Tecnofeudalismo: o que é isso?
Abraham B. Sicsú
Tenho resistido a ler livros técnicos de economia. Exigem uma atenção aos detalhes, uma constante observação por novos conceitos, novos modos de ver o mundo. Mas, sem dúvida são importantes, permitem elucidar muitas das dúvidas que a perplexidade do que ocorre no mundo atual tem gerado.
Recebi um livro que ficou famoso. Está na segunda
edição. “Tecnofeudalismo, o que matou o capitsalismo”. De Yanis Varoufakis. O
autor, um ex Ministro da Fazenda da Grécia. Inquietante e perturbador. Ainda
não acabei, mas tenho vontade de fazer algumas observações.
Dois fatos atuais geram a atenção do autor. A
privatização da Internet para as Big Techs e as respostas dos Bancos Centrais
às crises, a partir de 2008.
Cria um conceito bem original, Capital Nuvem,
corporificado em algoritmos que não só gerenciam as atividades como são
profissionais de marketing, corporificam o poder do capital e tornam todos
proletários das nuvens, com serviços não remunerados sem nenhuma mediação de
mercados. Os computadores conversam entre si, aumenta o domínio do capital
sobre o trabalho, suplantam as contradições do sistema capitalista e resolvem o
problema das contradições inerentes ao subjulgar do trabalho diretamente a seus
designios.
Superam-se as contradições ressaltadas por Marx em
seus dias. Dizia ele:
“Tudo parece repleto de contrário : o maquinário
dotado do maravilhoso poder de diminuir e frutificar o trabalho humano; as
fontes modernas de riqueza, por algum estranho feitiço, são transformadas em
fontes de necessidade; as vitórias da arte parecem compradas pela perda de
caráter.”
Supera-se a fase em que o trabalho, no capitalismo
industrial, era reduzido a operações mais simples que levavam à dominação e
exploração do trabalhador assalariado.
Hoje, a Inteligência Artificial e mesmo instrumentos
simples como o conhecido algorítmo Alexa, armazenam nossos “desejos”, nossos
hábitos, nossa estrutura de pensamento. Com isso, podem predizer os passos que
daremos, as vontades que nos movem, os caminhos que utilizaremos. Para possuir
um espaço nas nuvens permitem que sejamos direcionados, sejamos orientados no
que fazer, no que consumir.
Tornamo-nos servos de orientações das máquinas que
permitem às grandes Big Techs direcionarem os caminhos que a sociedade deve
tomar.
Não desaparece
a produção, muito menos o consumo ou sua corporificação nos lucros, mas esses
são orientados pelos algoritmos que tem como objetivo consolidar o poder dos
pouquíssimos grandes grupos que são detentores dos espaços nas nuvens.
Com isso,surge uma teoria original sobre as crises na
sociedade que vivemos. São enfrentadas pelos Bancos Centrais através da emissão
de moeda na grande maioria das vezes.
As empresas do mundo produtivo real, físico, usam-no
para a resolução de seus problemas efetivos no evitar do desemprego em massa,
no evitar do fechamento de suas unidades fabris.
Mas, as empresas detentoras das nuvens direcionam para
as atividades das nuvens, orientam para a compra de ações, para o incentivo da
financeirização das bolsas e a atração de uma miríade de investidores que se
beneficia na busca de valorização de seus capitais.
Isso explica como num tempo de crise e fechamento de
investimentos no mundo concreto, palpável, tenha-se o paradoxo de um mercado
financeiro se valorizando com empresas com lucros extra normais fantásticos,
mesmo com os indicadores de PIB e crescimento em números bastante negativos.
Na Pandemia, por exemplo, enquanto a economia
americana fechou mais de 30 milhões de empregos. a Amazon, por exemplo,
contratou mais de 100mil novos empregados. Mesmo ”as empresas
capitalistas-nuvem que tiveram uma pandemia ruim, como a Uber e Airbnb, cujos
clientes não podiam usar seus serviços, pegaram o dinheiro do banco central e
investiram em mais capital-nuvem, como se não houvesse pandemia.”
Valorizaram-se.
O que Yanis está chamando a atenção é que surge uma
nova classe dominante numa nova onda tecnológica. Esta se mostra mais
revolucionaria do que qualquer uma que a antecedeu.
Ela se tornou “um detentor de atenção, um fabricante
de desejos, um condutor do trabalho proletariado (dos proletários das nuvens),
um obtentor de mão de obra gratuita de massa (dos servos das nuvens) e um
criador de espaço de transação totalmente privatizado (Feudos das nuvens). “
Um mundo que se configura desta maneira nos torna
indivíduos sujeitos a um poder que desconhecíamos. Continuarei lendo o fim do
livro. Vale a pena aprender com ele.
Será o fim do capitalismo nos moldes que fomos
acostumados a pensar ou surgirá um calcanhar de Aquiles que o próprio sistema
engendrará? Estou curioso. Contarei depois, se não acharem spoiler demais.
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