24 janeiro 2023

Moeda única?

Não é moeda única, é financiamento de exportações

Em paralelo a esse acordo, será montado um Grupo de Trabalho para estudar a viabilidade de uma unidade de troca comum
Luís Nassif/Jornal GGN


Vamos entender melhor o que é que a mídia vem tratando como “moeda única” latino-americana, segundo um de seus formuladores.

A Argentina quis vender a ideia de uma moeda única ao Financial Times, mas por desespero. Não há nada próximo a isso em discussão, a não ser a criação de um Grupo de Trabalho pensando em uma moeda futuramente, mas apenas para trocas comerciais.

Com a crise da Argentina, a relação comercial com o Brasil voltou ao período pré-Mercosul. O espaço foi ocupado pela China, porque esta oferece crédito e swap cambial de um Banco Central para outro. Swap cambial é a troca de moedas, quando um dos lados não pode controlar o risco embutido em determinadas operações por falta de moedas conversíveis.

O primeiro passo do Brasil, para retomar o comércio com a Argentina, será voltar a ter um Eximbank (banco de financiamentos do comércio exterior) e fazer swap cambial de um banco para outro.

Mas há dificuldades com Banco Central independente que não quer correr o risco Argentina. O Ministério da Fazenda ofereceu o Tesouro para garantir, mas há limitações legais para o Tesouro atuar como emprestador do BC e, ao mesmo tempo, como garantidor. O BC tem operações de swap cambial dos Estados Unidos para o Brasil, mas com o Tesouro não.

Nas negociações, a Argentina queria acesso a uma linha fixa de reais para poder convertê-los em dólares. Decidiu-se  que o crédito será exclusivamente para importar produtos e serviços do Brasil.

A operação será garantida pelo Fundo Garantidor de Exportações (FGE). Para os bancos, é o melhor caminho. Como o FGE tem o risco soberano Brasil – que é baixo -, não afeta os limites da Basiléia – que, de acordo com o perfil de crédito de um banco, define limites para empréstimos.

Qualquer banco – inclusive bancos privados – poderão tomar linhas para financiar o comércio com a Argentina. O pagamento será feito diretamente ao exportador brasileiro.

Por exemplo, a Fiat vai exportar para a Argentina. Pede financiamento em 180 dias. O banco brasileiro paga à vista, em reais. 

Aí entra em jogo a questão das garantias. A Argentina que só tem reservas de US$ 7 bilhões em caixa e apenas as exportações brasileiras são de US$ 13 bilhões por ano. 

Nessa operação, há dois riscos a serem administrados:

  1. O risco do importador argentino.
  2. O risco da própria Argentina. Ou seja, o importador paga, mas a Argentina não tem dólares suficientes para fazer a transferência. Poderia pagar em pesos, mas há risco nítido de, no curto prazo, ocorrer uma maxidesvalorização do peso e um default, o que transformaria a garantia peso em pó.

O grande desafio, então, é como administrar esse duplo risco: do importador e da Argentina. 

ra o banco comercial, o FGE é o melhor caminho, porque troca o duplo risco de default pelo risco do Tesouro, que é o mesmo do risco soberano Brasil – baixíssimo. Pelo acordo de Basileia, o limite de crédito de um banco depende da qualidade da sua carteira. Com o risco soberano Brasil, os limites de crédito bancário não serão afetados.

Até hoje, o fundo sofreu três calotes: de Cuba, Moçambique e da Venezuela. Para se prevenir no projeto Argentina, montou-se o seguinte acordo:

  1. A Argentina fica com o risco do importador, via Banco da Nação Argentina.
  2. Já o risco Argentina será trabalhado com garantias adicionais, ativos com liquidez internacional e conversíveis em reais: receitas de petróleo, soja, trigo e gás.
  3. Essas garantias serão depositadas em locais em que possam ser executadas – Nova York, Londres ou no Brasil.
  4. Além dessas garantias, haverá uma outra garantia adicional de 200% em peso, para compensar a diferença entre o câmbio oficial e o paralelo.

Nesse modelo, há uma garantia contra o duplo default. O valor da linha dependerá do tamanho das exportações brasileiras.

Depois de decidido o modelo, passou-se aos detalhes. Sérgio Massa, o Ministro da Economia da Argentina, ofereceu o gás de Vaca Muerta como garantia. Como há muita volatilidade nas cotações internacionais de gás, o Brasil exigiu, como referencial, um valor mais barato do que aquele pago pelo gás boliviano, para ter alguma gordura, se o preço internacional cair.

Outro ponto negociado foi uma questão de retirada de capitais da Argentina. Hoje em dia há grandes restrições à saída de capitais, devido à situação das reservas argentinas. O Banco do Brasil, por exemplo, tem um banco na Patagônia, mas não consegue retirar dividendos e convertê-los em reais. A linha 4 do acordo vai garantir essa saída.

O segundo passo

Em paralelo a esse acordo, será montado um Grupo de Trabalho para estudar a viabilidade de uma unidade de troca comum, uma câmara de compensação de comércio no Sul – que nada tem a ver com a tal moeda única.

Com governança conjunta, nesta câmara de compensação/unidade de conta e de troca, se conseguirá algum tipo de coordenação econômica entre países. Aí a integração econômica será um pouco mais profunda, com a possível adesão do Uruguai e do Chile. Mas é um projeto para um ponto qualquer do futuro.

A definição do modelo atual foi possível graças ao empenho e experiência do Banco do Brasil. Apesar de ter sido o grande financiador das exportações brasileiras, por alguma razão interna o BNDES não participou dos estudos.

O caleidoscópico tempo presente https://bit.ly/3Ye45TD

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