20 junho 2011

Um artigo meu no Blog da Revista Algomais e no Blog da Folha

A boa arte da conversa e os que a ela resistem
Luciano Siqueira


Desde que surgiu a linguagem, bote tempo para trás!, a humanidade não conheceu outra forma de se entender, ou desentender, que não seja conversando - desde que o Homo sapiens começou a gruir algo na tentativa de chamar a atenção dos seus colegas para a caça ao alcance da mão – ou do ataque. Depois, como que para que não existisse desculpa para a falta de comunicação, há mais ou menos 50 mil anos de nossa era, riscada em pedra e osso, veio a linguagem escrita; ou 30 mil anos antes, se considerarmos coisas gravadas ou pintadas.

Naquelas priscas eras nem se tinha noção ainda de que a política – estágio mais avançado de enfrentar as contradições da sociedade humana – seria o campo privilegiado da conversa. Portanto, do bom uso da linguagem.

Mestres da política brasileira compreenderam isso muito bem. Tancredo Neves dizia que para se conquistar o consenso em torno de tema importante, se preciso o interessado ficasse “rouco de tanto ouvir”. Miguel Arraes – com quem tive a honra e o aprendizado de conversar durante quase dezessete anos -, quando queria elogiar a habilidade de alguém costumava dizer “ele sabe conversar”...

Eu mesmo, nesses mais de trinta anos de política institucional cá na província, posso dizer que tenho vivido prolongada e benéfica experiência através do diálogo, tanto com aliados como com adversários.

Por que comento aqui essas talvez obviedades? Porque os festejos juninos estão passando e depois do último forró e do derradeiro prato de canjica tem muita conversa para acontecer – e tem gente, de cepa mais recente, que ainda não aprendeu que conversar é preciso. Parece praticar uma inversão (primária, danosa) da questão levantada por Stalin à mesa de negociações com Churchill e Roosevelt no pós-Guerra – “Quantas divisões tem o Papa?” – ao ouvir a insinuação de que o Sumo Pontífice da Igreja Católica talvez devesse tomar parte no colóquio. “Ora, se temos divisões suficientes para ir à guerra, por que dialogar agora?”, parece ser o raciocínio simplista e inconsequente de quem hoje se julga detentor de força própria suficiente.

Pois é exatamente o contrário: quem tem algumas divisões precisa conversar muito para mantê-las e, quem sabe, até ampliá-las, e juntá-las às de outros, para enfrentar uma guerra que, na melhor das hipóteses, será dura. Refiro-me às eleições no Recife – de importância geopolítica inquestionável, agora e tendo em vista 2014 – e na maioria das grandes e médias cidades de Pernambuco.

O hermetismo e o autoisolamnento, sob a presunção da onipotência, pode ser o atalho mais fácil ao enfraquecimento precoce. Daí a necessidade de lembrar Tancredo e Arraes que, a seu tempo, precisamente quando muito fortes dedicaram muita energia à boa e indispensável conversa. Para juntar forças e vencer.

Nenhum comentário: