O ovo podre e os defeitos de fabricação
Luciano Siqueira
Começou com a Toyota, se não me engano, e agora chega à Nissan e à Fiat – que esta semana promove o recall do modelo Stilo. Quer dizer: milhares de veículos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, saíram da fábrica com defeito que pode ameaçar a segurança dos seus proprietários.
Nos EUA milhares de usuários recorrem à Justiça reivindicando indenização polpuda que, causas ganhas, acrescentarão grandes dificuldades financeiras à Toyota.
Lembro de uma dura discussão entre o meu pai, dono de mercearia em Natal, no Rio Grande do Norte, com um freguês que lhe trouxera contido numa terrina de louça um ovo apodrecido. Queria trocar a mercadoria. E meu pai, certamente irritado com outro assunto, descarregou no indigitado comprador toda a sua ira: - E o senhor acha que estou dentro dos ovos que vendo? Precisou que Oneide, minha mãe, sempre hábil conciliadora, interferisse para trocar o ovo e deixar as coisas em paz.
Pois bem. Os altos executivos das grandes montadoras de automóveis não podem usar o mesmo argumento. Estar dentro de um ovo é obviamente impossível, mas submeter as linhas de montagem dos veículos a rigoroso controle de qualidade, sim. E se não o fazem é porque motivos têm para tanto.
Situações semelhantes ocorrem praticamente em todas as áreas da produção e comercialização de mercadorias. Basta ver as estatísticas do Procon. Em São Paulo, no ranking de reclamações de consumidores ostenta o primeiro lugar por quatro anos consecutivos a Telefonica, empresa espanhola que controla os serviços de telefonia na maior cidade do país, seguida de perto pela Eletropaulo, estatal encarregada da distribuição de energia elétrica. Em terceiro lugar, o Banco Itaú.
Aí se dá uma peleja desigual entre o cidadão e as grandes empresas. Entre a satisfação daqueles que a duras penas paga suas contas e com sacrifício adquire um bem de valor mais elevado – caso dos automóveis – e se vê sujeito à péssima prestação de serviços e mesmo ao risco de vida por defeito de fabricação. Essa é a face visível do problema.
O pano de fundo é o conflito entre o bem comum e a sanha de lucro. Vivemos, é claro, num sistema em que o lucro é o móvel principal de todos os que investem em algum tipo de atividade empresarial. Desconhecer isso não é o caso. Mas é minimamente razoável que se preserve o direito e a segurança do cidadão.
O tema ganha relevo agora que o Código de Defesa do Consumidor completa vinte anos. Pois que o usemos em toda a sua inteireza.
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