Algumas considerações sobre a visita do
presidente Lula à China
Nesses mais de 15 anos vivendo na China, pude acompanhar
diretamente parte desse intenso processo de transformações científicas,
econômicas e sociais do país
José Medeiros/Vermelho
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Entre os dias 12 e 14 de abril o presidente Lula esteve aqui na China para a sua primeira visita de Estado, depois que assumiu o terceiro mandato. As repercussões na mídia brasileira, chinesa e internacional são um bom indicativo da relevância dessa visita. A passagem de Lula por aqui foi marcada por um forte simbolismo: “No novo tempo… estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos”; pela posse de Dilma no Banco do BRICS, reforçando a importância dessa instituição no ordenamento econômico da multipolaridade; pelo encontro de Lula com o CEO da Huawei, na sede da empresa, sinalizando uma certa autonomia do Brasil nas escolhas dos seus parceiros econômico; e principalmente pelos ganhos políticos, muitos, como por exemplo o início dessa relação de amizade com o presidente Xi Jinping, que dirige a China nessa nova era rumo a modernização do país e a revitalização da nação chinesa.
Também foram feitos vários acordos na área econômica e assinados vários memorandos de entendimento (indicações dos próximos passos) em diversas áreas, como por exemplo ciência e tecnologia. Aliás, nesse sentido, merece destaque a atuação de Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, que também estava na comitiva de Lula.
Essa visita de Lula a China também foi um ensejo para as instituições acadêmicas chinesas aprofundarem o seu conhecimento sobre o Brasil e aprofundarmos o conhecimento sobre o desenvolvimento chinês e seu processo de inserção internacional. Nesse sentido, foram muitos os eventos acadêmicos e de mídia.
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Pessoalmente, participei no dia 13 de abril de um seminário (presencial e online) promovido pelo Instituto de América Latina da Academia de Ciências Sociais da China e a CGTN Espanhol, do grupo de mídia da China. Intitulado “Oportunidades e desafios para construção de uma comunidade de futuro compartilhado entre a China e a América Latina em uma nova era”, o evento teve a participação de diversos representantes acadêmicos da China, do Brasil e de outros países latino-americanos, além de representantes da mídia chinesa, como por exemplo Renato Lu, responsável pelo Departamento de Português do Diário do Povo Online (Pequim). A seguir, o texto que apresentei no referido seminário.
A educação como base fundamental para Construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado entre China e América Latina
A educação e o aprofundamento das pesquisas acadêmicas nos diversos campos do conhecimento são uma base fundamental para o aprofundamento do conhecimento mútuo entre o Brasil e a China e a Construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado entre China, o Brasil e toda a América Latina.
Em setembro de 2007 cheguei na China com dois objetivos particulares: ensinar português na Universidade de Estudos Internacionais de Xi’An e desenvolver minha pesquisa de doutorado sobre alguns aspectos da questão camponesa na China. Esses dois objetivos particulares faziam parte de um objetivo constante mais geral, que é uma consciência de que o Brasil precisa desenvolver um conhecimento próprio sobre a China.
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No início dos anos 2000 tive o privilégio de conhecer importantes acadêmicos brasileiros dedicados ao estudo da China, entre os quais o professor Severino Cabral, um dos pioneiros no Brasil no estudo da política chinesa. Esses professores foram fundamentais na minha formação e decisão de vim morar na China para vivenciar diretamente o desenvolvimento do país e, assim, poder colaborar na construção de um conhecimento próprio do Brasil sobre a realidade chinesa. A ascensão da China e seu protagonismo crescente no reordenamento econômico e geopolítico global provam que os meus professores estavam corretos em suas percepções.
Nesses mais de 15 anos vivendo na China, pude acompanhar diretamente parte desse intenso processo de transformações científicas, econômicas e sociais do país. Pude testemunhar também o empenho direto do presidente Xi e de todo o Partido para eliminação da extrema pobreza, sem dúvidas um feito histórico não apenas para o povo chinês mas para toda a humanidade. Sobretudo, desde o XVIII Congresso do Partido Comunista da China, tenho testemunhado (e estudado) um conjunto de novos conceitos desenvolvidos pelo presidente Xi Jinping como resposta aos grandes desafios do tempo presente, interna e externamente. Nesse sentido, no campo da Diplomacia de Grande País, destacaria o Diálogo entre as Civilizações; e diversas iniciativas como Cinturão e Rota; a Iniciativa para uma Segurança Global; Iniciativa de Desenvolvimento Global; etc.
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Especialmente, nesse conjunto de novas ideias apresentadas por Xi, merece destaque a concepção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado para Humanidade, conceito esse mencionado pela primeira vez em 2012, durante o XVIII do Partido. Desde então, o conceito foi sendo desenvolvido e aprofundado, sendo uma das contribuições teóricas centrais para o campo da diplomacia e das relações internacionais do Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas na Nova Era.
Em resumo, podemos dizer que esse conceito condensa em si três grandes atributos. Um, é o da tradição civilizacional, de uma prosperidade voltada para o bem geral da humanidade e a busca da harmonia entre os povos, pois como dizia Confúcio, “Dentro dos Quatro Mares, todos somos irmãos (四海之内皆兄弟也). Segundo, é um aprofundamento das teorias das relações internacionais desenvolvidas pelo país desde a fundação da República Popular em 1949. Terceiro, que é a aplicação do marxismo à realidade chinesa, com destaque para a solidariedade internacionalista do Partido Comunista da China.
No entanto, se por um lado o Partido, os diplomatas e o grande parte dos acadêmicos chineses já tem um entendimento claro de que a Construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado é uma linha teórica-chave para o enfrentamento dos grandes desafios, não se pode dizer o mesmo em relação aos estudiosos de China na América Latina (com importantes exceções, obviamente). E essa é uma deficiência que só pode ser superada com muita dedicação e estudos prolongados, o que exige, na parte acadêmica, a criação de parcerias acadêmicas entre pessoas e instituições, novas linhas de pesquisas e, principalmente a formação de jovens. Muitos.
Da primeira visita de Lula à China em 2004, muitas coisas mudaram no Brasil, na China e mundo. No entanto, o fato de tanto o Brasil quanto a China possuírem interesses estratégicos convergentes é um ponto que continua inalterado. Se por um lado isso é um fator positivo, não se pode ter ilusões, principalmente diante de um cenário internacional cada vez mais conturbado. E é preciso reconhecer que sem um conhecimento mútuo profundo, mais difícil será o caminho para na Construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado entre China e América Latina, compartilharmos experiências e alcançarmos a prosperidade comum entre os nossos povos.
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