South Park expõe o caos da política americana na Era Trump
Na 27ª temporada, série transforma Trump em protagonista do absurdo, satirizando imigração, guerra comercial e o uso da inteligência artificial.
Thiago Modenesi/Vermelho
Desde o seu surgimento, South Park se consolidou não apenas como uma animação humorística para adultos, mas como um agudo comentário social, um espelho distorcido que reflete o absurdo da sociedade americana com uma precisão cada vez mais brutal. Nenhuma temporada exemplifica isso melhor do que a atual 27ª, aqui se eleva o presidente Donald Trump a um protagonista, debochando do órgão sexual diminuto do governante e o colocando num relacionamento com o próprio Satanás, no qual inclusive atua como o opressor e torturador psicológico do seu companheiro/a, além de utilizar seu universo caótico para dissecar algumas de suas políticas mais controversas, como a perseguição a imigrantes, taxação dos outros países, a guerra comercial com a China e até os dilemas da inteligência artificial.
Diferente de aparições pontuais em temporadas passadas, Trump se tornou uma força narrativa central na 27ª temporada. Ele não é mais apenas um político, é uma entidade do caos, que se autoproclamou xerife do mundo e dos costumes, a nova temporada transforma o atual mandatário dos EUA na encarnação do mal, do que há de pior na política, no retrato da extrema-direita global desumanizada, sem limites morais, éticos ou outros quaisquer.
Essa metáfora é genialmente simples e poderosa: Trump é retratado não como um ideólogo, mas como um agente do puro tumulto, um ser que se alimenta do caos que ele mesmo gera. Sua presença em todos os episódios até o momento não é um acaso, mas uma declaração dos criadores Trey Parker e Matt Stone: o espírito de Trump, sua persona e seu impacto, são inseparáveis do tecido da América contemporânea.
Satanás, ironicamente, é mostrado como uma figura sensível, oprimida e emocionalmente complexa, exasperada com o comportamento amoral destrutivo e egocêntrico de seu concubino. Esse dinamismo inverte a lógica tradicional do bem e do mal, sugerindo que o verdadeiro perigo não é o diabo clássico, mas uma força de narcisismo, hegemonismo, imperialismo e caos irrefletido que até mesmo o Príncipe das Trevas acha difícil suportar.
A genialidade de South Park reside em sua capacidade de traduzir complexas questões políticas em piadas viscerais e situações ridículas. Os 4 primeiros episódios dos 6 que devem ser exibidos na 27ª temporada trazem o alerta de um Jesus amedrontado ao povo da cidade sobre os riscos de enfrentar o todo-poderoso Trump, piadas com a genitália presidencial, o processo de dependência do Chat GPT das pessoas nos EUA e no mundo, a perseguição aos imigrantes através da força-tarefa ICE e o consumismo representado pelos Labubus, acompanhado da crítica as taxas cobradas aos outros países, no qual um personagem chinês repete insistentemente: “quem paga a conta das taxas altas são os cidadãos dos EUA”.
A 27ª temporada de South Park solidifica a série como uma das fontes mais perspicazes para entender a era Trump. Longe de ser apenas humor chocante, a série realiza uma análise cultural profunda. Ao transformar Trump no concubino de Satanás, ela vai além da crítica política simples e ataca a essência de seu fenómeno: a glorificação do caos, a política como espetáculo e a substituição da razão pelos impulsos de um governante imperialista, que tenta por em xeque todo o planeta para impor sua agenda.
South Park revela a verdadeira face dessas medidas, muitas vezes são produtos de caprichos, ego e uma desconexão total das consequências humanas reais, Trump demonstrou desde sua posse que não está nem aí para isso, ataca os Direitos Humanos dentro e fora dos EUA, força os limites em todas as esferas do poder. Em vários momentos o governante avança e recua no que propõe, reforçando a sensação de nem o próprio sabe direito qual seu objetivo central e de que não se preocupa com os freios e contrapesos previstos em Lei, nem dentro e nem fora das fronteiras estadunidenses.
Em um mundo cada vez mais complexo e assustador, rir do absurdo pode ser a forma mais eficaz de compreendê-lo. E nessa temporada, South Park nos faz rir diretamente do abismo.
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