16 novembro 2025

Direita tem visão equivocada da segurança

O jornal O Globo publica a opinião de dois colunistas situados a léguas de distância da esquerda e de forças progressistas e, portanto, “insuspeitos”, sobre a temática da segurança. Transcrevo aqui porque os dois textos ajudam a compreender o debate que ora se trava em torno do assunto. (LS)  


A direita e a segurança
A direita tomou para si a pauta da segurança, mas não apresenta políticas eficazes de combate a este problema que tanto aflige a população
Míriam Leitão

No Brasil, há um mito de que a direita sabe como fazer política de segurança. A extrema direita governou o país por quatro anos, de 2019 a 2022, e não apresentou qualquer proposta boa. Ao receber das mãos de Hugo Motta a relatoria do projeto do governo contra as facções criminosas, teve nova chance. Foi um fiasco. O secretário licenciado de segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, fez um relatório inicial perigoso porque enfraquecia a Polícia Federal, além de abrir um flanco para ações militares de outros países em território brasileiro. Quatro recuos depois, o relatório ainda tem defeitos.

Quando governou o Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro propôs o quê? O excludente de ilicitude e o acesso às armas. “É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado. Por isso eu quero, ministro da Justiça, ministro da Defesa, que o povo se arme”, disse Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Foi o bordão do seu governo. Em 10 de agosto de 2022, disse: “Comprem suas armas. Isso também está na Bíblia. No Pedrão”.

Em dezembro de 2018, havia 351 mil armas nas mãos dos clubes de atiradores e colecionadores. Em dezembro de 2022, eram 1 milhão e 261 mil. Quase um milhão de armas a mais, muitas dessas foram acabar na mão do crime organizado. A obsessão pelo armamentismo não era uma política de segurança, mas parte do projeto autoritário, pelo qual está indo para a prisão.

Subir um morro, matar 117 pessoas, perder quatro policiais, não encontrar o alvo principal, e deixar os corpos para serem resgatados pelos moradores não é política de segurança. A última vez que no Rio houve alguma esperança de existir um modelo foi nas UPPs. Originalmente foi pensada para libertar os territórios do jugo dos bandidos e, em seguida, ocupar o espaço com ações do Estado. Faltou a segunda parte.

O problema do controle territorial pelo crime é gravíssimo. Segundo o Mapa dos Grupos Armados, feito em parceria pelo Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense, dos 2,5 mil km² da área metropolitana, 466 km², ou seja, 18%, estão sob o domínio de algum grupo armado. Do total, metade está com o Comando Vermelho, 38,9% com a milícia, e o resto com outros bandos de traficantes.

O assunto é tão sério que a cooperação entre as forças do Estado deveria ser natural, em vez de virar briga política como vimos nos últimos dias. É inaceitável submeter as pessoas à tirania de facções de traficantes e de milícias. A reação da população, que em pesquisas feitas no calor da hora, reagiu em favor da operação, deveria ser entendida pelo que ela é: o país não suporta mais a aberração da ocupação territorial por bandidos e milicianos. Não é um apoio a que esse tipo de ação se torne rotina e assuma o espaço de uma real política de segurança.

O governo Lula apresentou duas propostas. A PEC da Segurança cria canais de cooperação entre o governo federal e as administrações estaduais. O PL Antifacção endurece o combate às facções criminosas. A PEC tem sido ignorada pela oposição. O governador Cláudio Castro reclamou da falta de apoio de Brasília, mas sempre foi contra a PEC que propõe atualizar a Constituição, que entrega essa atribuição aos estados. Desde 1988, o crime atravessou todas as fronteiras entre estados e do país. Precisamos de todas as forças legais. O país não pode perder tempo com a briga por protagonismo. O assunto é grave demais.

Mesmo com a vinda ao Rio do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, Castro preferiu a politização. Chamou os “governadores de direita”, como os definiu, para reuniões e a assinatura de um pacto de cooperação. Não pode haver cooperação com a Bahia ou o Ceará?

No Legislativo, a bancada da direita que se dedica ao tema tem aprovado, ou ameaça aprovar, ideias bem ruins. Só nas últimas semanas, a Comissão de Segurança da Câmara aprovou a suspensão da portaria que criou o Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, e a do Senado aprovou a revogação do decreto que regulamenta o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública. A da Câmara se mobiliza para passar a revogação do decreto que criou a Força Nacional. A direita no poder não apresentou soluções, na oposição combate as ideias que chegam ou as estraga, como Derrite tentou fazer. (Com Ana Carolina Diniz)

Derrite contra a Polícia Federal
Secretário de Segurança de São Paulo produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país
Elio Gaspari

Se Guilherme Derrite fosse um transeunte laçado na Praça dos Três Poderes para redigir um projeto de combate ao crime organizado, teria sido compreensível a barafunda que ele produziu com as várias versões de seu relatório para o projeto de lei contra as facções criminosas.

Infelizmente, Derrite é um veterano policial e secretário de Segurança do governador Tarcísio de Freitas, possível candidato a presidente da República. Mais: Derrite é um deputado federal e provável candidato ao Senado em nome do que seria um desejo do eleitorado por mais segurança. Foi laçado pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, para relatar o projeto de lei contra as facções criminosas.

Com quatro versões, Derrite produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país.

Tome-se como exemplo a limitação que Derrite quis impor à Polícia Federal (PF). Seu primeiro relatório estabelecia que a PF só poderia investigar depois de ter havido uma solicitação do governador do estado. Gracinha. Existem crimes federais, como o tráfico de armas e de drogas, mas a PF dependeria de uma licença dos governadores.

Se esse sistema existisse nos Estados Unidos do século passado, teriam continuado as execuções de ativistas que lutavam contra a bandidagem racista de estados do Sul. Quem viu o filme “Mississippi Burning” sabe do que se trata. A bandidagem racista operava com o apoio de governadores, juízes e policiais. Foi a Polícia Federal quem desarmou as tramas.

Lá, a Federal chama-se Federal Bureau of Investigation, o FBI. Foi dirigido de 1924 a 1972, quando morreu, por J. (de John) Edgar Hoover. Sujeito detestável, grampeava inimigos, chantageava políticos e presidentes. Solteirão misógino foi um mau exemplo, mas criou uma instituição, robusta e honesta (à sua maneira). Hoover foi um mau exemplo, mas criou e protegeu uma instituição exemplar.

Com esse nome, a Polícia Federal brasileira surgiu em 1967. Desde então, ela se tornou, de longe, a mais respeitada instituição policial do país. Derrite queria que ela pedisse licença aos governos estaduais para desempenhar suas funções. O deputado-secretário é capitão da reserva da PM paulista, onde fez fama na tropa de elite da Rota.

O Primeiro Comando da Capital (PCC) operava sua rede de postos de gasolina, empresas e fintechs de São Paulo há décadas. Graças à Operação Carbono Oculto, do Ministério Público e da Polícia Federal, parte dessa máquina foi desmontada, isso sem um só tiro. A Operação Escudo da polícia de Tarcísio e Derrite matou 28 pessoas num só mês de 2023. Quase todos pretos pobres e moradores da periferia.

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Leia também: A economia do crime organizado https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/economia-do-crime.html

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