias espécies. E como é um
homem curioso e indiscreto andou uns tempos a espreitar o namoro dos
beija-flores e depois me contou algo a respeito.
Sabe-se que entre os passarinhos o macho é sempre
muito mais bonito que a fêmea; até em aves de quintal, como o galo e o peru,
isso é fácil de ver, sem falar no pavão, esse show imperial de cores feitas
para seduzir a feiota da pavoa. Quando sente palpitar seu coração de amor, o
colibri cuida de cativar a fêmea, e então dá início à Parada Nupcial, que
Ruschi divide em cinco fases.
Na fase de APROXIMAÇÃO o macho começa a freqüentar
a área territorial da fêmea. Sua plumagem está então se completando. Ele fica a
certa distância observando a amada, fazendo acrobacias aéreas e cantando. A
distância varia com cada espécie; há um tímido beija-flor cor de ametista que
sempre guarda uns cem metros de distância, um outro fica a uns trinta metros, e
outro há que se aproxima até seis metros. Quando a fêmea não simpatiza com o
macho a coisa não dura: ela o caça a bicadas e o expulsa de seu território. Se
no começo do namoro outro macho aparece, o primeiro é que o expulsa.
Segunda fase: PERSEGUIÇÃO À FÊMEA.. A esta altura a
plumagem do macho está em seu pleno esplendor, e ele começa a perseguição.
Sempre que a fêmea voa de seu pouso habitual ele vai atrás com ares agressivos
e um chilreado especial, agudo; ela foge com um chilreio baixinho, tímido;
esquiva-se esconde-se, para volver depois.
Terceira fase: APRESENTAÇÃO. Já agora a fêmea passa
a freqüentar um ramo mais aberto, e o macho voa perante a amada. Uns sobem e
descem no ar em voo de libração, outros descrevem círculos no ar,
aproximando-se em voo rasante e emitindo um som especial, um rrép muito forte.
Quarta fase: EXIBIÇÃO DE PLUMAGEM. O macho procura
impressionar a fêmea exibindo sua plumagem. Faz circunvoluções, e sempre que
passa perto da namorada eriça e move as plumas iridescentes, ergue o topete ou
os pompons, abre em leques as caudas coloridas, cantando um canto forte e
variado, subindo até cinqüenta metros e baixando de súbito para se imobilizar,
todo resplendente de luz, num paroxismo de beleza, diante da fêmea… Cada
espécie executa um bale diferente, mas todos exibem suas belezas com o máximo
de esplendor. Esse exibicionismo é tão intenso que os machos de certas
espécies, que só têm penas iridescentes nas costas, não hesitam: dançam de
costas para a amada, e depois se voltam com as penas do peito projetadas para a
frente. E há mesmo alguns beija-flores que têm uma certa zona sem pêlos nem
plumas na cabeça, uma aptéria ou carequinha que às vezes um topete esconde.
Pois nesse momento de excitação essa pequena calva se faz de azul-cobalto; e o
macho, depois de muitas acrobacias e paradas e exibição de penas, posta-se
perante a amada e curva a cabecinha, para que ela possa ver sua careca azul…
Se isso não é verdade, a mentira será do Professor
Ruschi. Eu por mim acho que deve ser, tantas e tão raras e estrambólicas e
loucas ações tenho visto nos homens quando querem conquistar certas mulheres.
Beija-flor não é melhor do que nós; e nessa luta vale tudo, desde o carro fora
de série até o diamante, o poema e a careca azul.
Bem, eu ia esquecendo de me referir à quinta fase;
direi apenas que nos beija-flores ela não dura mais de dois segundos…
*Rubem Braga (1913-1990), considerado o maior dos cronistas brasileiros
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