Cadê meu chá de camomila?
Luciano Siqueira
Desde menino escuto que quando alguém está “alterado” ou “neurastênico” (se dizia assim), um chá de camomila resolve. Resolve mesmo, a depender do grau de desequilíbrio emocional do interessado.
A camomila (nome científico Matricaria recutita), não apenas é uma plantinha de reconhecidos dotes ornamentais; servida como chá tem efeito calmante e, de quebra, faz bem à pele e aos cabelos. E ainda dá sorte, atrai dinheiro e afasta mau-olhado, segundo os mais crédulos.
É o que ensina a experiência popular e o que dizem cientistas atentos ao assunto.
Pois bem, se é assim por que não recorrer ao chá benfazejo ao invés de consumir ansiolíticos – diazepínicos e assemelhados - que, além de caros, ainda podem gerar dependência?
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), justamente os tais ansiolíticos, que atuam como inibidores do sistema nervoso central, têm sido mais consumidos no Brasil do que muitos outros medicamentos que exigem receita médica.
A Anvisa tem a comprovação estatística do fenômeno a partir do Boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, que lhe permite anotar que desde 2007 esse tipo de medicamento ocupa o primeiro lugar na fila, na frente de emagrecedores e anabolizantes.
Só o Rivotril (princípio ativo clonazepam) pulou de 29,46 mil caixas em 2007 para 10,59 milhões em 2010, correspondendo a R$ 92 milhões desembolsados por brasileiros e brasileiras aflitos. O segundo colocado, o popular Lexotan (bromazepan) teve nada menos que 4,4 milhões de unidades consumidas em 2010, seguido do Frontal (alprazolam) com 4,3 milhões de unidades.
A explicação está na equação pacientes angustiados, médicos impacientes. Pois muitas vezes uma boa conversa, uma pitada de compreensão e uma dose de esperança podem perfeitamente evitar a medicalização. Eu mesmo, quando médico residente, tirei pacientes em crise asmática apenas no soro, sem aminofilina nem corticoide, mas dedicando tempo a ouvir e a trocar impressões sobre a vida.
Mas isso vira sonho de uma noite de inverno diante do modelo de relação médico-paciente vigente, em que dois falam e nenhum dialoga e a consulta dura pouco mais de 10 minutos.
Demais, disseminou-se há anos a cultura do “cachete” (para os mais simples) e da “última descoberta” da indústria farmacêutica (para os de maior poder aquisitivo) e de absoluto desprezo pelas velhas e ainda em certos casos eficientes mezinhas.
Comigo não, Rosa. Confesso que o estresse me acicata diariamente, tal o volume de coisas a fazer e a pequenez do tempo útil, mas longe de mim trocar um bom chá de camomila (ou um poema de Drummond ou uma canção de Chico ou Tom) por um desses comprimidos guardados em caixas de tarja preta.
Um comentário:
Curti o blog.
Abraços.
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