Xadrez de
como Moro pode ter armado a história dos hackers
Luis Nassif, Jornal GGN
Para atingir Greenwald,
Moro espalhou o terro entre todos os Departamentos que trabalham com
estrangeiros
Peça 1 – A teoria do fato
Em 9 de junho de 2016, publiquei um Xadrez sobre a “teoria do
fato” (não confundir com a “teoria do domínio do fato”), a técnica que passou a
ser utilizada pelo Ministério Público Federal em suas investigações.
Para não se perder com a quantidade de informações levantadas, o
investigador deveria desenvolver uma “teoria do fato” inicial, uma tese na qual
coubessem as provas levantadas, ainda que incipientes. Depois, a teoria inicial
seria gradativamente modificada, à luz dos novos fatos que fossem aparecendo.
Peça 2 – a teoria do fato na Operação
Spooling
Entendido isso, vamos aplicar a Teoria do Fato na Operação
Spooling, que prendeu os hackers russos de Araraquara.
São apenas hipóteses, mas que formam um todo lógico.
Há mais de um mês já corriam rumores de grampo nos celulares da Lava Jato.
Imaginou-se, então, uma estratégia que permitisse desviar o foco do conteúdo
das mensagens para a criminalização da origem. No limite, permitir a deportação
de Glenn Greenwald.
Passo 1 –
identificar algum pequeno criminoso digital e prepará-lo para ser o hackeador
mor da República.
Passo 2 –
fornecer a ele os celulares de personalidades relevantes da República, de
presidentes de Tribunais a presidentes da República,
Passo 3 –
deflagrar a Operação Spooling e anunciar a prisão dos hackers com estardalhaço.
Passo
4 – montar o alarde em cima dos números de celulares de
autoridades encontradas no celular do hacker, independentemente de comprovação
se foram ou não hackeadas. E aproveitar o clima de catarse para articular a
deportação de Glenn Greenwald.
Peça 3 – os pontos que reforçam a Teoria do
Fato
As seguintes informações reforçam essa narrativa, que acabou se
perdendo pela inverossimilhança.
Ponto 1 –
a má escolha dos culpados, um DJ, um motorista do Uber, um aluno de curso
técnico de uma cidade do interior. Pelo histórico, dificilmente teriam
informações até sobre o The Intercept, que atinge um público mais sofisticado.
Muito menos teriam capacidade técnica para uma operação de tal envergadura.
Ponto
2 – a descoberta que o principal suspeito ficou sete anos
sem movimentar sua conta do Twitter, retornou um mês antes, transmudado. De
filiado ao DEM, apoiador de Bolsonaro, a crítico do PT, tornou-se petista,
passando a retuitar matérias críticas a Bolsonaro. Além disso, um belo trabalho
da Revista Fórum descobriu que os tuítes eram disparados de Brasilia e o
primeiro perfil a seguir o hacker foi do Antagonista, espécie de veículo
oficial da Lava Jato e de Moro.
Ponto
3 – a ansiedade de colunista de tecnologia de O Globo que,
antes mesmo de qualquer informação da Polícia Federal ou declaração de Moro,
referendou a tese de que os hackers detidos teriam sido os informantes do The
Intercept, e foi a manchete principal do jornal durante toda a manhã do
espetáculo.
Ponto 4 – a pressa de Sergio Moro em
atribuir aos hackers o dossiê do The Intercept, antes de qualquer vistoria da
PF.
Ponto 5 –
a decisão de Moro de telefonar a várias autoridades para comunicar que tinham
sido hackeadas. A Polícia Federal sequer tinha aprofundado a perícia. A única
prova eram os números de celulares no celular do hacker.
Ponto
6 – Finalmente, a Portaria 666, publicada hoje, sobre
deportação de estrangeiros.
Peça 4 – onde a Operação falhou
O factoide dos hackers durou um dia. No final do dia, choveram
críticas pesadas de vários setores, que aumentaram de volume quando o
presidente do Superior Tribunal de Justiça, Otávio Noronha, divulgou o
telefonema de Moro comunicando o suposto grampo contra ele e a decisão de
destruir os arquivos apreendidos com os supostos hackers.
A atitude despertou várias suspeitas, que enfraqueceram o
impacto das manobras de Moro.
Sobre
os telefonemas – ficou-se em dúvida sobre as intenções de Moro, se
tentar, pelo favor ou pela chantagem implícita, apoio para uma radicalização
contra o The Intercept.
Sobre a destruição dos
arquivos – para impedir que suas conversas tenham outro ponto de
vazamento ou para impedir que se descubra a manipulação dos arquivos
encontrados com o hacker?
Outros
fatores contribuíram para o fracasso da estratégia, o mais relevante dos quais
foi o profissionalismo da equipe da Polícia Federal que tocou a operação. A
coletiva sobre o caso foi objetiva, sem avançar em ilações e convicções, como
a Lava Jato costumava fazer.
De uma fonte da PF ouvi a afirmação, de que não aceitariam
repetir o IPM (Inquérito Policial Militar) do Riocentro, um episódio que
manchou para sempre a imagem do Coronel Job, o incumbido de esconder o fato.
Em dois momentos, a postura profissional dos policiais abortou
factoides de Moro.
Momento 1 –
os vazadores de Moro trataram de difundir frases descontextualizados dos
hackers detidos, como a história de que tentaram vender o material para o PT e
que mantiveram contato com Glenn Greenwald. Aí a PF divulga a informação de que
os hackers admitiram não ter entrado pagamento pelas informações, praticamente
isentando o The Intercept da suspeita de cometimento de crime.
Seria curiosíssima a reconstituição desse interrogatório
preliminar do hacker, que arrancou dele uma declaração que, na prática,
absolveria o The Intercept mesmo que fosse ele a fonte do jornal.
Momento 2 –
logo após vazar a declaração de Moro, de que iria destruir os arquivos
recolhidos, a PF soltou uma nota oficial negando a intenção e dizendo que a
autorização teria que ser do juiz do caso.
A grande bomba se transformou em um crack, quando até o Jornal Nacional
se armou de cautelas para cobrir o tema. E, com o palco esvaziado, Moro lança
seu último projétil, o tal decreto de extradição que acaba explodindo em um
palco vazio com a força de um track.
Peça 5 – à guisa de conclusão
Tudo o que escrevi se baseia em uma hipótese, uma Teoria do
Fato. À medida em que novos fatos forem surgindo, a Teoria poderá ser refeita.
Ou, o que parece mais provável, reforçada.
A quantidade de irregularidades cometidas em apenas um dia
mostra um Sérgio Moro totalmente descontrolado. Vazou informações para
autoridades do governo de uma operação sigilosa; antecipou conclusões antes
mesmo das perícias; anunciou a destruição de provas, sem ter poder para tal;
finalmente, solta um decreto propondo expulsão de estrangeiros de forma sumária,
atropelando todas as salvaguardas da Constituição. Para atingir Greenwald, Moro
espalhou o terror entre todos os Departamento que trabalham com estrangeiros.
Essa série de abusos liquida completamente o apoio que recebe
das forças institucionais, Ministros do Supremo e Organizações Globo, entre
elas.
A partir de agora, o único caminho que restará a Moro será
apoiar cada vez mais nos grupos de ultradireita que povoam as redes sociais. E
no apoio condescendente de Jair Bolsonaro.
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