Fora de tempo e de lugar
Permitam o cacoete de médico. Adianta muito pouco tratar o sintoma com paliativos sem ir à causa real das queixas do paciente e da enfermidade que o acomete.
É o que acontece com a iniciativa do ministro do STF, Celso de Mello, que determinou a interpelação judicial dos partidos que acolheram parlamentares migrantes do PSDB, do DEM (ex-PFL) e do PPS, em atendimento a ações impetradas por esses partidos solicitando a devolução dos mandatos dos que se desligaram de suas legendas.
Os partidos citados são o PTB, o PR e o PSB, que deverão se explicar pelo acontecido. Explicar o quê?
Ocorre que os parlamentares que assim procederam nada mais fizeram do que repetir uma prática comum em nosso país. Nem a Constituição, nem a Lei Orgânica dos Partidos proíbem a mudança de legenda.
O buraco é mais embaixo. Melhor dizendo: o troca-troca partidário é apenas o sintoma mais visível de uma patologia mais grave, que é a falência do sistema partidário e eleitoral em vigor. E, associada a isso, a fragilidade da maioria dos partidos – nada programáticos e pouco afeitos a mecanismos que reforcem a unidade e a disciplina.
Além disso, o atual sistema eleitoral é marcado por distorções e defeitos que condicionam a instabilidade dos partidos e a precariedade dos vínculos dos eleitos com suas legendas de origem. Um exemplo emblemático disso é o voto uninominal.
Em entrevista recente publicada no portal Vermelho, o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), líder da bancada comunista na Câmara, observou que o atual sistema uninominal, contém “o gene da discórdia, da divisão, da disputa interna”; enquanto o sistema de lista preordenada, tido como inovador e mais democrático, ao contrário, contém “o gene da unidade partidária e ajuda a construir e consolidar partidos”.
Ainda na análise do deputado, o voto uninominal não permite fidelidade por que é como se o mandato pertencesse ao parlamentar. O eleitor vota na pessoa e não no Partido. Quando o parlamentar sai do partido, ele leva os eleitores. "Você só guarda fidelidade a você mesmo".
Do que se depreende que a “terapêutica”, no caso, há que ser uma reforma política de cunho democrático e atenta ao fortalecimento dos partidos políticos – tarefa irrecusável do Congresso Nacional, e não do STF.
A iniciativa do ministro Celso de Mello, portanto, está fora de tempo e de lugar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário