03 setembro 2025

Abraão Sicsu opina

Tecnofeudalismo: o que é isso?
Abraham B. Sicsú  

Tenho resistido a ler livros técnicos de economia. Exigem uma atenção aos detalhes, uma constante observação por novos conceitos, novos modos de ver o mundo. Mas, sem dúvida são importantes, permitem elucidar muitas das dúvidas que a perplexidade do que ocorre no mundo atual tem gerado.

Recebi um livro que ficou famoso. Está na segunda edição. “Tecnofeudalismo, o que matou o capitsalismo”. De Yanis Varoufakis. O autor, um ex Ministro da Fazenda da Grécia. Inquietante e perturbador. Ainda não acabei, mas tenho vontade de fazer algumas observações.

Dois fatos atuais geram a atenção do autor. A privatização da Internet para as Big Techs e as respostas dos Bancos Centrais às crises, a partir de 2008.

Cria um conceito bem original, Capital Nuvem, corporificado em algoritmos que não só gerenciam as atividades como são profissionais de marketing, corporificam o poder do capital e tornam todos proletários das nuvens, com serviços não remunerados sem nenhuma mediação de mercados. Os computadores conversam entre si, aumenta o domínio do capital sobre o trabalho, suplantam as contradições do sistema capitalista e resolvem o problema das contradições inerentes ao subjulgar do trabalho diretamente a seus designios.

Superam-se as contradições ressaltadas por Marx em seus dias. Dizia ele:

“Tudo parece repleto de contrário : o maquinário dotado do maravilhoso poder de diminuir e frutificar o trabalho humano; as fontes modernas de riqueza, por algum estranho feitiço, são transformadas em fontes de necessidade; as vitórias da arte parecem compradas pela perda de caráter.”

Supera-se a fase em que o trabalho, no capitalismo industrial, era reduzido a operações mais simples que levavam à dominação e exploração do trabalhador assalariado.

Hoje, a Inteligência Artificial e mesmo instrumentos simples como o conhecido algorítmo Alexa, armazenam nossos “desejos”, nossos hábitos, nossa estrutura de pensamento. Com isso, podem predizer os passos que daremos, as vontades que nos movem, os caminhos que utilizaremos. Para possuir um espaço nas nuvens permitem que sejamos direcionados, sejamos orientados no que fazer, no que consumir.

Tornamo-nos servos de orientações das máquinas que permitem às grandes Big Techs direcionarem os caminhos que a sociedade deve tomar.

 Não desaparece a produção, muito menos o consumo ou sua corporificação nos lucros, mas esses são orientados pelos algoritmos que tem como objetivo consolidar o poder dos pouquíssimos grandes grupos que são detentores dos espaços nas nuvens.

Com isso,surge uma teoria original sobre as crises na sociedade que vivemos. São enfrentadas pelos Bancos Centrais através da emissão de moeda na grande maioria das vezes.

As empresas do mundo produtivo real, físico, usam-no para a resolução de seus problemas efetivos no evitar do desemprego em massa, no evitar do fechamento de suas unidades fabris.

Mas, as empresas detentoras das nuvens direcionam para as atividades das nuvens, orientam para a compra de ações, para o incentivo da financeirização das bolsas e a atração de uma miríade de investidores que se beneficia na busca de valorização de seus capitais.

Isso explica como num tempo de crise e fechamento de investimentos no mundo concreto, palpável, tenha-se o paradoxo de um mercado financeiro se valorizando com empresas com lucros extra normais fantásticos, mesmo com os indicadores de PIB e crescimento em números bastante negativos.

Na Pandemia, por exemplo, enquanto a economia americana fechou mais de 30 milhões de empregos. a Amazon, por exemplo, contratou mais de 100mil novos empregados. Mesmo ”as empresas capitalistas-nuvem que tiveram uma pandemia ruim, como a Uber e Airbnb, cujos clientes não podiam usar seus serviços, pegaram o dinheiro do banco central e investiram em mais capital-nuvem, como se não houvesse pandemia.” Valorizaram-se.

O que Yanis está chamando a atenção é que surge uma nova classe dominante numa nova onda tecnológica. Esta se mostra mais revolucionaria do que qualquer uma que a antecedeu.

Ela se tornou “um detentor de atenção, um fabricante de desejos, um condutor do trabalho proletariado (dos proletários das nuvens), um obtentor de mão de obra gratuita de massa (dos servos das nuvens) e um criador de espaço de transação totalmente privatizado (Feudos das nuvens). “

Um mundo que se configura desta maneira nos torna indivíduos sujeitos a um poder que desconhecíamos. Continuarei lendo o fim do livro. Vale a pena aprender com ele.

Será o fim do capitalismo nos moldes que fomos acostumados a pensar ou surgirá um calcanhar de Aquiles que o próprio sistema engendrará? Estou curioso. Contarei depois, se não acharem spoiler demais.

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