500 mil casas ainda é muito pouco
Luciano Siqueira
Melhor do que nada – é o que dizemos comumente quando precisamos de muito e o que conquistamos ainda é insuficiente. Como agora que o governo federal anuncia a construção 500 mil unidades habitacionais para a população de baixa renda.
É muito pouco em dois sentidos. Um: o déficit habitacional beira os seis milhões de casas, atingindo cerca de 30 milhões de pessoas.
O outro, é que além de viabilizar mais casas impõe-se a retomada da trajetória interrompida pelas mudanças ocorridas no Ministério das Cidades.
Explico. A questão urbana em nosso país, e o problema habitacional nela incluída, demanda abordagem consistente, corajosa, estruturante. E é o que o governo começou a fazer quando criou o Ministério das Cidades e este, em sua primeira gestão, tendo o ex-governador gaúcho Olívio Dutra no comando de uma equipe qualificada, deu passos importantes. Mobilizou a sociedade em torno da questão urbana através de conferências que culminaram na Conferência Nacional de Cidades. Formulou um Plano Nacional de Habitação, indicando alternativas de financiamento destinado às populações de renda abaixo de 3 salários mínimos. Gerou um ambiente institucional e político favorável à implementação do Estatuto das Cidades, lei federal que dota o poder público local de instrumentos de intervenção sobre o território no sentido da democratização do direito à cidade saudável. Retomou, desse modo, em patamar elevado, a possibilidade de realização de uma reforma urbana.
Porém, infelizmente, com os rearranjos ocorridos na composição do governo, o Ministério das Cidades reduziu-se a tocar obras, indo pelo ralo o acúmulo alcançado em termos de política pública e os liames estabelecidos com os segmentos vivos da sociedade. As chances de avançarmos no sentido da reforma foram brecadas.
Isso impede o governo de abordar de modo conseqüente um dos maiores entraves ao desenvolvimento econômico em bases democráticas e socialmente justas. Pois a rápida ocupação do território urbano ocorrida no país – em cinco décadas inverteu-se a relação população urbana/rural, que hoje é, grosso modo, de 80/20 por cento – se deu aos moldes do capitalismo de tipo dependente, precocemente monopolizado, concentrador da produção, da renda e da riqueza e socialmente excludente que aqui se desenvolveu a partir dos anos 30 e assumiu plenamente seu caráter perverso nas últimas três décadas do século passado. E que fez as cidades desiguais e desumanas que temos hoje, nas quais é negado aos trabalhadores e às populações mais pobres o acesso a habitação, equipamentos e serviços e condições sanitárias que proporcionem uma vida digna.
Retomar o fio da meada é, portanto, urgente. Para além da construção imediata de 500 mil casas, recuperar a iniciativa via mecanismos de participação da sociedade (Conselho das Cidades, Fundo Nacional de Habitação), e dar concretude ao Plano Nacional de Habitação.
O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que continua na primeira linha de prioridades do governo e destina recursos de grande monta a urbanização dos assentamentos precários (favelas, palafitas, etc.), pode ser um dos instrumentos de trabalho nessa direção.
E da parte do movimento pela reforma urbana cumpre alevantar essa bandeira com vigor, amplitude e senso de oportunidade.
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