Não é
moeda única, é financiamento de exportações
Em
paralelo a esse acordo, será montado um Grupo de Trabalho para estudar a
viabilidade de uma unidade de troca comum
Luís Nassif/Jornal GGN
Vamos entender melhor o que é que a
mídia vem tratando como “moeda única” latino-americana, segundo um de seus
formuladores.
A Argentina quis vender a ideia de
uma moeda única ao Financial Times, mas por desespero. Não há nada próximo a isso
em discussão, a não ser a criação de um Grupo de Trabalho pensando em uma moeda
futuramente, mas apenas para trocas comerciais.
Com a crise da Argentina, a relação
comercial com o Brasil voltou ao período pré-Mercosul. O espaço foi ocupado
pela China, porque esta oferece crédito e swap cambial de um Banco Central para
outro. Swap cambial é a troca de moedas, quando um dos lados não pode controlar
o risco embutido em determinadas operações por falta de moedas conversíveis.
O primeiro passo do Brasil, para
retomar o comércio com a Argentina, será voltar a ter um Eximbank (banco de
financiamentos do comércio exterior) e fazer swap cambial de um banco para
outro.
Mas há dificuldades com Banco Central
independente que não quer correr o risco Argentina. O Ministério da Fazenda
ofereceu o Tesouro para garantir, mas há limitações legais para o Tesouro atuar
como emprestador do BC e, ao mesmo tempo, como garantidor. O BC tem operações
de swap cambial dos Estados Unidos para o Brasil, mas com o Tesouro não.
Nas negociações, a Argentina queria
acesso a uma linha fixa de reais para poder convertê-los em dólares.
Decidiu-se que o crédito será exclusivamente para importar produtos e
serviços do Brasil.
A operação será garantida pelo Fundo
Garantidor de Exportações (FGE). Para os bancos, é o melhor caminho. Como o FGE
tem o risco soberano Brasil – que é baixo -, não afeta os limites da Basiléia –
que, de acordo com o perfil de crédito de um banco, define limites para
empréstimos.
Qualquer banco – inclusive bancos
privados – poderão tomar linhas para financiar o comércio com a Argentina. O
pagamento será feito diretamente ao exportador brasileiro.
Por exemplo, a Fiat vai exportar para
a Argentina. Pede financiamento em 180 dias. O banco brasileiro paga à vista,
em reais.
Aí entra em jogo a questão das
garantias. A Argentina que só tem reservas de US$ 7 bilhões em caixa e apenas
as exportações brasileiras são de US$ 13 bilhões por ano.
Nessa operação, há dois riscos a
serem administrados:
- O risco do importador argentino.
- O risco da própria Argentina. Ou seja, o importador paga, mas a
Argentina não tem dólares suficientes para fazer a transferência. Poderia
pagar em pesos, mas há risco nítido de, no curto prazo, ocorrer uma
maxidesvalorização do peso e um default, o que transformaria a garantia
peso em pó.
O grande desafio, então, é como
administrar esse duplo risco: do importador e da Argentina.
ra o banco comercial, o FGE é o
melhor caminho, porque troca o duplo risco de default pelo risco do Tesouro,
que é o mesmo do risco soberano Brasil – baixíssimo. Pelo acordo de Basileia, o
limite de crédito de um banco depende da qualidade da sua carteira. Com o risco
soberano Brasil, os limites de crédito bancário não serão afetados.
Até hoje, o fundo sofreu três
calotes: de Cuba, Moçambique e da Venezuela. Para se prevenir no projeto
Argentina, montou-se o seguinte acordo:
- A Argentina fica com o risco do importador, via Banco da Nação
Argentina.
- Já o risco Argentina será trabalhado com garantias adicionais,
ativos com liquidez internacional e conversíveis em reais: receitas de
petróleo, soja, trigo e gás.
- Essas garantias serão depositadas em locais em que possam ser
executadas – Nova York, Londres ou no Brasil.
- Além dessas garantias, haverá uma outra garantia adicional de 200%
em peso, para compensar a diferença entre o câmbio oficial e o paralelo.
Nesse modelo, há uma garantia contra
o duplo default. O valor da linha dependerá do tamanho das exportações
brasileiras.
Depois de decidido o modelo,
passou-se aos detalhes. Sérgio Massa, o Ministro da Economia da Argentina,
ofereceu o gás de Vaca Muerta como garantia. Como há muita volatilidade nas
cotações internacionais de gás, o Brasil exigiu, como referencial, um valor
mais barato do que aquele pago pelo gás boliviano, para ter alguma gordura, se
o preço internacional cair.
Outro ponto negociado foi uma questão
de retirada de capitais da Argentina. Hoje em dia há grandes restrições à saída
de capitais, devido à situação das reservas argentinas. O Banco do Brasil, por
exemplo, tem um banco na Patagônia, mas não consegue retirar dividendos e
convertê-los em reais. A linha 4 do acordo vai garantir essa saída.
O
segundo passo
Em
paralelo a esse acordo, será montado um Grupo de Trabalho para estudar a
viabilidade de uma unidade de troca comum, uma câmara de compensação de
comércio no Sul – que nada tem a ver com a tal moeda única.
Com
governança conjunta, nesta câmara de compensação/unidade de conta e de troca,
se conseguirá algum tipo de coordenação econômica entre países. Aí a integração
econômica será um pouco mais profunda, com a possível adesão do Uruguai e do
Chile. Mas é um projeto para um ponto qualquer do futuro.
A
definição do modelo atual foi possível graças ao empenho e experiência do Banco
do Brasil. Apesar de ter sido o grande financiador das exportações brasileiras,
por alguma razão interna o BNDES não participou dos estudos.
O caleidoscópico tempo presente
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