Os gordos também amam
Luciano Siqueira
Vejo agora na TV que empresas aéreas cobrarão 75% a mais do valor da passagem dos gordos que não conseguirem se acomodar confortavelmente no assento. A Air France parece que é a primeira a proceder assim. Em vôos internacionais e domésticos.
Sou dos que muito viajam e quase sempre não tem motivos para agradecer pelos serviços prestados pelas empresas de aviação. Começa pelo horário do embarque: se você se atrasa alguns minutos corre o risco de perder a vaga para alguém da lista de espera. Mas se o atraso é do avião, nada a fazer, você espera o tanto que for obrigado sem direito a reclamação. Quer dizer, reclamar pode – mas sem qualquer esperança de alguma consequência prática. Autêntica relação de poder em que o passageiro é o mais fraco – e nunca leva vantagem.
E os gordos, minha gente, sofrem muito. Sofrem e fazem sofrer o passageiro da cadeira ao lado – involuntariamente, coitados. Como num vôo Recife-São Paulo em que um gordo de gordura incrivelmente bem distribuída (se é que se pode avaliar assim) ocupou o assento do meio. No da janela um cidadão de aparência frágil, olhar triste, sem forças para se incomodar com alguma coisa além de suas possíveis desventuras pessoais. No do corredor, eu.
Pois bem. Faça-se justiça: bem que o gordo se esforçava para incomodar o menos possível. Isso era visível e comovente. Mal se mexia. O corpo é que atrapalhava: bíceps imensos, a barriga encostada no assento da frente, as pernas semiabertas em v. O da janela viajou o tempo todo espremido, numa espécie de camisa de força. Também não se mexia. E eu, aparentemente menos prejudicado, tentei escrever no notebook e não consegui. Ler o livro de crônicas de Drummond, nem pensar. Condenado a viajar inclinado para a direita, atrapalhando o trânsito de aeromoças e comissários de bordo, dei-me por premiado quando, apesar da escoliose momentânea, a aeronave finalmente pousou em Guarulhos.
Na saída o gordo teve a gentileza de pedir desculpas, falando baixo como quem compartilha um segredo. E eu respondi com um falso “não se preocupe, disponha sempre”, rezando entretanto para jamais encontrá-lo noutro vôo.
Agora as empresas enfrentam o problema punindo os gordos. Absurdo! Deveriam ceder um assento a mais, sem nada cobrar por fora. Afinal, ninguém é culpado por ser gordo – por mais que eles mesmos se culpem por isso.
Como a coisa vai funcionar? O gordo se denuncia antecipadamente e pede para pagar os 75% a mais? Ou passa pelo constrangimento de ser flagrado incomodando o passageiro do assento ao lado e é convidado a se retirar? Ou terá que se pesar no ato da compra da passagem?
E se o gordo viajar acompanhado? E se ela for gorda também – terão que pagar por três ou quatro assentos? Ora, gordos são apenas gordos, tem direito às coisas boas da vida, sobretudo ao amor. E a viajarem ao lado da mulher amada, abraçadinhos, mergulhados em carícias e afagos, que é o melhor jeito de viajar de avião.
Sei não. Pelo menos no Brasil a ANAC deve proibir que se punam os gordos sobretaxando a passagem aérea, como querem a Air France e outras companhias. Questão de justiça.
Um comentário:
Vamos pagar mais por sermos gordos.
Medida incrivelmente talentosa, para nao dizermos toscoloza, quem a inventou deveria sim pagar mais caro.Daqui a pouco, gente feia paga mais, gente burra paga mais, gente mal cheirosa pagara mais. Comprando sua passagem:
Nome, cpf, peso, altura, rosto, cor, grau de instrucao, banho,sexo: quantas vezes, pois mal amados tambem pagarao mais caro tem coisa que mais incomoda do que alguem mal amado.
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