27 setembro 2024

Enio Lins opina

Importância dos silêncios eloquentes num mundo muito barulhento
Enio Lins  

Muitas reportagens foram publicadas sobre a sempre destacada presença de Lula na Assembleia Geral da ONU. Avaliando o pronunciamento do presidente do Brasil na solenidade de abertura, a prestigiada BBC apontou cinco pontos que considerou muito relevantes, dentre estes indicando o que teria sido uma falha. Puxa vida: que bom poder identificar hoje um possível erro numa fala presidencial brasileira, quando entre 2018 e 2022 nunca foi possível localizar um único acerto.


RELEVÂNCIA

Mais importante em todos esses imbróglios é constatar que o Brasil recuperou sua relevância internacional. Nosso país, enfim, saiu do atoleiro no qual foi mergulhado entre 2018 e 2022, quadriênio perdido e que é uma mancha excrementosa – fétida, felizmente hoje isolada e higienizada – na longa história da diplomacia brasileira. Esse fio condutor de proeminência tem grandes referências em diplomatas como o Barão do Rio Branco (que seguiu usando o título durante a República) e Osvaldo Aranha (que liderou a ONU e formulou o plano de criação dos estados da Palestina e de Israel), e em presidentes da República – independentemente das posições políticas ideológicas de cada – que jogaram papel relevante no cenário internacional, como Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Lula (“o cara&rdquo ;, segundo Barack Obama). Luiz Inácio Lula da Silva pode ser considerado o mais expressivo dessa lista presidencial, mas esta tradição não foi criada por ele.

4x1 ou 5x0?

Listou a BBC cinco destaques da fala de Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU, considerando quatro acertos e um silêncio (sem rotular como “erro”). Os quatro gols seriam: 1) Abordagem da problemática das redes sociais, exemplificada na luta da Justiça brasileira contra as ilegalidades cometidas pela empresa americana X (ex-Twitter); 2) Crítica às guerras em curso, particularmente no tocante ao massacre cometido por Israel contra os palestinos, denunciando os dois lados sem temer identificar as ações israelenses como as mais desumanas; 3) Reforma da ONU, defendendo a reestruturação da entidade, o que outras mídias repercutiram como uma “constituinte das Nações Unidas”; 4) Questão climática, citando os problemas brasileiros neste campo e cobrando “dos países ricos — e os maiores poluidores do mundo — [que] se comprometam a remunerar aos emergentes pelos serviços de conservação florestal e pela redução de emissões de gases do efeito estufa”. O “gol contra” (termo meu e não da BBC) teria sido calar sobre Maduro. Data vênia dos especialistas, ouço nesse mutismo um quinto gol.

FOI ERRO?

Biden mencionou o caso venezuelano de passagem, apenas para dizer que o presidente americano da Venezuela é Edmundo González. O presidente dos Estados Unidos centrou seu derradeiro discurso na ONU em questões mais relevantes como a guerra no Oriente Médio, pedindo o fim imediato dos combates na Faixa de Gaza – mas tomando o cuidado de não citar Israel (seu aliado incondicional) e de saudar a presença de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, na Assembleia Geral. Estadistas, ao “esquecerem” determinadas citações, lembram ao mundo suas prioridades. Lula e Biden acertaram, cada qual a seu modo, um esqueceu Nicolás Maduro, outro esqueceu Bibi Netanyahu. Silêncios que provocaram zoadas danadas. Mas, como reza aquele velho provérbio árabe, marca do antológico colunista social Ibrahim Sued, “os cães ladram e as caravanas passam” – o import ante é saber aonde se quer chegar. Lula, amadurecido, parece ter aprendido a mandar recados sem dizer palavra.

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