O multilateralismo e a
questão da saúde global
Enquanto mais de um terço da
população mundial está totalmente vacinada, na África a participação é de
apenas 6,7%
Luis
Nassif, Jornal GGN
Historicamente, há duas forças em tensão permanente, na
definição dos modelos de desenvolvimento de um país: a globalização e os
estados nacionais.
Em geral, os conflitos se dão em dois campos específicos:
nas relações de troca e na movimentação de capitais. Nas relações de trocas, há
a maldição milenar de países centrais comprando produtos primários e vendendo
produtos elaborados para a periferia. Na movimentação de capitais, a promessa
de que, dando plena liberdade aos capitais, eles transbordarão dos países
centrais para os periféricos, espalhando o desenvolvimento.
Obviamente, nada disso
ocorreu. Nos dois principais períodos de financeirização – 1870-1942 e
1970-2021 – houve concentração de riqueza, aumento das disparidades sociais e
regionais e baixo crescimento.
De qualquer modo, em
todo século 20, houve um refluxo da financeirização apenas entre o fim da
Segunda Guerra e 1970. O final da guerra possibilitou a criação da Organização
das Nações Unidas e de seus dois braços econômicos, o Fundo Monetário
Internacional – garantindo o equilíbrio nos movimentos de capital – e o Banco
Mundial. Esse modelo foi rompido em 1970, quando Richard Nixon acaba com o
pacto cambial que amarrava o valor do dólar ao ouro.
O que esse período
mostrou é que organismos multilaterais fortes, respondendo pela coordenação de
países, são essenciais para restabelecer o equilíbrio global.
É o que se viu com a pandemia. Sem coordenação, grandes
economias estocaram vacinas e pequenas economias – especialmente africanas –
ficaram ao relento. A pandemia ressurgiu a partir dos países de baixa
vacinação, criando novas ondas pandêmicas.
Por isso mesmo,
provavelmente o primeiro renascimento do multilateralismo se dará no campo da
saúde. Sobre o tema, é relevante analisar os conselhos de Tedros Adhanom Ghebreyesus,
ex-Ministro de Negócios Estrangeiros da Etiópia e Diretor-Geral da Organização
Mundial de Saúde (OMS).
Lembra ele que, enquanto mais de um terço da população mundial
está totalmente vacinada, na África a participação é de apenas 6,7%. E alerta
que a pandemia Covid-19 não será a última.
A partir daí, apresenta seus conselhos.
1. A criação de um novo instrumento internacional, como um
tratado, para orientar as nações na preparação e resposta à pandemia. Enfim,
uma estrutura abrangente para a cooperação global, com regras que aumentam a
solidariedade entre os países. Esse tema será discutido na Sessão Especial da
Assembleia Mundial da Saúde, ainda este mês.
2. Mais e melhores financiamentos para a preparação de resposta
à pandemia. Propõe, então, a criação de um Fundo de Ameaças à Saúde para
recursos adicionais que poderia ser estabelecido pelo Banco Mundial e
financiado por países e organizações regionais.
3. Melhoras no sistema
de vigilância multissetorial de saúde. A OMS já está construindo ferramentas,
como um novo HUB para Pandemia e Inteligência Epidêmica. Além disso, foi inaugurada
a Academia da OMS, para desenvolver tecnologias de ponta para acesso à
aprendizagem para profissionais da saúde no mundo todo. E o Who BioHub,
para armazenamento e compartilhamento de patógenos.
4. Fortalecimento da OMS, que foi enfraquecida nas últimas
décadas pela redução das contribuições obrigatórias.
.
Veja: Alianças e disputas em torno de quê? https://bit.ly/3m3IpbJ
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