José Bertotti:
capitalismo é excludente e agressivo ao meio ambiente
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Após participar da COP 26, em Glasgow, na Escócia, o
secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti,
dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) analisou os resultados obtidos
e a luta dos comunistas por um novo projeto de sociedade que enfrente as
urgentes necessidades ambientais e da humanidade. A entrevista foi concedida ao
Portal PCdoB nesta terça-feira (16).
“A
luta dos comunistas por um novo modelo de desenvolvimento acaba sendo um grande
contraponto ao capitalismo. Temos que deixar claro que o capitalismo é o causador
da emergência climática e não consegue dar soluções. O capitalismo não consegue
responder aos grandes problemas da humanidade, como a devastação do meio
ambiente, a exclusão social, a pobreza e a miséria”, disse Bertotti.
Confira
os principais trechos da entrevista.
Redução nas emissões
“Nos
últimos 200 anos, tivemos uma grande perda na cobertura florestal e a extinção
de espécies em decorrência do modelo de produção, da energia utilizada que é
uma das maiores causadoras do aquecimento global devido o uso dos combustíveis
fósseis — o carvão e o petróleo. E o que se esperava nessa COP era que se
conseguisse estipular metas de compromissos para a redução do uso dessa
energia, o que não se conseguiu. E isso realmente coloca em risco a meta de não
aumentar a temperatura para além de 1,5 grau”.
“O
relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da
ONU, que subsidia as discussões da COP, indica que se não houver uma redução
drástica de 50% das emissões até 2030, vamos ultrapassar a barreira
dos dois graus. E uma das questões-chave — além da redução da emissão do
metano, que foi um acordo importante aprovado — é que não foram estipuladas
metas de redução. Porém, houve também algo positivo: pela primeira vez numa
COP, pelo menos se mencionou, ainda que não na forma como se queria, que
gradualmente será feito o trabalho de substituição dessa energia”.
Resultados da COP
“É nos países do G20, que são as maiores economias do
mundo e responsáveis por 80% das emissões, que está concentrado o problema do
aquecimento global. A gente tem um modelo de desenvolvimento prevalente, o
capitalista, que não só é agressivo ao meio ambiente como é excludente. E essa
questão da pobreza também é um problema que acentua a questão da crise
climática porque esse sistema acaba empurrando populações mais carentes para a
produção de carvão, para a devastação, para o uso irregular da terra, em
modelos que também são emissores de gases de efeito estufa”.
“A
COP não produziu os compromissos e mecanismos necessários para garantir
que o aquecimento global não ultrapasse 1,5 grau, mas conseguiu ter a presença
de atores importantes. Todos os que deveriam estar, estavam. A China, por
exemplo, não assumiu o compromisso de atingir a neutralidade
em 2050, mas deixou bem claro que o fará para 2060 e ela está fazendo todo o
‘dever de casa’ para isso, o que a União Europeia e os EUA não conseguem fazer.
A China tem uma política de enfrentamento às mudanças climáticas que faz
parte da política de Estado, com compromissos concretos”.
Mercado de carbono
“O
mercado de carbono não resolve o problema das emissões. Hoje, a tônica que tem
de ser dada é neutralizar as próprias emissões, não compensando com outros
países, mas substituindo as fontes de energia por energia renovável. Isso
significa racionalizar o uso de resíduos sólidos, fazendo compostagem e
utilizando o metano para a produção de energia para que ele não vá para a
atmosfera; é reaproveitar o alumínio, o metal, o plástico, para evitar produzir
essa quantidade nova de material e, evidentemente, a recuperação florestal,
porque temos um risco de extinção em massa de espécies”.
Governo Bolsonaro
“O
governo Bolsonaro tentou chegar à COP 26 com um capital positivo, dizendo que
tinha aumentado a meta de redução das emissões. Mas, não foi isso que
aconteceu. Na realidade, em 2019, o governo disse que o Brasil poderia emitir
para além do que tinha se comprometido porque disse que refez os cálculos e,
agora, em 2021, chega com a mesma conta de 2019. Ficou no zero a zero. E para
mim, querer vender isso como uma novidade, é um vexame”.
“Além
disso, o governo anunciou, em abril, que o Brasil chegaria à neutralidade de
carbono em 2050. Só que aí tem dois problemas. O primeiro é que o maior volume
de emissões hoje no Brasil está relacionado com as queimadas. E ele desmontou a
estrutura de fiscalização do Ibama, desestruturou o ICM-Bio e desacreditou o
Inpe, que mostrou o aumento no volume de queimadas no Brasil. Então, é mentira
que ele vá reduzir as emissões. A segunda questão: em Pernambuco, vamos
entregar, em março, nosso plano de descarbonização e neutralidade de carbono. E
o governo federal não fez isso. E estamos usando uma metodologia que a UFRJ
poderia usar para o Brasil, mas não está usando. O governo Bolsonaro fala que
haverá neutralidade de carbono, mas não diminuiu, ao contrário, aumentou as
emissões com as queimadas e ainda por cima anunciou que vai usar carvão para
usinas termoelétricas. Além disso, diminuiu de 13% para 10% o percentual de
biodiesel no diesel”.
Desmatamento ilegal
“Para
completar, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse que os países
ricos, se quisessem que a gente diminuísse o desmatamento, tinham que pagar, o
que é uma burrice. Porque veja: desmatamento é ilegal. Por lei, você pode fazer
um projeto, dentro das regras do Código Florestal, mantendo a reserva legal, e
aí você pode fazer o uso da terra até um determinado percentual, dependendo do
bioma. O que acontece no Brasil hoje não é o uso segundo o Código Florestal ou
as leis de licenciamento. O que está acontecendo são queimadas ilegais, que não
têm autorização de supressão, nem monitoramento, nem projeto de
desenvolvimento. Ou seja, ninguém leva a sério uma política dessas porque todos
os sinais que o governo federal dá não demonstram o que ele fala, que haverá
neutralidade em 2050”.
Contraponto nos estados
“A
Conferência Brasileira de Mudança do Clima, que aconteceu em 2019, organizada
por diversas entidades da sociedade civil e instituições, com o apoio do
Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (Abema) — que são as
secretarias estaduais de Meio Ambiente — foi um grande encontro, um contraponto
à política do governo federal, que se repetiu em 2020 e 2021. Em 2019, os 27
estados — o governo federal foi chamado, mas não participou — estiveram
presentes e fizeram a Carta do Recife, um documento de enfrentamento às
mudanças climáticas. Criou-se uma câmara técnica na Abema — coordenado por
Inamara Melo, que é secretária executiva de Meio Ambiente de Pernambuco — que avançou
na implementação das políticas estaduais de enfrentamento às mudanças
climáticas. Resultado: na COP 25, em Madri, pela primeira vez foi feito um
estande do Brasil. Neste ano de 2021, o Brasil resolveu montar um estande, não
abriu espaço para os estados participarem, fez parceria com a Confederação
Nacional da Indústria e a Confederação Nacional de Agricultura e os estados
acabaram participando majoritariamente com as entidades da sociedade civil”.
Atuação local
“Foi
apresentado um estudo do Instituto Clima e Sociedade (ICS) — do qual
participei, juntamente com mais de 300 especialistas — mostrando que se o
Brasil construir uma política de redução do desmatamento, de uso de energia
renovável, de criação de redes de cidades inteligentes do ponto de vista do uso
dos resíduos sólidos, pode atrair mais de R$ 100 bilhões de reais em
investimento e em empregos verdes. Ou seja, a economia poderá crescer e isso
está sendo feito pela organização da sociedade com os governos estaduais porque
o governo federal não fez isso. Cada vez mais essa é uma política discutida em
âmbito global, mas realizada em âmbito local, então, é muito importante essa
questão e o Brasil pôde mostrar que a federação existe, é muito maior que
Bolsonaro e que no Brasil tem gente, empresas, governos locais, a sociedade
civil montando uma trajetória de descarbonização, mostrando que a economia pode
crescer, que empregos inclusivos e verdes podem existir”.
Contribuição comunista
“O
que ficou claro, para mim e acho que vai começando a ser compreendido do ponto
de vista desses debates da COP, é que um novo modelo de desenvolvimento é
necessário. O capitalismo não consegue dar solução para o enfrentamento das
mudanças climáticas porque foi ele que criou essa emergência climática. E os
comunistas têm o entendimento de que esse regime excludente faz mal às pessoas;
essa é a luta histórica dos comunistas. O capitalismo demonstrou que a
concentração de renda e a busca do lucro se colocam acima dos interesses das
pessoas. Os comunistas hoje mostram que a emergência climática é um alerta para
a humanidade de que o capitalismo não consegue entregar um modelo de
desenvolvimento diferente do que ele fez nesses últimos 200 anos. Então, é
necessário que se pense um novo modelo de desenvolvimento”.
China como contraponto
“A
China é um bom contraponto porque tem um Estado nacional, dirigido por um
partido comunista, que sofre com a questão das mudanças climáticas, mas sofre
fundamentalmente com o modelo de desenvolvimento que está sendo mudado. Os
chineses tiveram de desenvolver suas forças produtivas, com base na indústria,
na produção de energia, na massificação de produtos e serviços para sua
população ter acesso a esses bens e serviços, mas eles enxergaram,
especialmente de 20 anos para cá, que precisariam construir uma ecocivilização
socialista, que está sendo construída com investimentos pesados em energias
renováveis, diminuindo drasticamente e trabalhando para eliminar o uso do
carvão — porque eles não aguentam mais a poluição, que é um problema de saúde
pública na China — e trabalhando com a questão do reflorestamento, que faz
parte do processo de recarga hídrica e de limpeza da atmosfera”.
PCdoB e a questão ambiental
“É
fundamental esse entendimento de um partido como o PCdoB, no Brasil, de colocar
a emergência climática como uma das questões mais importantes a serem
consideradas no novo projeto nacional de desenvolvimento, olhando para o
desenvolvimento sustentável com base em três pilares: a preservação e
recuperação do meio ambiente; a inclusão social e atividades econômicas que
sejam baseadas em soluções sustentáveis. No governo de Pernambuco, junto com o
governador Paulo Câmara, somos alguns dos principais atores desse processo pela
política que a gente já tinha desenvolvido na prefeitura do Recife, com Cida
Pedrosa, que foi secretária de Meio Ambiente do Recife e hoje é vereadora; com
Inamara Melo, secretária executiva, que é do PCdoB e já foi secretária de Meio
Ambiente do Recife, entre muitos outros”.
“A
luta dos comunistas por um novo modelo de desenvolvimento acaba sendo um grande
contraponto ao capitalismo. Temos que deixar claro que o capitalismo é o
causador da emergência climática e não consegue dar soluções. O capitalismo não
consegue responder aos grandes problemas da humanidade, a devastação do meio
ambiente, a exclusão social, a pobreza e a miséria”.
Por
Priscila Lobregatte
.
Veja: Quem semeia o caos colhe o quê? https://youtu.be/yLfPBPiRBik
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