05 agosto 2007

Bom dia, Adalberto Monteiro

Miró
Tango na Paulista

Cinza, frio, noite típica paulistana de inverno.

Saio do cinema, lacrimejando,
Possuído pelas desgraças dos personagens - algo típico meu.
Subo as escadas e assim
Com o coração na mão dou de cara com ela.
Ela com sua diversa fauna e escassa flora.
(Flores somente as suspensas nos postes).
Suas luzes lindas e as estrelas longínquas
E a lua espetada na antena da TV,
E na calçada um músico mulato,
Toca, solitariamente, há horas,
Piazzolla.

Entrei para assistir o filme
Ele ali já se encontrava
Com a disciplina de um espartano,
Tocando tango
Com a fé de um franciscano,
O corpo dançando
Num molejo manso.

Olhei no chapéu
E não havia dinheiro sequer
Para um pão decente.
A avenida, o frio, o tango,
Possuído
Pela tragédia do “despertar de uma paixão”
Eu carregava debaixo do braço
Uma revista de poesia,
E aquele homem abrindo-se e fechando-se.
Tocando Piazzolla,
Com a perseverança e a boa-venturança
De um monge,
Ele sim era a poesia, de nada valia
Aquela revista sofisticada,
Aqueles poemas requintados, requentados.
Quer saber?
Era merda da pura
Comparado àquele acordeom
Que acasalava São Paulo com Buenos Aires...

As pessoas passavam e embora o achassem belo
E a música os fizesse bem,
Não havia tempo para ouvi-lo
E aplaudi-lo não seria de bom tom.
Eu já estava na boca do metrô
Voltei e como quem vota
Depositei no chapéu uma cédula.

Que ao menos aquele
Portenho mulato
Que mais parecia
Um regente de bateria
De escola de samba
Orvalhado pela garoa paulistana
Tivesse ao final da jornada
Um bife a cavalo
Uma taça de vinho...
Era o mínimo que eu poderia fazer
A quem deu um fino jantar à minha alma.

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